Ações de boicote são plenamente válidas, mas a coisa muda de figura quando tem o dedo do estado na história.
A rede Carrefour, uma das maiores redes varejistas da França e presente em mais de 30 países ao redor do globo, afirmou que vai suspender as vendas dos produtos da PepsiCo em quatro países - França, Itália, Espanha e Bélgica. A PepsiCo é responsável por fabricar e vender produtos alimentícios famosos, como o refrigerante Pepsi, o isotônico Gatorade e os salgadinhos Lays, Cheetos e Ruffles. Mas qual seria o motivo por trás dessa decisão, no mínimo drástica, tomada pelo Carrefour? A resposta é simples e direta: a PepsiCo estaria praticando preços considerados “inaceitáveis” pela rede varejista.
Ao todo, mais de 9 mil lojas Carrefour serão impactadas por essa medida - cifra que representa ⅔ de todas as unidades da companhia. No lugar dos produtos da PepsiCo nas prateleiras dos supermercados, será exibida uma placa, mandando a real a respeito do motivo pelo qual os produtos não estão mais disponíveis. E, acredite ou não, medidas semelhantes já foram tomadas contra a empresa, no passado, em países como a Alemanha e a Bélgica, por outras varejistas. Na prática, essa é uma forma bastante conhecida de fazer negociação e pressionar os fornecedores para obter preços mais baixos.
A rede Carrefour tem apostado, nos últimos anos, numa abordagem mais amigável para com seus consumidores, no que se refere aos preços. Veja, por exemplo, que suas lojas começaram a exibir avisos em produtos que tiveram seu tamanho reduzido, porém seu preço mantido - fenômeno chamado de “reduflação”, e que já foi tema de um vídeo aqui neste canal, cujo link está na descrição. Vemos, assim, mais um passo da gigante francesa, nessa sua estratégia de marketing de “defesa dos interesses do consumidor”.
De qualquer forma, as negociações entre fornecedores e varejistas têm se tornado cada vez mais tensas na França, uma vez que o país passa por uma onda de aumento nos preços dos alimentos bastante considerável. Nós já abordamos esse tema aqui no canal, no vídeo: “França CONGELA PREÇOS de mais de 100 itens” - link na descrição. Nos últimos 12 meses, o aumento nos preços de itens alimentícios na terra do Macron atingiu a marca de 7% - sim, bem superior ao índice oficial de inflação aqui no Brasil. De forma geral, as redes varejistas tentam evitar, ao máximo, repassar os aumentos para o consumidor final - para continuarem competitivas e para evitar atritos com o governo.
Esse tipo de pressão, realizada por uma empresa privada contra seus fornecedores, pode ser considerada ética, de acordo com o libertarianismo? E a resposta para essa pergunta é: sim! Empresas são entes privados, que possuem suas próprias regras e podem usufruir do seu patrimônio - dinheiro, espaço físico, prateleiras - como bem entenderem. A rede Carrefour não é obrigada a comprar ou vender os itens de nenhuma marca contra sua vontade. Da mesma forma, a PepsiCo não é obrigada a se sujeitar à pressão de seus clientes.
Portanto, a atitude tomada pelas redes varejistas é bela e moral, do ponto de vista da ética libertária. É assim que funciona uma negociação legítima: uma parte pressiona, a outra parte cede um pouco e, no fim das contas, ambas chegam a um acordo. E se não houver acordo, paciência: ninguém pode ser obrigado a assinar um contrato contra sua própria vontade. Percebe-se que, nesse cenário, não existe violência envolvida. Mais uma vez: tudo belo e moral.
A estratégia ousada do Carrefour não vai necessariamente ser bem sucedida. Tudo isso depende dos rumos da negociação. Ao que parece, a PepsiCo se adiantou a essa questão, expandindo seus negócios na direção de outra rede varejista - a espanhola Mercadona. Mais do que isso: a fabricante está apostando em algumas marcas novas, mais baratas, como alternativa a seus próprios produtos tradicionais - que, portanto, são mais caros. Essas marcas seriam oferecidas, exclusivamente, para as lojas Mercadona - tornando-as mais competitivas que o Carrefour. No fim das contas, contudo, isso pouco importa: pela ética libertária, ambas as ações estão dentro da normalidade.
Porém, não podemos, absolutamente, restringir essa questão à relação livre entre dois entes econômicos. Afinal de contas, existe um terceiro elemento nessa equação que não deve ser desprezado: o estado. Veja que o motivo por trás do embate entre Carrefour e PepsiCo está no aumento de preços - que é, na prática, o reflexo da inflação criada pelo estado. E, de forma geral, é o governo francês quem está pressionando as empresas na busca por preços menores - e nós já vamos falar sobre isso.
É certo que você já sabe disso, mas nunca é demais lembrar dessa importante verdade: ao contrário do que os governos e a grande mídia gostam de propagandear, inflação não é aumento de preços. A inflação é, basicamente, o aumento da base monetária; ou, em outras palavras, trata-se do governo imprimindo dinheiro e o despejando na economia. O aumento de preços é, apenas, a consequência mais visível de uma inflação que já aconteceu. Portanto, se os preços estão altos a ponto de os varejistas reclamarem com os fornecedores, isso se deve, em primeiro lugar, à ação danosa do estado, que segue imprimindo mais dinheiro, como se não houvesse amanhã.
Contudo, o governo francês, de forma canalha, finge desconhecer essa realidade econômica inegável. Veja que, por exemplo, o ministro das Finanças e da Economia do país, Bruno Le Maire, ameaçou cobrar impostos mais altos das empresas varejistas caso elas não repassem a recente queda em seus custos - muito modesta, por sinal - para os consumidores. A ideia é evitar que as empresas tenham lucros considerados “indevidos”. É que, de acordo com os dados oficiais do governo, a inflação sobre os alimentos desacelerou no último mês.
É por isso também que o governo francês solicitou às redes varejistas e aos produtores que encerrassem suas negociações no mês de janeiro - ou seja, 2 meses antes do que seria habitual. Essas negociações, tipicamente, definem o rumo dos preços, no decorrer do ano. Percebe-se, portanto, que o governo francês quer que as empresas estabeleçam seus preços num patamar mais baixo, para evitar que os números da inflação estatal causem ainda mais prejuízos políticos para Emmanuel Macron.
É importante lembrar que o atual e persistente problema da inflação – que castiga não apenas a França, mas a Europa como um todo – é um reflexo tardio da crise sanitária de 2020. Esses efeitos, portanto, são culpa exclusiva do estado. Foram os governos que fecharam as empresas e arruinaram a cadeia produtiva durante meses a fio, distorcendo por completo a economia. E foram os governos que também imprimiram dinheiro numa escala industrial, nunca antes vista, durante esse período. A soma desses fatores resultou, como se percebe, num aumento generalizado de preços.
Agora, porém, a conta precisa ser paga pelos consumidores - a parte mais fraca dessa história. Só que o aumento de preços é ruim para a imagem dos políticos. A resposta estatal para esse problema, criado pelo próprio estado, portanto, é pressionar as empresas, para que elas reduzam seus lucros - ou, em alguns casos, simplesmente tenham prejuízo. Se o governo da França realmente quisesse a estabilidade de preços, ele deveria segurar seu ímpeto expansionista, para que o aumento da base monetária não castigasse tanto os produtores e consumidores. Contudo, é sempre mais fácil terceirizar a culpa dos próprios erros.
A prática de boicote a determinados produtos ou marcas é plenamente válida, dentro da ética libertária. Da mesma forma, estratégias como aquelas adotadas pelo Carrefour e pela própria PepsiCo são eticamente aceitáveis, por serem baseadas em escolhas pessoais e voluntárias, que respeitam os limites da propriedade privada. De fato, os preços devem mesmo ser decididos pelo livre mercado - por meio do sutil equilíbrio entre oferta e demanda, e através de livres negociações entre os agentes econômicos.
Por isso, enquanto a disputa entre Carrefour e PepsiCo se restringir apenas a uma questão de mercado, essa história toda será positiva: o consumidor sairá vencendo, no final das contas. Contudo, se esse embate tem suas raízes nas exigências do governo francês, então o consumidor terminará por ser prejudicado, por conta de mais essa intervenção estatal. De qualquer forma, não nos resta dúvida a respeito de quem é o verdadeiro responsável pelo aumento de preços que tem castigado não apenas os franceses e demais europeus, mas todos nós. Em todos esses casos, e mais uma vez, a culpa é do estado.
https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/pepsico-ganha-terreno-com-marca-branca-apos-boicote-do-carrefour/
https://www.youtube.com/watch?v=yiKl-aHdzho&pp=ygUidmlzw6NvIGxpYmVydMOhcmlhIHByZcOnb3MgZnJhbsOnYQ%3D%3D
https://www.youtube.com/watch?v=7PXMxD2ORjo&pp=ygUgc2hyaW5rZmxhdGlvbiB2aXPDo28gbGliZXJ0w6FyaWE%3D