Vários jornalistas dizem que Bezos está preocupado com uma possível retaliação caso Trump vença a eleição.
No cerne do que alguns chamariam de “o sonho americano”, vemos o bilionário Jeff Bezos, homem que consolidou sua fortuna através da Amazon e agora dono de um dos jornais mais respeitados dos EUA, o Washington Post, encarando o dilema entre autonomia editorial e possíveis retaliações políticas. Seu jornal, que outrora tinha uma inclinação clara para o campo democrata, especialmente com um histórico de apoio explícito a candidatos como os de Watergate, agora se recusa a endossar qualquer candidato nas eleições de 2024, incluindo a democrata Kamala Harris.
Essa decisão, que levou o Post a perder cerca de 200 mil assinantes, gerou um terremoto entre leitores e críticos. É evidente que uma grande parte do público ainda enxerga no endosso de veículos de mídia uma espécie de bússola moral e política, o que, por si só, é uma armadilha de conformidade. Precisamos observar essa situação mediante um prisma de liberdade individual, questionando o motivo de tanta gente ainda buscar validação política em uma organização jornalística ou, pior, reagir de maneira tão desesperada ao perceber que essa empresa decidiu não “escolher um lado”.
Bezos argumenta que endossos políticos de jornais não influenciam eleições substancialmente, o que é uma observação intrigante, considerando o peso que a mídia historicamente possui. Ele afirma que essas declarações de apoio criam percepções de viés e minam a credibilidade da imprensa. Ele está certo. Se um jornal como o Post, cuja missão é informar de maneira objetiva, alinha-se abertamente com um partido ou candidato, perde o direito de se dizer uma fonte imparcial de informação.
A realidade é que a grande mídia tem o hábito de se colocar como uma espécie de “oráculo da verdade”, concomitantemente ao pregar o valor da neutralidade e do jornalismo investigativo. A defesa de Bezos, que muitos consideram uma estratégia para proteger-se de uma eventual retaliação de Donald Trump, caso vença, é uma prova do que ocorre quando a mídia corporativa se envolve profundamente no jogo do poder político. O conceito de liberdade de expressão perde o sentido quando se espera que o jornalismo funcione como braço de propaganda de qualquer partido. Bezos, ao menos em parte, parece entender isso.
As reações de indignação revelam o quanto as pessoas ainda veem a mídia como uma autoridade paternalista. As pessoas estão prontas para romper contratos de décadas, como o caso do assinante que cancelou após “70 anos” de fidelidade. É interessante observar como mesmo diante de uma promessa de neutralidade, os leitores parecem interpretar o silêncio como uma forma de traição. Essa reação é um reflexo do poder de manipulação da mídia, que, ao longo das décadas, se alimentou da confiança cega dos leitores. Esse poder, porém, não deveria jamais existir em uma sociedade verdadeiramente livre e anarcocapitalista.
Aqui surge uma questão fundamental: até que ponto é saudável para uma sociedade que indivíduos dependam de entidades mediáticas corporativas para decidir como enxergam o mundo político? A dependência desse tipo mina a autonomia do indivíduo e promove a ideia de que precisamos de intermediários para formar nossas próprias opiniões. Nessa perspectiva, Bezos, conscientemente ou não, dá um passo rumo ao ideal libertário ao sugerir que o Post permaneça imparcial.
Contudo, é evidente que o discurso de Bezos também contém o pragmatismo típico dos negócios. Ele sabe que sua empresa, assim como qualquer outra corporação em um ambiente regulado e fiscalizado por políticos, está sujeita a consequências políticas. Talvez o dono da Amazon queira salvar sua própria pele de uma possível retaliação de Trump, mas, independentemente de sua motivação, a decisão pelo silêncio editorial cria um precedente, na qual ao menos em teoria, a mídia começa a se afastar de seu papel como máquina de propaganda estatal. Uma questão interessante é: e se todos os jornais tomassem a mesma decisão e rejeitassem endossar qualquer candidato?
Em uma sociedade anarcocapitalista, a ideia de que uma corporação de mídia poderia manipular ou ditar o futuro político do país simplesmente não faz sentido. Em uma estrutura a qual as interações são voluntárias e desprovidas de coerção estatal, a mídia não teria o mesmo poder sobre a narrativa. A competição no mercado de ideias seria tão vigorosa que ninguém conseguiria dominar completamente a opinião pública, ou ao menos, não de forma tão unilateral.
A decisão de Bezos abre espaço para a possibilidade de que os cidadãos passem a formar suas opiniões políticas de forma mais autônoma, sem depender de uma “autoridade midiática” para lhes dizer quem é “bom” ou “ruim”. Claro, é improvável que essa transição seja rápida ou indolor. Muitos ainda irão resistir a abandonar o conforto de serem guiados por terceiros. Mas, ao menos, Bezos e o Post demonstram que não é necessário curvar-se a pressões ideológicas para manter a operação de um jornal.
É curioso ver a reação de figuras como Marty Baron, ex-editor do Post, que chamou sua decisão de “covarde”, dizer que a democracia é a grande vítima aqui. Porém, se pensarmos bem, a verdadeira covardia é depender da mídia para decidir quem é ou não o “candidato ideal”. A democracia, da forma como existe hoje, baseia-se no pressuposto de que cada indivíduo tem a capacidade e o direito de escolher o futuro do país. Entretanto, quando vemos que uma fração significativa da população precisa que um jornal endosse um candidato para validar suas opiniões, percebemos que essa ideia de escolha livre é um mito.
A democracia moderna já perdeu muito de sua essência, ao estar cada vez mais sujeita a influências externas e pressões corporativas. A imprensa, ao alinhar-se com partidos e candidatos, participa desse processo de manipulação. Ao rejeitar tal prática, Bezos parece fazer um convite implícito aos cidadãos para que eles busquem informações, para questionarem as motivações por trás das notícias que leem e formem suas próprias opiniões.
Essa postura não significa que o Washington Post tenha se tornado um bastião de jornalismo puro e sem interesses, mas ao menos simboliza um distanciamento do partidarismo descarado. E para aqueles que se consideram libertários ou anarcocapitalistas, esse tipo de decisão é um passo, ainda que pequeno, na direção certa.
No fim das contas, é improvável que um único bilionário e seu jornal causem uma revolução completa na relação entre mídia e política. Mas a recusa do Post em apoiar candidatos abre uma nova porta. Com o tempo, outros veículos de comunicação podem começar a adotar uma postura similar, não por uma questão de moralidade, mas de sobrevivência econômica. Afinal, a perda de 200 mil assinaturas é um custo significativo, especialmente em um mercado no qual os leitores estão cada vez mais desconfiados da mídia.
Imaginemos um futuro em que a mídia, assim como qualquer outra indústria, fosse regida exclusivamente pelas leis de mercado, sem interferência do estado ou laços com partidos. Esse é o cenário ideal de uma sociedade anarcocapitalista. Nesse contexto, veículos de comunicação teriam que competir de forma justa, sem contar com subsídios ou favores políticos para sobreviver. E os leitores, livres para escolher e investigar por conta própria, teriam uma visão muito mais plural e, talvez, realista do que realmente ocorre no cenário político.
A decisão de Bezos e do Washington Post é um sinal de que o futuro do jornalismo pode caminhar em direção a algo mais próximo dessa visão libertária, na qual a mídia não se vê obrigada a aderir a partidos e interesses de governos. Se esse movimento ganhar força, pode representar o começo de uma nova era para o verdadeiro livre-arbítrio e a independência de pensamento que serão finalmente valorizados.
Claro, tudo isso pode parecer utópico, mas cada pequena decisão nesse sentido é um passo para um futuro melhor. No mínimo, essa escolha do Post de permanecer neutro nas eleições de 2024 serve como um lembrete de que os indivíduos não precisam de um “pai midiático” para lhes dizer o que pensar ou como agir.
https://g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2024/noticia/2024/10/29/jeff-bezos-dono-do-washington-post-defende-decisao-do-jornal-de-nao-endossar-kamala-harris-mesmo-apos-perder-200-mil-assinaturas.ghtml