MONSTROS & MEMES: A revolução do MEDO que o ESTADO não conseguiu CENSURAR

Antes que o governo destrua seu dinheiro, como zumbis, lobisomens e memes se tornaram ativos de mercado na economia do medo?

A linha entre realidade e imaginação é algo tão tênue quanto a membrana que envolve nossos neurônios. A cada noite, nossos cérebros entram no modo de simulação tão sofisticado quanto qualquer videogame de última geração: revisitam medos, processam memórias, testam reações e, de alguma forma, nos preparam para o próximo dia. Nesse laboratório interno, onde alucinações e respostas neuroquímicas se entrelaçam, somos simultaneamente protagonistas e espectadores de cenários que oscilam entre pesadelos primais e suspense high‑tech. Quase como um reflexo desse fenômeno onírico no campo social, nasce a ficção, não como um hobby supérfluo, mas como o sonho coletivo de uma sociedade que precisa ensaiar, em massa, as enormes variáveis da existência. Cada trama que consumimos atua como um grande jogo multiplayer global, calibrando nossos temores existenciais e treinando nossas defesas emocionais antes mesmo dos perigos reais baterem à porta.

A neurociência reforça essa ideia: durante a fase REM, nosso cérebro ativa regiões como a amígdala e o hipocampo em um balé complexo de sinais elétricos e químicos; os mesmos envolvidos no processamento de emoções e na consolidação de memórias. Estudos mostram que, em muitos aspectos, o cérebro não diferencia experiências reais de simulações, as descargas de adrenalina, os padrões de ondas cerebrais e até as modificações bioquímicas podem ser idênticas. Em um experimento, voluntários submetidos a ameaças condicionadas por sons ou imagens, quando expostos a cenários oníricos similares, apresentaram reações fisiológicas idênticas às do estado de vigília, como aumento do ritmo cardíaco e da sudorese palmar. Ou seja, num nível neuroquímico, um encontro com um monstro debaixo da cama no sonho é percebido como real.

Mas por que precisamos da ficção fora dos nossos leitos de sono? Acontece que é muito difícil de dormirmos com um leão rugindo atrás da porta, mas caso aconteça, precisamos estar prontos para agir. Por isso, compartilhamos experiências por meio da ficção, quase como um laboratório social, permitindo que milhões de cérebros participem da mesma simulação. Quando assistimos a um filme de zumbis, nosso córtex pré‑frontal aciona zonas de antecipação de perigo, o estriado libera dopamina diante de um plot twist e a audiência coletiva compartilha, em ondas de curtidas e comentários, a mesma descarga emocional.

Além dos leões, rondando as casas de nossos antepassados e zumbis de tela, nossos tios e avós já praticavam suas próprias formas de compartilhar experiências, com as gerações mais novas. Já notou que todo mundo tem aquele tio que conta histórias de pescador no churrasco de domingo? Onde ele se narra puxando um gigantesco peixe de 200 kg disputado com uma jiboia de 12 metros e isso vira uma epopeia tão absurda quanto fascinante. O fato de que a grande maioria das famílias tem pessoas que exageram nas suas narrativas mostra que isso é um comportamento enraizado na mente humana, independente da cultura, ou seja, o que realmente importa não é a plausibilidade. Afinal, quem conseguiria fisgar um peixe daquele tamanho enquanto se esquiva de um réptil colossal? Mas o que importa na narrativa é a intensidade da emoção gerada ao imaginar cada puxão de vara, o veneno do colosso sem membros e o triunfo sobre o monstro aquático. Quando o contador da história descreve o embate como se fosse real, nossa amígdala dispara alerta ancestrais, o hipotálamo envia pulsos de dopamina e endorfina, e até o córtex pré‑frontal, mesmo ciente do exagero, se rende ao espetáculo interno. É essa montanha‑russa emocional, o arrepio de projetar a jiboia se enroscando e a euforia da “vitória”, que cementa a narrativa na memória coletiva e nos treina para encarar, na vida real, nossos próprios “monstros” diários.

Na infância, nossos medos são cristalinos. O monstro debaixo da cama, o barulho na janela, a sombra que se movimenta no corredor escuro: estímulos sensoriais diretos que acionam o sistema límbico, nossa central de resposta rápida a predadores. Quando uma criança lê sobre um lobisomem, escuta o relato da jiboia de 12 metros que seu tio lutou contra, ou assiste a um desenho de fantasmas, ela não está apenas entretida: está praticando o enfrentamento de ameaças que para o cérebro dela são reais. Isso acaba refinando circuitos de alerta que, no mundo real, ajudariam a fugir de uma fera ou reagir a um rugido desconhecido.

Conforme crescemos, o cérebro amadurece: a região do córtex pré‑frontal assume maior controle, conferindo-nos capacidade de raciocinar e abstrair. É aí que nasce o medo adulto, mais sutil e subjetivo. E quando completamos certa maturidade cerebral, o medo deixa de ser apenas físico e torna-se existencial. Troca‑se o monstro debaixo da cama pelo temor de perder um emprego, de ver o mercado financeiro colapsar ou de sofrer uma falha de reputação nas redes sociais. Nossos sonhos não mais testam a fuga de um animal carnívoro, mas simulam colapsos de identidade, a notificação do e‑mail de demissão, o gráfico vermelho da bolsa, o comentário tóxico que viraliza. A ficção, seja ela científica, thrillers, dramas e romances, existe para isso: calibrar nosso medo do intangível, do que pode destruir, não nosso corpo, mas nossa posição social; ou, talvez, até nos preparar para lidar com as pessoas nos ambientes familiar, escolar, no relacionamento e na sociedade em geral.

E onde queremos chegar com toda essa explicação? A praxeologia de Ludwig von Mises traduz essa lógica em termos econômicos: toda ação humana visa maximizar o conforto ou minimizar o desconforto. Comprar um ingresso de cinema é um investimento emocional: nosso cérebro avalia o custo‑benefício de passar duas horas vivendo praticamente o papel de herói ao lado do protagonista lutando contra um vilão que não existe e não pode nos ferir. Se sobrevivermos ao susto, liberamos endorfina, a sensação de “conquistei meu medo”, algo que é gratificante no final da experiência. Essa gratificação corre pela corrente sanguínea e pelos neurotransmissores, consolidando o enredo como um ativo subjetivo de autoconfiança.

Entretanto, a ficção vai além do cinema e da literatura: na realidade, ela é a maior biblioteca de simulações coletivas já criadas. É como a cena do Morpheus do filme Matrix ensinando ao personagem Neo a como lutar Kung Fu, porém mais subjetivo, lento e sem efeitos especiais além daqueles que estão na sua imaginação. A verdade é que mesmo havendo esse imenso repertório abundante, nós ainda desenvolvemos maior afinidade com certas obras, o que no panorama geral se assemelha ao funcionamento do mercado. Roteiros fracos naufragam no boca a boca; já os resilientes e que geram maior afinidade com o público prosperam. Pouca gente vai se identificar com a história de um traficante mexicano que se assumiu transexual e passou a combater o tráfico humano. Isso é algo abstrato demais e que se apropria de temas que poderiam causar um certo impacto na vida alheia, mas por serem batidos num liquidificador temático, acabam atingindo uma parcela muito pequena do público. Por outro lado, histórias bem elaboradas, que apelam para questões mais fundamentais e enraizadas na mentalidade coletiva, acabam se sobressaindo e sendo premiadas com investimento publicitário e atenção do público. 

A convergência entre sonhos individuais e sonhos coletivos revela o verdadeiro poder da memética: uma ideia, um mito, um personagem só se perpetua quando captura recursos de atenção e engajamento. Quando um livro vira série, depois filme, depois jogo e, por fim, meme de TikTok, ele amplia sua penetração no imaginário social, permeando circuitos sinápticos em todo o planeta. Cada fã que elabora teorias conspiratórias no Reddit está, sem saber, votando naquele roteiro como um candidato viável nas urnas da psique coletiva.

Em última análise, a ficção, assim como a economia, não deve ser aprisionada por agentes centralizadores de censura nem algemada por leis de doutrinação. Ela é o palco público onde ensaiamos nossos maiores medos e esperanças, pois ao serem incentivadas artificialmente, elas acabam não refletindo nos anseios e desejos reais da sociedade. É por isso que vemos algumas salas de filmes lotadas enquanto outras vazias passando filmes que possuem forte influência politica e ideológica, mas que não tem bom resultado em impactar os telespectadores. Tudo bem que o mercado de filmes e séries é sustentado, em grande parte, por incentivos fiscais e programas de financiamento estatal. Porém, não devemos negar que, ao passar pelo escrutínio do público, a propaganda ideológica é deixada de lado e o que importa é a identificação do público com o enredo e os personagens. Por isso, no longo prazo, a trilogia Matrix e os filmes da saga O Senhor dos Anéis conseguiram mudar o imaginário popular e fazer muito sucesso.

Vivemos a era de uma enorme descentralização da informação. Ainda não é o ápice, com certeza, mas já é um grande avanço, e filmes ideológicos de circulação coercitiva, como aqueles exibidos pela propaganda nazista ou norte-coreana, quando colocados no ringue do mercado da ficção, acabam sendo ignorados pelo grande público. Isso nos mostra como num regime ditatorial, a primeira coisa que fazem é controlar a livre circulação de informações e conteúdos que não agradam ao regime no poder. Por isso que hoje, mesmo aqui no Brasil, os legisladores, principalmente de esquerda, tentam enfiar goela abaixo sua propaganda ideológica em formato de ficção, propondo cotas de salas de cinema para filmes nacionais. O resultado? Ingressos mais caros para todos, e salas vazias para os longa metragem com cotas. Chega a ser quase impossível dizer que a ficção per se molda a mente humana sem um conjunto de fatores externos, pois na realidade, ela é um reflexo daquilo que já circula na mentalidade do público como medos, anseios, desejos, esperanças, crises atuais e até mesmo protocolos sociais. Tudo isso é sintetizado num jogo dinâmico que gera obras que, por pura identificação das pessoas, culmina em preferências e tendencias de épocas e contextos socio-econômicos-culturais mais diversos possíveis. Sem dúvidas, a melhor criação cinematográfica é aquela livre, sem imposição política e recursos estatais e que não segue os ditames de nenhum partido no poder. Essas, estarão alinhadas com as demandas populares e terão uma chance muito maior de causar um impacto positivo e se manter no imaginário popular. O mercado capitalista é maravilhoso, e ele sozinho consegue criar os melhores incentivos para que os recursos sejam alocados não só de uma forma eficiente, mas de maneira que causa transformações positivas na vida dos consumidores.

Referências:

https://www.ufrgs.br/frontdaciencia/2023/06/06/t14e04-o-sonho-como-oraculo-probabilistico/
https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2024/06/17/sonhos-sao-visoes-do-futuro-e-comum-desejos-se-manifestarem-neles.htm#:~:text=Para%20o%20psicanalista%20Guilherme%20Ponce,constru%C3%AD%2Dlo%22%2C%20completa.
https://www.abc.org.br/2018/05/23/sidarta-ribeiro-neurocientista-o-sonho-e-um-oraculo-probabilistico/