JUSTIÇA do RIO DE JANEIRO determina que CANÇÃO de ADELE seja BANIDA DO MUNDO INTEIRO por PLÁGIO

O curioso caso de um compositor brasileiro que processou a famosa Adele por plágio, nos ensina 2 importantes pontos sobre o Libertarianismo.

Trata-se de uma história muito engraçada - e tipicamente brasileira, é claro. Um compositor brasileiro, de nome Toninho Geraes, acionou a justiça brasileira contra a 16 vezes vencedora do Grammy, a britânica Adele. E o que motivou essa ação judicial? Muito simples: uma acusação de plágio, envolvendo a música "Million Years Ago", composta por Adele e por seu produtor Greg Kurstin, e que foi lançada em 2015, no álbum 25, da cantora.
Você pode até não conhecer Geraes - eu também não o conhecia, - mas certamente você conhece sua composição que supostamente foi plagiada por Adele e seu produtor. Trata-se da canção "Mulheres", consagrada na voz de Martinho da Vila desde 1995. Pois é! Embora “Million Years Ago” tenha sido lançada em 2015, Geraes só conheceu a canção em 2021 - ano em que o compositor decidiu acionar a justiça. Na época, a sua alegação era de que 87% da música lançada por Adele se referiam a cópias diretas da estrutura de compassos de “Mulheres”.
A partir daí, Geraes e seu advogado fizeram seu modesto pedido, a saber: que Geraes fosse creditado como compositor da canção no álbum de Adele, além do pagamento de US$ 160 mil a título de danos morais. E, é claro, o ressarcimento pelos royalties perdidos por todo o período desde o lançamento da canção de Adele.
Finalmente, depois de tantos anos, o caso foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. E, acredite ou não, conforme o juiz responsável pelo caso, Geraes está certo: a música de Adele é mesmo um plágio. Portanto, a canção não pode ser utilizada, reproduzida, editada ou distribuída sem autorização expressa do compositor brasileiro. 
O juiz responsável pelo caso ainda fixou uma multa de R$ 50 mil por cada descumprimento da decisão, válida para "qualquer modalidade, meio, suporte físico, digital, streaming ou plataforma de compartilhamento" - segundo a decisão. Parece brincadeira, mas é verdade.
O mais engraçado de tudo é que o juiz em questão sequer afirmou tratar-se de plágio, de fato - ele apenas disse que há uma "indisfarçável simetria" entre a música lançada por Adele e a composição de Geraes. Mas, será que isso procede? Fazendo uma análise musical, vou deixar aqui a minha opinião: as músicas não se parecem tanto assim.
É certo que a cadência de acordes, em ambos os casos, é parecida, e a harmonia tem similaridades, em geral - mas isso pode acontecer, de forma natural. As combinações de acordes na música ocidental - especialmente naquela direcionada ao chamado “meio pop” - são relativamente limitadas, então similaridades podem ocorrer. O padrão melódico das duas canções também não é exatamente inovador - o que implica dizer que algum outro compositor, em algum momento, pode compor algo parecido, sem mesmo conhecer as citadas canções. Ou seja, é meio forçado dizer que uma música é cópia da outra. Mas como eu, pobre mortal, não sou um juiz de direito, me abstenho de continuar opinando.
Antes de continuar, uma breve curiosidade. Você quer conhecer um plágio gringo realmente interessante? Pois lá vai: a música "Do you think I’m Sexy?", de Rod Stewart, é desconcertantemente parecida com “Taj Mahal”, de Jorge Ben Jor. 
Também podemos encontrar o inverso acontecendo - o brasileiro copiando o gringo. Sabe aquela música horrível chamada "Coração Cachorro", e que tinha uma clara "referência", por assim dizer, a Same Mistake, do James Blunt? Pois é: o plágio era tão descarado, que o gringo passou a deter 20% do sucesso brasileiro, após um acordo amigável.
Retomando ao tema: o que tem de tão engraçado na história envolvendo a Adele e um compositor brasileiro? Pois bem: trata-se da jurisprudência universal que o juiz carioca impôs à sua decisão. Sim: tal decisão vale para o mundo todo - como o próprio advogado de Geraes explicou. Ou seja: Adele foi proibida por um juiz brasileiro de ter sua música executada, em qualquer meio, em qualquer parte do mundo. Tudo bem que, na verdade, a decisão não atinge a cantora em si, mas sim as suas gravadoras - a saber, Sony e Universal. A decisão, obviamente, ainda pode ser alvo de recurso, por parte das subsidiárias dessas gravadoras no Brasil.
Fora a bizarrice do caso, como um todo, há dois bons pontos a serem considerados sob o prisma da ética libertária: o conceito de "jurisprudência" e o conceito de "propriedade intelectual". Antes disso, outra curiosidade: não é a primeira vez que "Million Years Ago" é acusada de plágio. Em 2015, fãs turcos da Adele alegaram que a canção era um plágio da música "Acilara Tutunmak", do cantor turco Ahmet Kaya. Spoiler: as similaridades entre as duas músicas são ainda menores.
Vamos, então, à análise libertária do caso. Em primeiro lugar, falemos da jurisprudência. Esse conceito abrange a ideia de que determinado estado tem o poder de exercer suas leis em determinado território, que lhe pertence. Naquele espaço, sua lei é soberana e seu exercício pode ser feito por meio da força. Obviamente, do ponto de vista libertário, isso não existe. Ninguém pode impor sua lei de forma coercitiva, porque isso não passa de pura violência contra pessoas pacíficas, tratando-se, na verdade, de tirania legalizada pela força ou ameaça de uso de força.
Para que uma jurisdição seja legítima, ela precisa ser aceita pelas partes. Ou seja, dois ou mais indivíduos precisam se sujeitar ao juízo de um juiz ou um tribunal, aceitando tal mediação por meio de uma relação contratual. Uma vez estabelecido esse contrato, aí sim o juiz ou o tribunal passam a ter poder jurisdicional - obviamente, apenas para aquilo que é objeto do contrato em questão. Afinal de contas, um contrato faz lei entre seus signatários. Ou seja: no libertarianismo, o conceito de jurisdição é, como todo o resto, voluntário.
Porém, mesmo vestindo o chapéu estatal, a decisão da justiça carioca continua não fazendo sentido. Por que diabos um juiz brasileiro teria jurisdição sobre o mundo inteiro? É claro que, no decorrer do processo, foi utilizado o argumento da Convenção de Berna. Essa convenção, celebrada em 1886, pode ser considerada a cristalização da ideia de "propriedade intelectual" por grande parte do mundo ocidental. E, atualmente, quase todos os países ao redor do globo são seus signatários.
Porém, participar de tal convenção não sujeita automaticamente um país a uma decisão tomada em outro território - ou seja, em outra jurisdição. O que acontece é que decisões podem, sim, ser usadas como precedentes, e acordos entre partes litigantes são mais facilmente solucionáveis. Em alguns casos, pode haver mesmo acordos para agilizar os processos. Infelizmente, para Geraes, este não parece ser o caso. Coisas da vida!
Uma terceira curiosidade: você sabia que a citada música, eternizada na voz do Martinho da Vila, pode ser interpretada como se referindo a um amor homossexual? Afinal de contas, em determinado trecho, a música diz que o “eu lírico” procurou em “todas mulheres” a felicidade. Portanto, sua felicidade, uma vez não sendo encontrada entre as mulheres, só poderia ser encontrada em outro homem! Mas divago.
Vamos, então, ao segundo ponto: a propriedade intelectual. Também aqui o conceito libertário é bastante simples: não existe propriedade intelectual! Propriedade é, por definição, algo escasso. Porém, ideias, símbolos, melodias, sequências de palavras e coisas do tipo não são itens escassos. Se foram copiados, eles não reduzem a propriedade original de seu dono. O que o estado trata como direito autoral, portanto, nada mais é do que o direito de realizar cópias - por isso, o termo em inglês é, justamente, "copyright". Ao proibir o direito de cópia, o que o estado faz é proibir um indivíduo de usar sua propriedade - computador, impressora, tintas, etc. - como bem entender.
“Ah, mas e como fica a questão do incentivo para os artistas?” - alguém pode dizer. O fato é que isso não pode justificar a violência estatal - como nada, aliás, pode fazê-lo. No mais, o atual modelo de negócios da arte e da cultura gira em torno da definição estatal de propriedade intelectual. Se não fosse essa intervenção estatal, portanto, o mercado funcionaria de uma forma completamente diferente. E funcionaria, do mesmo jeito - talvez, até melhor.
Até mesmo do ponto de vista utilitário - ou econômico - o fim da propriedade intelectual parece fazer sentido. Sabe-se, por exemplo, que o plágio tende a gerar prejuízos de imagem para copiadores contumazes - o que, por si só, tende a mitigar esse problema. Afinal de contas, ninguém gosta de um babaca que se escora no sucesso alheio. Além disso, várias músicas se popularizaram por meio de reproduções não autorizadas, ao longo dos anos. E, em tempos de internet, falar da proibição da cópia do que quer que seja já não faz muito sentido.
No mais, nós somos a sociedade da cópia. O Ocidente foi moldado nas mãos dos monges copistas, que nunca pagaram royalties para Aristóteles ou para os autores bíblicos. E até hoje todos nós bebemos desses conhecimentos. Enfim, se você quiser uma análise teórica e mais aprofundada a respeito desse tema, recomendamos o vídeo: "Quem precisa de propriedade intelectual?", no canal AncapSu Classic - link na descrição.
O caso envolvendo o compositor brasileiro e Adele parece ser mais uma bizarrice da Justiça Brasileira, que talvez tenha tomado sua decisão mais por bairrismo do que por fundamentos. Se a música em questão é plágio, ou não, fica a seu critério definir. O que não deveria ser passível de discussão, para qualquer libertário, é o fato de que nada nessa decisão faz sentido. Primeiro, porque a jurisdição estatal é ilegítima, por ser coercitiva e violenta. E, segundo, porque propriedade intelectual simplesmente não existe.


Referências:

https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/alem-de-ed-sheeran-conheca-outras-acusacoes-de-plagio-na-musica/

https://www.theguardian.com/world/2024/dec/16/adele-million-years-ago-plagiarism-brazil-composer

https://exame.com/pop/adele-plagio-compositor-martinho-da-vila/

https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2024/12/16/toninho-geraes-nao-da-para-contar-com-direito-autoral-e-nem-com-processo-de-adele.ghtml

https://pt.wikipedia.org/wiki/Conven%C3%A7%C3%A3o_de_Berna

Quem precisa de propriedade intelectual?
https://www.youtube.com/watch?v=yjGXWdxdmIs&