E se a escravidão fosse tão agradável que você só sentisse prazer e não ficasse mais doente? Será que você iria resistir a esse sistema escravista ou o aceitaria sem questionamentos?
Para entender quem foi o prolífico escritor Aldous Huxley e quais suas influências, vamos primeiro falar de suas referências intelectuais: seus próprios parentes. O ateísmo nunca foi muito forte no ocidente antes do século XIX, mas após a segunda metade deste século, surgiram, então, as ideias de Karl Marx e Nietzsche, um dos pais da filosofia contemporânea. Além disso, uma leitura materialista do cientista Charles Darwin feita por Thomas Huxley (avô de Aldous Huxley), um membro da elite britânica, iria propagar essa nova mentalidade para a alta classe britânica. Assim, as ideias de Darwin e suas teorias genéticas iriam influenciar não só Thomas, uma grande geração de pessoas na sociedade europeia daquele período.
Thomas foi um simpatizante extremo do progressismo e entraria em polêmicas com religiosos. Em vez do bem transcendente e de uma ética, foi crescendo os adeptos das ideias utilitaristas na Europa. Se trata da ideia de que a ciência iria nos direcionar para uma sociedade controlada melhor administrada, sem beleza, bondade e verdade, em direção ao progresso de uma época melhor. Sempre evitando a dor e os problemas humanos, com tudo gerido de forma científica, aí estão as ideias que vieram substituir as concepções cristãs e religiosas da sociedade. Todas essas ideias foram adotadas pela elite intelectual e política britânica.
Para essa elite, o que atrapalha o novo progresso e o avanço da ciência global são os homens considerados com visões tribais. Portanto, essas tribos consideradas primitivas devem ser suprimidas para não atrapalhar o tão sonhado progresso. Inclusive, Julian Huxley, o irmão de Aldous Huxley, era um homem muito preocupado com controle populacional, sendo um defensor do eugenismo. Para a elite britânica, o controle populacional seria algo essencial para impedir o surgimento de uma super população que traria dificuldades à vida em sociedade. Julian, inclusive, tinha ideias globalistas e queria um sistema educacional global, o que daria mais poder e controle aos governantes.
Assim, podemos ver como Aldous nasceu numa família e num período histórico onde essas ideias eram defendidas por muitos com o crescimento das ideias estatistas, eugenistas e globalistas. Ele iria estudar em Oxford e teve uma educação de primeira, chegando a lecionar para centros de ensino para a elite britânica, tendo acesso aos contatos da elite local.
Aldous, por outro lado, foi um homem mais espiritualizado em relação a seus parentes; um escritor que amava a literatura, as línguas, as artes e boas ideias. Ele gostava da ideia da liberdade e da democracia jeffersoniana - inclusive, tentou virar cidadão americano. Mas o escritor acreditava na ideia de que o mundo estava ficando superpopuloso e isso seria um sério problema para o futuro da humanidade, além de que uma grande população levaria a uma centralização política.
Os impactos crescentes da revolução industrial contribuíram para as pessoas pensarem que a população cresceria sem fim, e poderiam surgir epidemias de fome e escassez, mesmo que essa ideia tenha sérios erros. Com base nisso, Aldous fala sobre o uso de mecanismos de controle geral, que aconteceriam na história do Admirável Mundo Novo.
Ele diz que essa elite no poder é a responsável por essa mudança, que na verdade é composta pela parceria entre grandes empresas e governos poderosos. Isso vai contra as ideias dos conservadores como de Gilbert Keith Chesterton, que queria resgatar a importância da vida local, opondo-se às políticas autoritárias e estatizantes.
Para Aldous, essa elite usaria da busca pelo prazer que o ser humano tem, além de métodos de manipulação em massa, para ter um controle mais eficiente sobre a população. Em sua visão, o grande sucesso por trás de vários ditadores foi a mídia de massa e o poder do marketing. Os soviéticos foram bastante eficientes no marketing e no controle da informação, para enganar não só seu povo, mas a imprensa ocidental, e o controle absoluto da cultura e da arte se mostrou eficaz.
Aldous também alertava sobre o aumento da burocracia e do aumento de regras em nossas vidas. Podemos ver também que hoje, no século XXI, estamos sendo cada vez mais vigiados. Com razão, ao analisar as grandes tiranias do século XX, o escritor britânico escreveu: “nunca houve tanto poder concentrado nas mãos de tão poucos, que acabam definindo a vida de tantas pessoas”.
A perda do elemento espiritual seria, na visão de Aldous, tão nociva para a vida humana que ela está associada a um mundo de privações e censura. Para ele, a solução seria o que acabou chamando de educação para a liberdade e para a autorresponsabilidade. Mostrar para as pessoas que o governo poderoso é um mal, não nos protege, e que à medida que permitimos esse maior controle sobre nossa vida, o fim da liberdade pode ser irrecuperável. A tecnologia também seria uma arma a ser usada pela elite no poder para estabelecer o que Aldous Huxley chama de “Admirável Mundo Novo”, e as coisas que amamos podem ser perdidas para sempre.
Nessa distopia idealizada por Huxley, o espírito da liberdade e também o espírito religioso são atacados fervorosamente e correm sérios riscos. Cada vez mais dominada pelo materialismo vazio e sem valores, o industrial Henry Ford era um Deus para esse povo.
A quebra da família e das relações humanas é, com certeza, a maior base do regime imaginado por Huxley. As crianças seriam geradas de forma genética, totalmente artificial no laboratório. Elas seriam programadas para se encaixarem em castas para que sua produtividade fosse aumentada, e seu papel social esperado fosse seguido, tudo sem questionamento. Assim, nesse regime totalitário as palavras como mãe e pai seriam censuradas pelo governo, sendo algo ofensivo para as pessoas.
As relações sexuais seriam supostamente livres, mas seriam sem vínculos de afetividade, pois o objetivo seria apenas de gerar prazer. O maior inimigo desse estado tecnocrático global seriam as famílias, as relações verdadeiras e instituições comunitárias. Qualquer barreira ao domínio total do governo, qualquer instituição intermediária seria logo atacada.
Nessa sociedade de controle, cerca de 70% das mulheres recebem hormônios masculinos para não engravidar, se tornando totalmente estéreis. As pessoas evitariam ter um parceiro sexual de longo prazo, porque a tendência seria de a pessoa criar laços profundos, o que era algo que o regime não permitiria.
Esses escravos, que nem sabem de seu estado de manipulação, consomem uma droga chamada Soma, o que as mantém cada vez mais dóceis e sedadas para os problemas reais. Essa droga, que até as crianças ingerem, não produz tantos efeitos nocivos à saúde dessas pessoas, fazendo com que elas não se preocupem com o uso dessa substância. O objetivo é sempre o prazer, mas essa busca incessante torna as pessoas cada vez mais alienadas. Sacrifícios, pensamento de longo prazo e responsabilidade individual não são ensinados para os jovens: elas apenas são inundadas de excesso de informações, mas só informação fútil.
Podemos ver como essas características dessa sociedade estão presentes na sociedade atual. As pessoas estão cada vez mais distraídas com excesso de entretenimento enquanto se drogam, e gastam seu tempo com divertimentos e prazeres. As pessoas só pensam na felicidade e em ganhos pessoais e as questões morais e éticas ficam cada vez mais de lado, gerando uma sociedade sem alma e sem compromisso com um mundo melhor.
Bernard Marx é um dos personagens da história. Ele é um psicólogo que está decepcionado com aquela sociedade onde a mediocridade é exaltada, e decide não se drogar mais. Ele se relaciona com uma bela mulher chamada Lenina Crowne, que é bastante conformista em relação às normas sociais e não questiona muito o regime em que vive. Em certo momento, decidem visitar uma reserva de selvagens, uma área separada da sociedade do Admirável Mundo Novo, onde não existe essa engenharia social.
A vida dos ditos selvagens é considerada uma forma bárbara de se viver. Nessa reserva, existem algumas pessoas em um processo de transição entre o admirável mundo novo e esse estilo de vida considerado bárbaro.
Eles encontram Linda, uma moça que engravidou do chefe de Bernard Marx, e acaba tendo o bebê na reserva de selvagens. Seu filho se chamaria John, e é um garoto que cresce aprendendo William Shakespeare e entra em contato com a tradição cristã. Começa então a entender o drama humano e a bíblia a partir desse escritor inglês. John desenvolveria atração pela Lenina, mas ele percebe que ela era uma pessoa promíscua e encarava o sexo apenas como fonte de prazer.
Ao contrário das pessoas que viviam inertes e condicionadas na sociedade controlada do Admirável Mundo Novo, John, o selvagem, é uma pessoa que cresceu com relações reais. Quando sua mãe está falecendo, ele sente toda a dor que os humanos da sociedade controlada deixaram de conhecer, por causa das drogas e distrações. John queria ver a verdade, queria entrar em contato com Deus, mesmo que para entrar em contato com essa verdade ele precisasse de sentir o sofrimento humano.
Bernard acha interessante levar John para a civilização controlada - pensando que ele seria uma espécie de atração exótica -, mas isso gera vários problemas na sociedade de controle. Por tentar desafiar as normas do sistema controlado, revelando seus reais problemas, isso complica para ele e sua parceira, Lenina.
A grande reflexão que a obra nos traz é: será que valeria a pena viver num mundo de controle e censura, onde as pessoas são tratadas como robôs em troca da eliminação do sofrimento? Uma sociedade onde o prazer, as futilidades e distrações tivessem mais valor do que as conexões reais da vida humana e nossos sentimentos mais profundos? Muitos indivíduos que viviam na sociedade de controle não conseguiam mais pensar e perderam a capacidade de entrar em contato com sua natureza humana e sentimental. Tudo era sobre facilidades, eliminação de dores e desconfortos e aumentos de prazer - até a dor do parto e as dificuldades de se criar um filho eram evitadas. As pessoas eram cada vez mais infantilizadas e não tinham senso de autorresponsabilidade. Infelizmente, a humanidade deixara sua natureza em troca de prazeres vazios, e escolhera deixar de pensar e conhecer o passado para não precisarem lidar com a verdade.
Levando em consideração a nossa geração de jovens que palavras machucam, que evitam a verdade e qualquer desconforto que ameace seus frágeis sistemas de crença, e só pensam em serem aceitas pelo coletivo, não estamos tão longe da distopia imaginada por Huxley.
Enfim, podemos até comparar a história apresentada na famosa trilogia cinematográfica Matrix, dirigido pelas Irmãs Wachowski, com a distopia de Aldous Huxley. Os indivíduos que viviam na realidade digital e ilusória de Matrix não sabiam da verdade, pois viviam com suas mentes inertes nas distrações e afazeres da vida cotidiana. O sistema fora implementado para eles não conhecerem a real situação de escravidão num mundo onde máquinas dominavam e sugavam sua energia vital, enquanto os humanos estavam adormecidos. Claro que existem várias diferenças na trama de Matrix e a obra de Huxley, mas a essência do dilema humano é o mesmo: a tranquilidade de uma vida de escravidão, ou a dor pelo caminho da verdade? Sobre isso, recomendamos um vídeo já lançado aqui no canal intitulado: “LIBERDADE ou FELICIDADE - A escolha de Cypher no filme MATRIX”.
Links:
https://www.youtube.com/watch?v=Pnrp_647b3E
https://www.youtube.com/watch?v=8sxlBbiHE58
https://www.youtube.com/watch?v=IoNPHjiixe0
https://www.youtube.com/watch?v=OHwa1ShehMo
https://www.youtube.com/watch?v=UEAE1vlGS5g