Em entrevista, Paulo Guedes aponta todas as características de uma moeda no Bitcoin, mas nega que seja uma moeda. Seria Paulo Guedes um negacionista?
Em recente entrevista ao podcast do Youtuber de educação financeira, Bruno Perini, o ex-Ministro da Economia do governo Bolsonaro, falou o que pensa sobre o Bitcoin, moedas digitais de Bancos Centrais e a importância da tecnologia na evolução do sistema monetário global.
Guedes, logo no início da conversa, cita o Bitcoin como um dos exemplos de grandes ciclos de otimismo e bolhas de investimentos no mercado financeiro.
Mais adiante na entrevista, o entrevistador cita o caso de Michael Saylor, CEO da empresa MicroStrategy, que está investindo boa parte do capital da empresa para comprar bitcoin.
Nesse momento Guedes emite sua opinião sobre o bitcoin. Ele começa elogiando, dizendo que o bitcoin tem uma grande virtude: a limitação da moeda.
Ele prossegue dizendo que essa é uma virtude que as moedas fiduciárias não têm, desde quando governos se desvincularam do padrão ouro. E, desde então, as economias fiduciárias, com a moeda sem lastro, viraram experimentos extraordinários, com a população enriquecendo, tudo indo bem, mas que apenas ainda não sabemos o final desse experimento.
Guedes acerta em apontar uma das principais virtudes do bitcoin: a limitação de oferta.
Mas dizer que economias baseadas em papelzinho colorido sem lastro, viraram experimentos extraordinários? Só se for extraordinariamente ruim!
Com governos expandindo a base monetária como bem entendem, imprimindo dinheiro desenfreadamente, causando inflação, e diminuindo o poder de compra da população, não se pode dizer que isso é um experimento de sucesso. E, apesar disso, a população até conseguiu enriquecer, ao longo dos anos, entretanto, o enriquecimento poderia ter sido maior e mais rápido, não fosse o governo colocando uma moeda sem lastro, de curso forçado, e intervindo tanto na economia.
E o final desse experimento? Bom, a título de comparação, desde sua criação, o real perdeu 87,23% do seu valor. Ao olhar pela perspectiva do poder de compra, R$ 100 de 1994 hoje vale, aproximadamente, R$ 12,47.
A conclusão desse experimento deixo para você avaliar!
Guedes ainda indaga sobre o final desse experimento, dizendo que pode ser bom ou ruim, dependendo de como se dará a transição para novos sistemas monetários.
Na perspectiva dele, ele achava que essa transição aconteceria numa combinação de novas tecnologias com os fundamentos de uma moeda.
E aqui, nesse ponto, entra a parte mais controversa de sua fala. Ele cita o bitcoin como exemplo, ironizando quando dizem que o bitcoin é a moeda do futuro, e contra argumenta: “Vai ali no McDonald’s e compra um sanduíche com Bitcoin. Toma um táxi e paga com bitcoin. Se aceitar, tá tudo certo.”
Ele afirma que, apesar do bitcoin ter a virtude da reserva de valor, não tem duas das outras três funções do dinheiro, que é meio de pagamento universalmente aceito e unidade de conta.
Bom, aqui pareceu que o Paulo Guedes é um economista inteligente, mas parado no tempo e se informou sobre o bitcoin apenas superficialmente.
Os argumentos levantados por ele são fracos pois, ainda que a maioria dos lugares não aceita bitcoin, vale lembrar que esses mesmos lugares, por lei, estão obrigados a aceitar a moeda fiduciária local de curso forçado, sem poder escolher qual moeda preferem usar.
No entanto, há vários lugares, ao redor do mundo, que já aceitam bitcoin. Um bom exemplo é o próprio Brasil. Segundo dados do BTC Map, apontam que o Brasil superou El Salvador em termos de lugares que aceitam pagamentos diretamente com bitcoin.
De acordo com dados do portal, o projeto "Bitcoin é Aqui!", em Rolante, no Rio Grande do Sul, é a maior e mais importante "cidade Bitcoin" do mundo, com 194 locais aceitando bitcoin como meio de pagamento.
Em segundo lugar, Porto Alegre se destaca, com 102 estabelecimentos comerciais que aceitam bitcoin. A presença brasileira na lista do BTC Map não para por aí. Iniciativas como São Paulo Go BTC e Montanha Bitcoin também se destacam, com 40 e 23 estabelecimentos aceitando bitcoin, respectivamente.
Além disso, uma moeda não tem que ser aceita universalmente para ser considerada moeda pois, se assim for, então apenas o dólar será considerado moeda. A propósito, se o Real é uma moeda, e tem as tais 3 principais funções do dinheiro - reserva de valor, meio de troca universal e unidade de conta, desafio o ex-ministro a usá-lo comprando no McDonalds, lá em Lugano ou Zug, na Suíça, por exemplo. Certamente, ele não conseguirá. Terá que trocar o Real pela moeda local. E veja só, você pode fazer o mesmo usando o bitcoin, caso o estabelecimento não o aceite. Na verdade, nesse caso, nem será preciso, pois tanto Lugano quanto Zug, aceitam bitcoin nos estabelecimentos e até mesmo para pagar impostos.
Notem que, até aqui, das virtudes abordadas que uma moeda deveria ter, o bitcoin me parece muito mais uma moeda do que o próprio Real, não é mesmo? O Real tem uma reserva de valor péssima, e as pessoas só o aceitam porque são obrigadas pelo Estado a aceitar.
Outro ponto levantado por Guedes é sobre o bitcoin não servir como unidade de conta. Oras, como ele quer que uma moeda com apenas 15 anos, sendo adotada aos poucos, de forma pacífica, ao contrário da moeda estatal, tenha as coisas precificadas nela?
Esse é um processo que leva tempo conforme a adoção das pessoas.
Aliás, o Bitcoin tem o melhor incentivo dentre todas as outras moedas fiduciárias, para se tornar o principal parâmetro em unidade de conta: só existem 21 milhões de bitcoins, logo, não é uma moeda inflacionária, é escassa!
Na verdade, são as outras moedas que desvalorizam seu valor perante o bitcoin. 1 bitcoin é sempre 1 bitcoin!
Você pode comprar bitcoins hoje, usando sua moedinha estatal, e mesmo que você compre agora e daqui a 6 meses ou 1 ano esteja valendo menos do que hoje, o seu bitcoin ao longo do tempo sempre valorizará. Pois isso é o que demonstra o gráfico do bitcoin, desde a sua criação. O gráfico é sempre uma crescente, seja na cotação da moeda estatal que for.
Já o contrário, o que se vê, são todas as moedas fiduciárias, criadas até hoje, perdendo o seu valor ao longo dos anos.
E para refutar de vez esse argumento sobre não ser uma unidade de conta, recentemente, os EUA começaram a medir sua base monetária em Bitcoin.
A divisão de pesquisa do Banco Central dos EUA começou a rastrear o preço de sua base monetária M2 em Bitcoin. A métrica, chamada Coinbase Bitcoin/M2, está disponível no site do Federal Reserve Economic Data para consulta.
A métrica consiste em comparar, e calcular, a base monetária da maior economia do mundo, em Bitcoin. Vale ressaltar que, a base monetária é uma métrica que consiste em entender quanto dinheiro circula em um país.
Ou seja, se até o Banco Central dos EUA está atualmente usando o Bitcoin como parâmetro para medir sua base monetária, percebe-se que Paulo Guedes não está tão inteirado assim sobre o assunto.
Guedes ainda destaca a qualidade da blockchain do bitcoin, a qual garante confiabilidade e transparência das transações. Contudo, na visão dele, o futuro seria unir uma nova tecnologia com a “confiabilidade e respeitabilidade dos governos", criando assim uma nova moeda digital estatal com uma blockchain, tal como o bitcoin.
Tá certo, vamos deixar o Estado criar uma versão defeituosa de uma coisa que já existe e funciona perfeitamente.
Mas, ironias à parte, bem sabemos que a intenção de políticos é, de alguma forma, controlar o dinheiro da população.
Não importa se a solução ideal já exista. Se o estado não consegue pegar a parte dele, então a solução não é válida.
Há quem conteste dizendo: “Ah, mas o bitcoin não é tão perfeito assim, o tempo de transação na blockchain é demorado… uma moeda digital estatal poderia ter o mesmo tempo de transação do pix…”
De fato, uma CBDC pode ter o tempo de transação muito mais rápido que o bitcoin, assim como várias outras criptomoedas já existentes no mercado.
O problema é que toda moeda digital que preza pela escalabilidade terá que pecar ou na segurança ou na descentralização. Isso é conhecido como o Trilema das blockchains, um desafio encontrado pelos desenvolvedores quando tentam alcançar simultaneamente descentralização, escalabilidade e segurança no processo de projetar e implementar uma blockchain.
É verdade que existem algumas soluções possíveis para tentar contornar o trilema, sendo as mais conhecidas a implementação de sharding, side chains, rollups e layer-2. Porém, não aprofundaremos nesse tema, por não ser o foco do artigo.
Mas o próprio bitcoin usa a solução de layer-2 para resolver o problema de possíveis congestionamentos na rede, e por conseguinte um tempo de espera maior, derivados de transações menores. Trata-se da Lightning Network, um protocolo que cria uma segunda camada no topo da blockchain do Bitcoin, e usa canais de micropagamento gerados pelo usuário para realizar transações com mais eficiência.
No entanto, voltando para o caso das CBDCs, logicamente elas teriam mais facilidade em ter uma blockchain altamente escalável, uma vez que numa blockchain estatal você não teria a descentralização e tão pouco a segurança. Afinal, não preciso nem dizer como dados são vazados rotineiramente das instituições governamentais, né?
Enfim, como um bom libertário ancap, eu prefiro prezar pela segurança e descentralização, pois somente uma blockchain com esses fundamentos garantirá que você seja realmente detentor do seu dinheiro e de forma anônima.
Por fim, nem tudo o que o ex-ministro fala, são inverdades. Ele acerta ao apontar uma das qualidades do bitcoin (apesar de negar as outras), acerta ao dizer que a política de governos em manter os altos gastos governamentais pode comprometer a adoção de moedas digitais, devido à falta de confiança no valor sustentável dessas moedas.
Entretanto, ele finaliza insistindo na ideia de uma moeda digital em alternativa ao bitcoin, que poderia se chamar “dólar coin”.
Ao que deu a entender, seria uma moeda digital inicialmente pareada ao dólar - como a Tether USDT já faz - e uma vez que essa moeda tivesse reserva de valor, garantia (lastro) no bitcoin, a unidade de conta (pois está pareada ao dólar) e não sofresse nenhuma interferência estatal, ela ganharia valor sobre o dólar, o que acarretaria na desvinculação da paridade, posteriormente.
Ele ainda complementa que se a ideia fosse aceita, o povo poderia aderir à nova moeda aos poucos, tal como estão aderindo ao Bitcoin, e quando todos perceberem, esse novo sistema monetário já seria uma moeda supranacional.
É nesse momento que você para e se pergunta: Por que criar uma nova moeda digital supranacional com as características parecidas do bitcoin, e ainda usar o BTC como garantia dessa nova moeda?
Não é mais fácil usar o próprio bitcoin que já está aí, pronto para ser usado?
E como ele mesmo disse, se a adoção seria aos poucos (dando a entender que, nesse caso, não haveria um curso forçado do Estado), não seria muito mais rápido esperar todos aderirem ao Bitcoin, que funciona numa blockchain já bem estabelecida ao longo dos últimos 15 anos?
Podemos achar que a resposta, num primeiro momento, é por ele realmente acreditar que o Bitcoin não é aceito como moeda de troca e não conseguir usá-lo como unidade de conta (só na cabeça dele, pois como já mostramos anteriormente, esses argumentos foram terra abaixo) assim, teria essa necessidade de criar uma outra moeda parecida.
No entanto, não acho que Paulo Guedes, por mais que não esteja a par de todos os detalhes sobre o bitcoin, seja tão desinformado.
Desconfio que o que mais incomoda-o em aceitar o bitcoin como moeda, é aquilo que incomoda todos os outros políticos: a total descentralização da moeda.
Ninguém realmente sabe quem criou o Bitcoin.
E essa é uma das maiores vantagens da moeda.
Apesar da ideia de criar uma moeda privada, basicamente parecida com o bitcoin, Guedes não deixa claro que grupo de pessoas ou entidade, criaria tal moeda. E, somente o fato da moeda ser privada, não garantiria que ela não sofresse uma intervenção Estatal, pois o tempo todo vemos políticos intervindo na iniciativa privada.
Basta uma pessoa apresentar uma forma de impedir o roubo do estado, e uma vez que o Estado saiba quem é essa pessoa, ele usará de meios coercitivos para anular essa pessoa.
Também devemos levar em conta que Paulo Guedes, além de político, é um economista formado pela escola de Chicago. E economistas chicaguistas, mesmo sendo liberais na economia, acreditam na necessidade de um Estado mínimo. Logo, só resta a ele defender tal Estado. Acredito que para ele é mais fácil ser um negacionista do bitcoin do que ir de encontro com a base que o formou.
Bitcoin é uma moeda, sim! Mas não uma moeda qualquer.
É hoje uma das principais ferramentas para o indivíduo ficar livre do Estado.
https://livecoins.com.br/paulo-guedes-diz-que-bitcoin-nao-e-moeda/
https://pt.khanacademy.org/economics-finance-domain/macroeconomics/monetary-system-topic/macro-definition-measurement-and-functions-of-money/a/definition-measurement-and-functions-of-money#:~:text=1%29%20um%20meio%20de%20troca%2C%202%29%20uma%20reserva,de%20valor%20e%203%29%20uma%20unidade%20de%20conta.
https://einvestidor.estadao.com.br/comportamento/real-29-anos-quanto-vale-100-hoje/
https://exame.com/future-of-money/brasil-supera-el-salvador-e-possui-2-cidades-na-lista-das-que-mais-aceitam-bitcoin-no-mundo/
https://br.cointelegraph.com/news/bitcoin-accepted-taxes-swiss-lugano
https://blocktrends.com.br/eua-base-monetaria-bitcoin/
https://fred.stlouisfed.org/graph/?g=JpzR
https://hubdoinvestidor.com.br/trilema-das-blockchains-o-que-e-e-como-resolver/
https://www.infomoney.com.br/guias/lightning-network-do-bitcoin/