Um negro rico contratando um italiano para dirigir pelo sul dos Estados Unidos na década de 1960. O que poderia dar errado?
É interessante compreender como um filme que retrata os anos 1960 pode mostrar de maneira tão clara, o maior problema da sociedade atual. Mas antes de falarmos sobre o longa-metragem vencedor de três Oscars em 2019, caso seja sensível em receber spoilers, recomendo que o assista primeiro. Está disponível na Amazon e possui torrent com excelentes peers e seeds na internet. Dado os devidos avisos, vamos ao vídeo.
Don Shirley, é um pianista negro conhecido mundialmente pela alta sociedade. Ele fará uma turnê pelo sul dos Estados Unidos durante o período conhecido pela segregação racial. Era neste período que Martin Luther King Júnior discursava sobre os direitos civis dos negros. Como precisava de um motorista e guarda-costas contrata Tony Lip, um americano que vinha de uma família italiana, que vive com seus pais, irmãos e tios em sua casa no Bronx, um bairro pobre situado em Nova York.
O filme tem vários pontos que poderíamos analisar pela visão libertária. O fato de a segregação racial ser algo que está na lei, mostrando que palavras em um livro de regras não é parâmetro para moralidade; o racismo de Shirley com Tony, e de Tony com outros negros no começo de filme, explorando o fato de racismo não ser único e exclusivo de brancos como muitos guerreiros da justiça social dizem; o caso de Shirley não se sentir parte de nenhuma sociedade, pois os brancos não o aceitam pela cor de sua pele, e os negros também não o aceitam por ele ser de uma classe social mais elevada, indicando a rejeição por questões banais de ambos; o fato de como uma arma ser um artefato que realmente é utilizado para proteção e não para ataque. Contudo, o que quero dissertar aqui neste vídeo é outro ponto, bem explícito neste longa-metragem.
Em um determinado momento, enquanto Shirley e Tony estão dirigindo pelo interior dos Estados Unidos, o carro superaquece e ambos ficam parados na estrada em um local predominantemente rural. Shirley sai do carro e se depara com algumas dezenas de outros negros trabalhando, carpindo a terra. Obviamente, eles eram muito pobres. Com roupas sujas e maltrapilhas, eles pararam para observar Shirley, em seu terno fino, saindo do carro enquanto Tony colocava água no motor para resfriá-lo. Este, a meu ver, é o exato momento que a obra mostra o maior problema da sociedade atual: a inveja nos olhos daqueles que sabem que não podem escalar socialmente.
Os agricultores estavam olhando para Shirley com um olhar de confusão e inveja, pois sabiam que naquela parte dos Estados Unidos não poderiam galgar uma classe social diferente daquela que estavam, devido à segregação e racismo que havia naquela época e naquela região. Não havia como por meio do suor e sangue conseguirem uma vida melhor. Não havia trabalho suficiente que eles pudessem fazer que os deixariam em uma situação financeira e social melhor do que aquela na qual já estavam inseridos. Isso gera duas emoções muito fortes e negativas nas pessoas: o niilismo e a inveja. O primeiro porque sabem que não há nada que possam fazer que irá lhes dar tanto conforto quanto aquele que viram em Shirley. E o segundo, por não conseguirem este conforto, cria uma sensação de que se eles não conseguem, ninguém deveria conseguir.
Por mais que a situação hoje seja outra e que naquela época era realmente absurda essa segregação, estes não são os mesmos sentimentos que vemos na atual sociedade? Não é o sentimento que emana em abundância, não apenas dos progressistas, mas também de vários ditos de direita? Um sentimento de que o futuro é cinza e sombrio. De que não adianta nada todo o trabalho e esforço que fazemos, nós nunca mudaremos nossa condição social. Não importa o quanto trabalhamos nós nunca ficaremos tão ricos quanto os gurus do YouTube, tão felizes e magros quanto as pessoas no Instagram, ou tão plenos quanto as gerações passadas. E, hoje, nós não temos mais muitos dos problemas que existiam naquela época, temos muito mais liberdade para mudar de vida.
Somos a geração que acredita que deixaremos um futuro pior para nossos filhos do que aquele que recebemos. Isso se tivermos filhos, até porque muitas mulheres acham que todo macho é escroto, e muitos homens acham que toda mulher tem um passado pior que o de Sodoma e Gomorra. Quando temos filhos, é apenas depois dos 30 anos, pois antes disso é necessário viver para trabalhar a fim de conseguir ter ao menos um cubículo de 50 metros quadrados para chamar de seu, financiado em 35 anos, tempo maior que a duração do casamento (ou até mesmo da própria vida).
Mas se isso é verdade, quem é o responsável por isso? No caso do filme, o racismo e a segregação, principalmente dos estados do sul do país, faziam com que as pessoas negras tivessem esse sentimento. Mas, e hoje? Não pode ser o mesmo responsável, afinal, a segregação já acabou e isso ainda é um sentimento geral de todas as pessoas, não limitado apenas a uma certa etnia. A resposta, é óbvia. O problema da atualidade é causado pelo próprio estado.
Perceba, tudo isso é ocasionado principalmente por duas ações estatais. A primeira, quando entra na vida de cada pessoa mediante leis e regulações que distorcem as interações entre as pessoas, e; a segunda, por meio da destruição do poder de compra da população e o aumento absurdo dos impostos.
Leis que dão inúmeros direitos às mulheres e certas à etnias em comparação a outras cria um sentimento de divisão na sociedade. A própria segregação durante a época descrita no filme mostra os direitos que uma etnia tinha sobre outras. Atualmente, as leis foram invertidas, dando mais poder aos que antes eram oprimidos. Ao invés de as leis serem iguais a todos, alguns sempre serão mais iguais que outros, quando o assunto for o estado. Além disso, as leis que beneficiam as mulheres, criam ojeriza nos homens, acabando com qualquer possibilidade de termos famílias estruturadas.
Já a destruição do poder de compra e o aumento dos impostos cria uma situação na qual a camada mais pobre não consegue melhorar de vida. Primeiramente, como tudo fica mais caro devido a maior tributação e as pessoas recebem menos pelo mesmo motivo, sobra pouco dinheiro para poderem gastar consigo e também para guardar. E mesmo que sobre algo, o poder de compra tende a ser menor no futuro, já que todos os investimentos não conseguem bater a inflação, que é o aumento da base monetária. Estímulos governamentais via subsídios criam bolhas, impedindo que a classe média, que não recebe subsídio e não ganha o suficiente para conseguir um financiamento, não consiga ter o sonho da casa própria, ou quando tem, é aquém do que teriam se não houvesse distorção estatal.
Por fim, quando os mais pobres ganham dinheiro fácil, isso exorta-os a querer mais, sem a necessidade de trabalhar, afinal, não importa o quanto trabalhem, ficarão sempre na mesma classe social. Isso cria uma situação que se retroalimenta, no qual pessoas pobres não trabalham, querem dinheiro fácil, a tributação aumenta e consequentemente fica mais difícil para ascenderem socialmente. E quando veem uma pessoa que consegue ascender na classe social, a menosprezam, dizendo que foi sorte, ou fez algo imoral, antiético e até mesmo criminoso.
E por tudo isso que vemos a sociedade no atual estado. Pessoas não vislumbram um futuro promissor, cabendo a elas se afogarem nas coisas mundanas, sem pensar no amanhã. Pensando que é inútil se casar e ter filhos, pois o futuro deles será ainda pior, ou o fim de um relacionamento pode significar a morte financeira, criando assim um problema ainda maior, seja porque a mulher tomou tudo do homem, seja porque o homem se nega a pagar uma pensão digna aos filhos. É o estado mostrando aquilo que ele quer de você: que trabalhe duro, enquanto lhe rouba o seu tempo e o dinheiro. Há ainda os que não querem ter filhos por conta de uma suposta crise climática, mas esses já estão tão contaminados pelo discurso do estado que é ainda mais difícil ter esperança de se libertar.
Mas se você se sente desta forma, trago-lhe um lampejo de esperança. Cada vez mais estamos vendo pessoas, seja aqui o Brasil, seja em outros lugares, formando grupos de indivíduos objetivando criar uma sociedade alternativa, como diria Raul Seixas. Muitos, inclusive, querem comprar um pedaço de terra e viver afastado. Estamos vendo um fenômeno que lembra muito a era do arcadismo no século XVIII: as pessoas estão retomando princípios clássicos e valorizando mais a vida simples no campo. Outros, preferem se manter nas cidades grandes, unidos por uma rede de apoio, para criar seus filhos, iniciar relacionamentos e até mesmo construir um mundo melhor para elas. O bitcoin também nos deu a oportunidade de termos uma moeda que não tem seu poder de compra degradado, como acontece com as moedas fiduciárias.
Portanto, existe uma luz no fim do túnel. Se você não conhece essas redes de apoio, comece uma na sua localidade. No futuro, essas redes e locais afastados, talvez sejam os últimos redutos de felicidade e prosperidade. Inclusive, talvez, precisemos criar nosso próprio livro verde, mas não como um lugar de segregação como no filme, mas sim com lugares seguros para qualquer pessoa que queira viver fora do estado.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Green_Book
https://www.adorocinema.com/filmes/filme-256661/
https://www.imdb.com/title/tt6966692/