A ideia de os seguidores do ditador alemão, Adolfinho, terem vencido a Segunda Guerra Mundial já é um clichê na ficção, mas qual a liberdade que restou nessa distopia?
Muitas obras já abordaram a ideia de um mundo distópico com os alemães tendo vencido a Segunda Guerra Mundial, indo de séries até livros, como no livro The Man in the High Castle. Esse livro, escrito por Philip Dick, foi publicado inicialmente em 1962 e virou uma série na Amazon Prime, abordando um mundo conquistado totalmente e dividido entre a Alemanha e o Japão.
Porém, o caso desta vez é de um mod de Hearts of Iron 4, um famoso jogo da Paradox sobre a Segunda Guerra Mundial. Seus fãs usaram o jogo para criar mods contando histórias alternativas do mundo real, imaginando cenários diferentes para as Guerras Napoleônicas e, no caso apresentado aqui, para a Segunda Guerra. O mod em questão chama-se 'The New Order', ou, numa tradução para o português, 'A Nova Ordem: Os Últimos Dias da Europa'.
As mudanças históricas nesse jogo não são poucas e começam na União Soviética, e nesse cenário alternativo, Josef Stalin nunca ascendeu ao poder, sendo substituído por Nicolai Bukharin, um revolucionário marxista que assumiu a liderança do país. Dado isso, a industrialização soviética não ocorreu da mesma forma, resultando em uma Rússia que permaneceu estagnada no tempo, sendo um país mais agrário e com um exército e infraestrutura fracas.
A Partir daí, a maior parte da história continua igual, com Hitler subindo ao poder em 1933, anexando a Áustria em 38, invadindo a Checoslováquia e até fazendo o pacto Molotov-Ribbentrop com os russos. O Reino Unido e a França declararam guerra à Alemanha devido à invasão da Polônia. Com Paris caindo nas mãos das forças alemãs, ocorreu a formação da França Livre, além dos grupos de resistência à ocupação.
Mas o ponto de maior perda para os aliados foi com o Egito e Gibraltar sendo capturados pelas forças do Eixo, o que acabou por prender a Royal Navy no mediterrâneo que virou um alvo fácil para os nazistas. Essa grande perda da poderosa Marinha Imperial Britânica abriu espaço para que, em 1943, a operação Sealion fosse um sucesso. Assim, os alemães conseguiram capturar as ilhas britânicas com apoio de colaboracionistas irlandeses e fazendo com que o que restou do Império Britânico ficasse sob controle do governo em exílio no Canadá. Foi fundado um estado fantoches na Inglaterra com uma oposição controlada para diminuir as revoltas, enquanto a Escócia e País de Gales se tornaram repúblicas independentes. O Reino Unido, o Império onde o Sol nunca se põe, tinha sido eclipsado por uma suástica.
Os Estados Unidos já tinham entrado na guerra a esse ponto e tentaram fazer um desembarque na Escócia enquanto também perdiam para os japoneses no Pacífico com o ataque de Pearl Harbor. Apesar disso, os americanos conseguiram defender a Austrália e Nova Zelândia das mãos japonesas. E com a Europa já dominada, os alemães decidiram iniciar a Operação Barbarossa, que nessa realidade foi um sucesso absoluto e conseguiu empurrar os exércitos soviéticos até os Urais, fragmentando o Exército Vermelho no processo.
O fim da guerra aconteceu em 4 de julho 1945, quando os japoneses jogaram uma Bomba Nuclear dada pelos alemães em Pearl Harbor, destruindo o resto da frota americana na região do Pacífico. Após isso, diplomatas americanos se reuniram com o Eixo para negociar a Paz, com a Alemanha e seus regimes fantoches dominando toda a Europa para remodelar ela a sua imagem. E o Japão acabou dominando todo o Pacífico oriental, com exceção da Austrália e Nova Zelândia. Finalmente, os Estados Unidos assinaram um tratado os proibindo de interferir na Europa pelos próximos 100 anos.
Logo após isso, o que restou dos países aliados, acabaram criando uma nova aliança sob a liderança dos Estados Unidos, a Organização das Nações Livres, a ONL. Essa organização foi composta por Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, com influências nos ex-estados-membros da Commonwealth Britânica. Financiando golpes e estabelecendo uma fronteira definitiva para o mundo livre, acreditando que, se não contivessem ao máximo a expansão fascista, em algum momento, ela alcançaria as Américas e as conquistaria. A Organização das Nações Livres também não tinha simpatia com os comunistas, mas acreditava que eles eram menos piores do que os fascistas.
Enquanto o que restou da Rússia se fragmentou em diversos estados de senhores da guerra, grupos da parte ocidental do país tentou se unir no Fronte Revolucionário da Rússia Ocidental, visando libertar o resto da União Soviética da garra dos Alemães. Eles falharam no processo, mas conseguiram expor a fraqueza da Alemanha no Pós-guerra, com a Itália e o Japão se distanciando da Alemanha e seguindo seus próprios caminhos. O Japão se tornou mais isolacionista e focando em apenas explorar os seus novos fantoches na Ásia. Enquanto a Itália, ainda sob a liderança de Mussolini, se aliou com a Nova União Ibérica e a Turquia para criar o Triunvirato.
Depois de tudo isso, Heinrich Himmler, vendo Hitler agora como um líder fraco, tentou dar um golpe de estado na Alemanha com ajuda da SS. O ditador alemão ficou sabendo disso antes e para apaziguar a situação, deu a ele um estado próprio na região da Borgonha com a Bélgica, fundando assim o Estado da SS da Borgonha. Esse estado totalitário totalmente fechado planejou secretamente causar um Holocausto Nuclear para limpar o mundo dos grupos vistos como indesejados. A Organização das Nações Livres continuou agindo de maneira bruta para evitar a expansão de influência das potências do Eixo.
O Brasil nesse universo não teve tanta relevância, tendo declarado guerra ao eixo em 1943, depois dos alemães afundarem navios brasileiros e tendo enviado tropas para manter a Escócia após o desembarque alemão. Com o final da guerra, o país também assinou a paz, porém Getúlio Vargas recusou a deixar o poder. Os militares resolveram dar um golpe em seu governo e conseguiram restaurar a democracia sob a liderança de Henrique Teixeira Lott.
Como vimos, o estado em que o mundo de The New Order se encontra é algo deprimente. A ONL acaba sendo um equivalente mais bruto da Otan nesse mundo, lutando e financiando golpes em países autoritários para preservar o pouco de liberdade que ainda resta nele. E mesmo que a liberdade seja algo que os países alinhados aos EUA querem manter, ainda assim, todas as ideologias nesse mundo tendem para um estado forte e intervencionista. Nem mesmo dentro do jogo existe espaço para ideologias mais libertárias, sendo as mais próximas uma vertente libertária de esquerda (por mais contraditório que seja) e o liberalismo de mercado. Nem na vastidão do território russo temos algum líder militar libertário anarcocapitalista, com o exemplo mais próximo sendo o do Mercenário americano Werbell que vivia em Magadan, na Rússia.
A Segunda Guerra Mundial teve um impacto grande, dando origem à Guerra Fria entre os blocos socialista e capitalista. A União Soviética, apesar de ser uma ditadura, adotou o discurso de liberdade ao fazer diversas propagandas de que era uma "ditadura popular" para "libertar os trabalhadores". Esse fato mostra como, mesmo em ditaduras totalitárias, a tendência do ser humano, em geral, é apoiar a liberdade. Sabendo disso, os comunistas alegavam defender a liberdade, mesmo não apoiando a liberdade individual ou o direito de propriedade do seu povo.
No mundo de The New Order é altamente propagada a ideia do estado como o papel de protetor da liberdade, por mais irônico que pareça. Os cidadãos acreditam que sem uma organização central, acabariam caindo na mão de estados ainda piores. Até os movimentos antiguerra dentro da história pregavam um caminho estratégico, acreditando que a guerra na Europa já estava perdida e só seria perda de tempo gastar mais recursos com esse conflito.
Como toda guerra, esse grande conflito mundial só tornou o mundo cada vez mais militarista, dividido e violento. Acreditando que com uma luta constante, que só tira mais recursos da população e centraliza o poder estatal, seja necessário para alcançar uma paz futura. Nem mesmo o tal avanço tecnológico que se tem nessas guerras é recompensador, vindo com um custo extremamente alto de vidas humanas, recursos e até destruindo cidades inteiras. A guerra entre os entes estatais não é benéfica ao povo que morre nela, somente aos burocratas que a comandam e ganham mais poder. Afinal, como a guerra direciona recursos e mão de obra para uma máquina de destruição em prol da elite estatal no poder, os inventores, empreendedores e especialistas que poderiam estar criando serviços e soluções no mercado ficam impedidos de fazê-lo. O comércio global diminui com tantos países hostilizando uns aos outros e se fechando ao aos negócios internacionais. É evidente, portanto, que o caminho da guerra é o caminho da pobreza, destruição e coletivismo que só pode beneficiar aqueles que tem ganância pelo poder total.
Enfim, caso as forças do Eixo tivessem vencido a guerra, seja de maneira mundial ou só uma grande dominação europeia, não é difícil imaginar que o mundo teria hoje valores totalmente diferentes. Teríamos governos mais autoritários e pró-fascismo, escravidão de outros povos e a dominação por guerra sendo algo mais comum. Além disso, o holocausto perpetrado pelos nazistas teria uma dimensão maior e destruiria a vida de outros povos. Com os ideais americanos, se consolidou hoje um mundo muito mais voltado para o individualismo e pela liberdade pró-mercado em vários países ocidentais. Coisa que no mundo de The New Order infelizmente não aconteceu e não teve condições para isso. Pois como o próprio nome do Mod diz, esses são os últimos dias da Europa, pois nenhum futuro se reserva a um mundo sem liberdade.
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