O que milhões de pessoas inocentes passaram em prisões como Auschwitz é indescritível e inaceitável. Mas o escritor Primo Levi tenta nos trazer uma dimensão desse sofrimento, e nos faz refletir sobre a vida.
Primo Levi foi um químico e escritor italiano de origem judaica que após se unir a um grupo de resistência ao fascismo, foi preso no ano de 1943 pela milícia de Benito Mussolini. Sua vida passou por enormes reviravoltas quando foi enviado para o campo de concentração de Auschwitz, em 1944. Ele era um jovem adulto e foi um dos poucos a sobreviver, afinal, ficou 11 meses no campo, e se ficasse mais do que isso provavelmente não teria saído com vida. Neste período, havia uma necessidade do governo alemão de prolongar a vida dos prisioneiros que eram usados como mão de obra escrava. Levi resolveu compartilhar essa história terrível no livro “É isto um homem?", ao sentir a necessidade de relatar como era viver no campo, trazendo uma imersão do cotidiano e da crueldade que sofreu. Um dos objetivos dessa obra, foi o de trazer um estudo sobre a alma humana, já que a experiência que os prisioneiros viviam foi um processo de brutal desumanização.
Por ter conhecimentos em química e suas habilidades serem consideradas úteis para os alemães, acabou conseguindo algumas pequenas regalias em relação aos outros prisioneiros. Levi revelou em sua obra que além dele, outros 650 italianos estavam na prisão, e ele foi 1 dos 20 sobreviventes do campo de concentração, que sobreviveram aos 11 meses. Ao sair vivo, juntou forças para voltar a ter uma vida normal e trabalhar como químico, mas sentiu uma grande necessidade de revelar ao mundo sua experiência trágica. Tendo uma vida literária bastante prolífica, escreveu outros livros como “A trégua”, poesias e relatos.
Na obra que conta sobre sua trágica prisão, vemos como o autor perdeu todos os seus pertences, nome e identidade, tornando-se um número, totalmente desumanizado. Sabe-se que a estratégia que governos totalitários utilizam para destruírem vidas de grandes grupos de pessoas, além de conseguir consentimento para a causa, é tirar qualquer resquício de humanidade das pessoas. Esse número era tatuado na pele dos prisioneiros, que tinham seus cabelos cortados, e se tornavam cada vez mais iguais, perdendo toda sua dignidade, individualidade, além de passarem por torturas.
Levi relata: “condição humana mais miserável não existe. Nada mais é nosso. Tiraram as roupas, os sapatos e os cabelos. Se falarmos não nos escutarão, e se escutarem não nos compreenderão. Roubarão também o nosso nome e, se quisermos mantê-lo, deveremos encontrar em nós a força para tanto, para que além do nome, sobre alguma coisa de nós, do que éramos”.
Ele nos mostra toda a degradação humana em sua experiência. Inclusive, dos vigias da prisão que não eram vistos como seres humanos. Levi conta o caso de um jovem que deu “Graças a Deus” porque outros foram chamados para a câmara de gás e não ele. Mas, nas reflexões, vemos como era difícil manter a fé nesses momentos, e que a qualquer momento podemos ser os próximos a serem executados de maneira desumana. Tantos jovens morreram em campos de concentração, por que alguma reza tornaria um homem imune a esse fim? Seria um dos questionamentos do escritor italiano. Vemos no livro o cotidiano miserável e infeliz que os prisioneiros viviam naquele local tenebroso, como a fome era presente e deixava as pessoas num estado de tristeza e fraqueza. O autor também revela os momentos difíceis de ter que trabalhar em temperaturas baixas, e como a morte chagava a qualquer momento.
Primo Levi reflete sobre a ação mecanizada dos guardas que mesmo sem raiva pareciam estar, de alguma forma, programados para agredir pessoas que nem sequer conheciam. Parece estarem só cumprindo seu papel, exercendo sua função esperada na engrenagem de violência. Isso nos traz uma reflexão sobre como um regime tirânico consegue manipular as pessoas a desprezar a vida humana.
O que um governo despótico como os fascistas e nacional-socialistas mais exigiam de seu povo era obediência, docilidade e lealdade, e foi assim que tantos soldados e policiais foram manipulados a cometerem crimes. O livro é uma obra difícil de digerir e aceitar como a humanidade chegou naquele ponto de degradação e injustiça, mesmo após tantos avanços intelectuais e científicos, e da suposta civilidade da sociedade alemã. Como o livro foi escrito pouco após a soltura de Levi, ele consegue lembrar com facilidade todos os momentos que passou no campo, e seus relatos são bastante precisos.
Em certo momento, ele escreve sobre seu temor naquele local entediante e frio, pois a qualquer momento poderia acontecer uma tragédia:
“Isto é o inferno. Hoje em nossas vidas o inferno deve ser assim: uma sala grande e vazia e nós cansados de pé diante de uma torneira gotejante, mas que não tem água potável, esperando uma coisa terrível e nada acontece. E continua não acontecendo nada.”
Nada era explicado naquele local. Os presos nada sabiam ou tinham o direito de saber. O motivo das coisas que aconteciam não lhes era falado. Não tinham direito a fazer perguntas e as consequências de muitos questionamentos poderiam ser mortais. Levi teve que aprender alguma coisa de alemão para entender muito do que acontecia. Apenas deveriam cumprir ordens e trabalhar conforme as demandas impostas a eles, sempre lutando por comida e pela própria sobrevivência num ambiente insalubre.
Por tudo isso é importante divulgar a verdade, lutar pela liberdade e evitar discursos e ideologias que visam desumanizar as pessoas, só porque eles não concordam com o regime no poder ou praticam uma religião não aceita. A tirania está sempre presente na história humana, a indiferença é o que a alimenta. Isso só é possível somente através da completa nulificação da dignidade alheia, do valor da vida, que os métodos de extermínio passam a ser tolerados. Uma sociedade empática, que reconhece a humanidade e o direito natural pertencente a todos os indivíduos, jamais deixaria um sistema de opressão desse acontecer.
Para combater isso precisamos entender e aceitar que todo ser humano é digno de direito e respeito, tendo direito natural e inalienável de ser dono de sua vida e seu corpo. A justificação da escravidão está sempre na falsa compreensão de que os indivíduos não são donos de si e não podem tomar sua decisões. Mas o governo é quem tem esse direito. Foi com base nessas justificativas que milhões de africanos foram escravizados durante muito tempo no passado.
Apesar de que todos os horrores do Holocausto foram um resultado de um processo longo de perseguição, propaganda, discriminação e posterior extermínio, essas práticas eram consideradas antiéticas e ilegais pelo direito internacional. No entanto, é interessante refletir que dentro da Alemanha as leis discriminatórias e segregacionistas foram sendo criadas e implementadas, tudo nas leis do governo alemão. Do que era aceito pelas instituições do estado que foram sendo gradualmente corrompidas. Acontece que nesse processo de implementação de uma ditadura e corrompimento de toda a justiça no país, a manipulação da linguagem se faz necessária para essa distorção da moral.
O regime dos alemães naquela época implementou vários decretos e novas leis na década de 1930, conhecidos como as “Leis de Nuremberg” que visavam a marginalização e discriminação dos judeus e outras minorias. Tudo isso foi fortemente legitimado por discursos e propagandas. Essas leis que hoje seriam consideradas absurdas foram normalizadas, tiveram o efeito de restringir completamente os direitos civis e econômicos dos judeus, proibindo essas pessoas, mesmo que cidadãos alemães, de atuarem em várias profissões ou ter propriedades. Por isso, como libertários, condenamos qualquer tipo de ideia ou discurso de que o governo e sua classe de políticos possam criar leis que controlem nossas vidas e limitem nossos direitos. Leis devem ser descobertas pelo uso da razão e não criadas por burocratas ou políticos. Ninguém deveria ter esse capacidade. Esse poder, infelizmente, sempre abre precedentes para novas tiranias e genocídios cada vez piores e são recorrentes na história. Afinal, se nossa liberdade for controlada por políticos, ela não passará de uma concessão que pode ser retirada a qualquer momento.
Após a Segunda Guerra Mundial, com a descoberta dos crimes contra a humanidade, houve um longo julgamento dos criminosos no Tribunal de Nuremberg. Graças a ele, com a permissão do direito de defesa dos acusados, os principais líderes alemães que sobreviveram à guerra foram finalmente condenados à morte. Foi estabelecido também que indivíduos não podiam se escusar da responsabilidade sobre seus atos usando a desculpa de “estar cumprindo ordens”, ou de estar agindo segundo a lei. Afinal, somos todos dotados de livre arbítrio e somos seres racionais totalmente cientes do que é certo e errado, independente de que tipo de sociedade que vivemos. A ética, moral, a justiça e o amor são conceitos universais e todos podemos discernir quando uma determinada ação está fora desse espectro de justiça e padrão moral.
Primo Levi escreveu sobre o porquê a humanidade acaba em certas épocas sucumbindo ao mal:
"Existem monstros, mas são poucos para serem realmente perigosos. Mais perigosos são os homens comuns, os funcionários prontos para acreditar e agir sem fazer perguntas."
Enfim, já falamos aqui no canal diversas vezes sobre os crimes contra a humanidade que marcaram o século XX e destruíram inúmeras vidas inocentes. Para saber mais sobre o holocausto, deixamos como recomendação os vídeos: “O código de Nuremberg” e “Como a PROPAGANDA CONVENCEU os ALEMÃES a praticarem CRIMES em larga escala?”. Os links estarão na descrição.
Como a PROPAGANDA CONVENCEU os ALEMÃES a praticarem CRIMES em larga escala?
https://youtu.be/61Um8p_gI9g
O Código de Nuremberg:
https://youtu.be/WBfG82bBs5o