LEIS INJUSTAS não devem ser cumpridas: a LEGITIMIDADE da DESOBEDIÊNCIA

O que uma mulher baleada e um homem preso por usar bermuda no Irã, um milionário preso na França e vários brasileiros têm em comum?

Quatro casos que aconteceram em três países diferentes. Arezzo Badri, uma linda mulher de 31 anos, levou um tiro no Irã por não parar numa barreira policial, pois não estava utilizando o véu obrigatório na cabeça. Pavel Durov, fundador do Telegram, foi preso em Paris por não colaborar com uma investigação que tiraria a privacidade de todos os usuários da plataforma. Também no Irã, um homem de 45 anos foi preso porque estava usando um bermudão, roupa que não condiz com o pregado pela lei do país. Aqui no Brasil, o site X, antigo Twitter, continua sendo utilizado por muitos brasileiros, segundo nossas fontes fora do país, mesmo o STF colocando um bloqueio na rede social. Um espectador desatento pode olhar estes quatro acontecimentos e não perceber que o que liga eles é uma ação nuclear do libertarianismo: o fato de não aceitar cumprir uma lei injusta criada pelo governo.

Em toda sociedade, os cidadãos comuns são doutrinados desde a infância sobre a legitimidade do estado. São ensinados que o ente estatal é legítimo e existe para promover justiça e proteger os indivíduos. Atualmente, adiciona-se a isso, a correção das injustiças sociais. Acontece que o estado nasceu da conquista violenta e da escravização de pessoas, e se mantém através do uso ou ameaça de violência contra pessoas pacíficas, além de muita propaganda e manipulação. A sociedade esquece que leis estatais são basicamente paridas da cabeça de políticos autoritários que estão pouco se lixando para o bem-estar da comunidade. Tudo o que um político ou membro da elite estatal faz, apenas visa dar mais poder ao leviatã para controlar nossa vida.

A lei natural sempre existiu, e diz respeito a nossa natureza humana como detentores de direitos. Por isso, não precisamos de “ajuda” estatal e do juspositivismo criando direitos aleatórios, aparentemente benéficos. Os principais expoentes do libertarianismo moderno, Murray Rothbard e Hans Hermann Hoppe, defenderam o jusnaturalismo como base lógica para o direito humano à propriedade. Para eles, o direito à autopropriedade é absoluto e universal, defendendo um modelo de sociedade anarcocapitalista, na qual tudo é propriedade privada, e todas as relações são contratuais e pacíficas. Claro que nossos queridos telespectadores estão cansados de ouvir falar sobre isso, mas não custa frisar que numa sociedade libertária, não haveria propriedade estatal ou qualquer direito concedido pelo governo. Toda lei governamental é imposta coercitivamente, e o estado se mantém através da pilhagem em massa do dinheiro dos trabalhadores do setor privado, então é um absurdo defender qualquer justiça vinda do leviatã.

Na visão de Rothbard, o cidadão comum explorado pelo estado, sobretudo se for libertário, não tem obrigação moral de obedecer a nenhuma lei que considere injusta. Se o ente estatal é um invasor de propriedade, uma instituição ilegítima, então todas as suas leis não passam de instrumentos de controle da população, não sendo baseadas premissas morais e éticas. Apesar de defender a desobediência a leis tirânicas, Rothbard nunca foi um entusiasta de revoluções violentas, como pregam os marxistas. Na verdade, defende a resistência pacífica e estratégica que visa criar alternativas voluntárias ao estado. Promover uma mudança concreta na mentalidade da população é uma forma de tentar mudar o sistema sem o uso da força, pois assim conseguimos no longo prazo promover uma mudança cultural que valorize mais as liberdades individuais e nosso direito à propriedade privada.

Não podemos nos esquecer que muitos dos crimes e violações da dignidade humana foram frutos de leis estatais, e que em sua época, boa parte da população concordava com isso. A propriedade e comércio de escravos africanos eram legalizados no nosso país durante parte da história colonial e imperial. Os poderosos latifundiários usavam o trabalho escravo para manter seus negócios e evitar altos custos com trabalhadores. Hoje isso é visto como um absurdo, como algo bárbaro, mas antes era legal e normalizado.

As leis de propriedade de escravos permitiam aos senhores explorar o trabalho e punir os escravizados, que não possuíam direitos legais. Agora imagine que nessa época, um libertário defendesse que esses povos tivessem o direito natural de serem donos de si e nenhum ser humano poderia escravizá-los? Talvez muitos o chamariam de utópico ou idealista, e diriam: “a escravidão sempre existiu, por que agora deveria chegar ao fim?”. Outros poderiam argumentar: “a nossa economia depende do trabalho escravo, e precisamos dele para o país se desenvolver e conseguir alimentar a própria população”. Com certeza, essa era a postura de muitos que estavam acostumados a cumprir leis injustas e viam legitimidade no estado. Essa distorção da realidade que cria uma falsa ideia de que algumas pessoas não têm dignidade e direitos, está por trás dos maiores genocídios e crimes contra populações inteiras. Por isso, nós libertários vemos todo ser humano como igual no campo jurídico, afinal, a única lei justa é a lei de propriedade que é universal.

Outro exemplo de tirania e injustiça promovida por leis estatais foi o apartheid na África do Sul. O apartheid foi um cruel regime de segregação racial institucionalizado e legalizado entre os anos de 1948 e 1994. Toda essa segregação foi adotada pelo governo, que naquele momento era controlado por uma minoria branca, e o objetivo dessas leis era de discriminar a população negra, além de outros grupos como mestiços e indianos. Essas pessoas eram privadas de direitos civis, políticos e econômicos, sendo vistos como inferiores.

Analisemos algumas das principais leis do apartheid:
Lei de Registro Populacional: essa lei exigia que todos os cidadãos sul-africanos fossem classificados em uma das quatro categorias raciais: branco, negro, mestiço e indiano. A classificação racial determinava os direitos e liberdades de cada pessoa.
Lei de Áreas de Grupo: Criava áreas residenciais separadas para diferentes grupos raciais. Os negros eram forçados a viver em áreas designadas, muitas vezes distantes dos centros urbanos e com péssimas condições de vida. A segregação se aplicava também a instalações públicas, como praias, hospitais, escolas e até mesmo ônibus e banheiros.
Lei de Proibição de Casamentos Mistos e Lei de Imoralidade: Tornavam ilegais casamentos e relações sexuais entre pessoas de diferentes raças.
Lei da Educação Bantu: Impunha um sistema educacional inferior para os negros, visando limitá-los a empregos de baixa qualificação.
Pass Laws: Impunham restrições severas à liberdade de movimento da população negra. Para se moverem por áreas de maioria branca, os negros precisavam de documentos especiais, os passbooks, que limitava seu acesso ao trabalho e a serviços essenciais.

Todos esses absurdos eram normalizados e tinham amparo legal do governo, mas isso não implica que era justo e ético. Para nós, libertários, todos que descumpriam essas leis estavam agindo de forma moral e ética, e todos os que as seguiram foram verdadeiros agentes da tirania. É claro que todo governo irá criar uma bela propaganda para defender suas políticas tirânicas, mas os despertos, com senso de justiça e princípios morais, lutarão contra essas violações dos direitos humanos.


Da mesma forma que na África do Sul, nos Estados Unidos a segregação foi amparada por uma série de leis governamentais conhecidas como leis de Jim Crow, que vigoraram principalmente no Sul do país do final do século XIX até meados do século XX. Essas leis promoviam e institucionalizavam a segregação racial em locais públicos como transporte, escolas, restaurantes, hospitais e até mesmo fontes de água. Além disso, restringiam severamente os direitos civis da população negra, privando-a até mesmo de votar e exercer sua plena cidadania. Essas leis foram criadas com o fim da Guerra Civil Americana e a abolição da escravidão. A partir de 1896, com a decisão da Suprema Corte no caso Plessy v. Pergunson, a segregação racial foi considerada constitucional sob a doutrina de “separados, mas iguais”. Ou seja, os negros poderiam ser segregados desde que tivessem acesso a instalações iguais às dos cidadãos brancos. Mas o que acontecia na prática era que as instalações para os negros eram muito inferiores. Assim, em vários locais como transporte público, eram forçados a se sentar em seções separadas, geralmente nos bancos de trás ou em áreas específicas designadas para “pessoas de cor”.

Em muitos estados, era exigido que os negros cedessem seus assentos aos brancos, como na americana Rosa Parks, que ficou famosa nacionalmente após descumprir essa lei injusta e humilhante. Em 1º de dezembro de 1955, em Montgomery, Alabama, Rosa Parks se recusou a ceder seu assento em um ônibus a um passageiro branco, como era exigido pelas leis locais de segregação. Naquela época, os ônibus tinham seções designadas para brancos e negros, e, caso o ônibus ficasse cheio, os negros eram obrigados a levantar e ceder seus assentos aos brancos. Quando o motorista exigiu que a mulher cedesse lugar ao passageiro branco, Parks se recusou. Sua ação fez com que fosse presa e multada por violar as leis vigentes.

Porém, o poder da desobediência civil é uma coisa impressionante. O ato de resistência de Rosa Parks desencadeou um movimento maior. Sua prisão levou ao boicote aos ônibus de Montgomery, uma atitude verdadeiramente libertária, liderado por figuras como Martin Luther King Júnior, um jovem pastor, na época. O boicote durou mais de um ano e teve um impacto significativo na luta pelos direitos civis. Durante este período, a comunidade negra da cidade andava a pé ou organizava caronas solidárias.

Finalmente, em 1956, a Suprema Corte decidiu que a segregação era inconstitucional, invalidando as leis de Jim Crow. Uma grande vitória da população que buscava justiça e dignidade. Isso nos mostra que a liberdade e os direitos naturais precisam ser conquistados com lutas. Jamais os tiranos irão ceder e recuar facilmente, reconhecendo seus erros. Por isso, devemos ter uma base intelectual sólida e defender uma teoria à prova de erros como o jusnaturalismo defendido por Rothbard. O mesmo jusnaturalismo que este autor argumenta em sua famosa obra “O Manifesto Libertário”, que todo indivíduo possui desde o nascimento direitos inalienáveis à vida, liberdade e propriedade.

Segundo ele, esses direitos não são concedidos por governos ou sociedades. São inerentes à natureza humana, e podemos chegar a essa conclusão através do uso da razão. É através dela que os libertários defendem que não há como o estado e suas leis estapafúrdias existirem, por serem antinaturais, atacando diretamente os seres humanos. Por isso, cabe a nós, libertários, defendermos o não consentimento e o não cumprimento de leis injustas, assim como Jesus fez em sua caminhada pela terra.

Referências:

https://veja.abril.com.br/coluna/mundialista/ira-mulher-leva-tiro-por-dirigir-sem-veu-jovem-e-detido-por-usar-bermuda

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/pavel-durov-nao-tem-nada-a-esconder-diz-telegram-sobre-prisao-de-fundador/

https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2024-08/x-e-bloqueado-no-brasil-apos-musk-descumprir-decisao-de-moraes

https://www.todamateria.com.br/apartheid/
https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/desobediencia-civil-legitimo-contrariar-ordem-estado/