Será que não precisamos de um país inteiro, mas sim de apenas um condomínio privado para formar um ancapistão?
O Mosteiro Fraguista é um projeto único no Brasil: uma comunidade residencial que usa o Bitcoin como moeda oficial, sem precisar do Real. O projeto foi idealizado pelo casal Luiz Sampaio na Bahia, visando reunir pessoas em torno de uma governança comunitária e descentralizada, na qual todos os moradores participam das votações através de um token de governança, funcionando como uma democracia direta. A proposta é inspirada no conceito de DAO, que significa na tradução "Organização Autônoma Descentralizada", ou seja as decisões são tomadas coletivamente, sem intermediários coercitivos, e registradas de forma transparente e imutável na blockchain, utilizada como uma forma de contrato mútuo assegurado. Este modelo permitiria aos moradores votarem sobre a alocação de recursos, infraestrutura e outros aspectos da comunidade, semelhante a um condomínio com gestão autônoma.
A iniciativa é inspirada por uma nova filosofia chamada Fraguismo, que propõe uma "religião libertária". Para Luiz, o Fraguismo é uma resposta ao estatismo, que na sociedade atual é quase um "culto" aos políticos e líderes vistos como salvadores. A crença dessa religião é restrita à ética e não possui nenhum ponto de moralidade ou discrimina pessoas de outras religiões, que podem ter suas crenças morais/espirituais e serem também Fraguistas, desde que não violem a propriedade dos outros.
O casal visa construir um caminho para que os seguidores do Fraguismo possam viver de acordo com sua fé de uma sociedade voluntarista. Eles apontam que, com a criação da blockchain, Satoshi Nakamoto conseguiu resolver o problema de consenso e mediação de trocas em um ambiente descentralizado, utilizando a lógica de incentivos, tornando o sistema PoW o melhor sistema para dar segurança imparcial ao dinheiro. Assim como a tecnologia de Satoshi resolveu a questão da moeda, o Mosteiro Fraguista pretende também utilizar essa tecnologia para resolver outro problema da humanidade: a governança coercitiva.
Sabemos que isso soa como música para o ouvido de muitos libertários de plantão, mas não somos só nós interessados nesse tipo de proposta. Este tipo de coisa poderia ser uma solução de curto prazo para os atuais problemas políticos no ocidente, os quais sofre com a polarização entre a esquerda e a direita em uma briga eleitoral em que metade da opinião pública tenta impor sua visão de o que é correto para a outra metade insatisfeita e que não votou por aquilo. Em um mundo com comunidades autônomas, cada um poderia escolher onde viver, em vez de depender das regras da maioria.
Mas esse conceito não é algo tão absurdo ou novo quanto parece, pois já houve diversas pequenas comunidades regionais que funcionavam como um micro país, com alguns exemplos famosos que persistem até hoje. O micro estado mais famoso atualmente é o Principado de Sealand, o qual foi fundado em 2 de setembro de 1967 por Paddy Roy Bates. Ele tomou posse de uma base naval britânica da segunda guerra mundial abandonada, localizada em águas internacionais, onde nenhum país tinha autoridade.
Sealand é minúsculo, com apenas 550 metros de área. Em 1978, o local passou até por uma tentativa de golpe: Alexander Achenbach e seus mercenários tomaram a plataforma e fizeram Michael Bates, o filho do fundador, de refém. Mas Michael conseguiu escapar, voltou com reforços e recapturou Sealand, mantendo Achenbach como prisioneiro de guerra. Hoje, Michael é o 'príncipe' de Sealand, que nunca foi oficialmente reconhecido pela ONU, o que o próprio Michael afirma que "nós nunca buscamos por isso".
Outra micronação famosa é bem conhecida no meio libertário, com até o próprio Presidente libertário da Argentina, Javier Milei, citando ela como a terra natal da sua fantasia de super herói ancap. Estamos falando de Liberland, que foi fundada em 15 de abril de 2015 pelo atual presidente local, Vít Jedlička. O pequeno ancapistão consiste em um território de 7km² disputado entre a Sérvia e a Croácia por marcações arbitrárias feitas baseadas rios daquela região. O lugar já teve mais de 100 mil pedidos de cidadania, financiamento no Kickstarter e foi barrada a entrada no local durante um tempo pelo governo croata, mas existindo até hoje como um "governo online".
E incrivelmente essa ideia não é exclusivamente da direita, já que aqueles comunistas mais radicais que falam que "todo mundo deturpou Marx" também têm uma ideia semelhante com as comunas, que funcionariam como pequenas sociedades independentes de trabalhadores sem propriedade privada (uma lorota completa). Até os anarquistas italianos já tentaram fundar uma comuna anarquista no interior do Sul do Brasil mas acabou não dando certo.
Micro nações também já foram usadas como forma de protesto, como na Austrália, em 2004, com a criação simbólica a micronação do "Reino Gay e Lésbico das Ilhas do Mar de Coral" como uma forma de protesto contra a recusa do governo australiano em permitir o casamento homossexual. Isso é algo extremamente libertário, com pessoas se recusando a seguir leis idiotas do estado para viver com base no consentimento entre as pessoas. A nação foi dissolvida em 2017, quando a Austrália legalizou o casamento gay.
Esse tipo de coisa poderia acabar se tornando uma solução de médio prazo para a polarização política no mundo, com pequenos governos descentralizando sendo muito mais eficientes no custo de informação e organização do que um estado hierárquico clássico com centenas de camadas de funcionalismo público. É mais fácil organizar um pequeno grupo de policiais para vigiar um bairro do que gerenciar de maneira centralizada toda a rede de segurança e policiamento de todas as grandes cidades do Brasil.
Nem precisaria acabar imediatamente com o governo nacional para isso, porém essas micro nações poderiam se popularizar como governos alternativos para cada país, onde você ou sua região escolhe se associar em troca de proteção e eficiência na administração. Podemos até citar Norton I nos Eua, o qual era um californiano sem cargo algum que se declarou imperador dos Estados Unidos, e os cidadãos locais começaram a obedecer ele e muitos compravam os títulos de nobreza e passaportes que ele emitia, se associando voluntariamente ao seu "reinado".
Mas lembrem-se de que esse tipo de coisa não é algo que vai ser implementado amplamente no curto prazo, porque embora possa ficar popular na internet nos próximos anos, ainda não é um conceito tão bem compreendido pelo povão e os mais velhos, que ainda se informam pela TV, ainda mais em um país com dificuldades de acesso a equipamentos de qualidade como o Brasil, que soca imposto adoidado em qualquer produto eletrônico para manter aquele bom e velho lobby com os amigos do poder.
Também não esperem que o estado aceitará pacificamente esse tipo de coisa caso vire uma alternativa real a ele. Todo estado se mantém unido pelo sangue e pela repressão de quem tenta se desassociar contra ele, então mesmo projetos como o "Ancapistan for Future", que já comentamos aqui no canal, não funcionariam na prática. Um país pode até fazer concessões de autonomia em uma região para estimular o desenvolvimento, mas assim que já teve algum dinheiro captado ele é "nacionalizado pelo bem do povo" em uma atitude completamente altruísta dos governantes!
O caminho para o libertarianismo será uma longa jornada, e governos ao redor do mundo certamente resistirão. Eles vão tentar manter o status quo, assim como senhores feudais tentaram impedir o fim do feudalismo e reis absolutistas lutaram contra o surgimento das democracias. Mas, no final, o desejo da humanidade por liberdade é imparável.
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