Entenda como a construção de uma usina de dessalinização no Ceará pode deixar o Brasil inteiro sem internet.
As tecnologias têm avançado com uma grande velocidade nos últimos tempos. Porém, por mais que expressões como “dados na nuvem” e “WiFi” sejam mais do que populares, a maioria dos dados de internet são mesmo transmitidos entre os diversos países por meios físicos - os famosos cabos de fibra óptica. São mais de 360 cabos espalhados ao redor do mundo, totalizando mais de 800 mil km de linhas de transmissão. Esses enormes cabos atravessam os oceanos, principalmente o Atlântico, para ligar os diversos continentes.
Por mais rudimentar que a conexão entre países tão distantes por meio de simples cabos possa aparecer, a verdade é que esse método tem muitas vantagens em relação às outras opções. Por meio das linhas de fibra óptica, mais dados podem ser transmitidos, em altíssimas velocidades - próximas à da luz. Ou seja: as informações podem circular no planeta com um atraso quase desprezível. Além disso, esse meio de transmissão de dados é mais barato, mais estável e também mais seguro - o que é incrível, já que estamos falando de cabos submersos na água salgada. Isso, pelo menos, até os políticos entrarem em cena.
Poucos exemplos ilustram tão claramente o problema da intervenção estatal quanto o caso da Praia do Futuro, em Fortaleza, evidenciando questões como a transmissão de dados por cabos de fibra óptica. Essa localidade brasileira foi escolhida como ponto de chegada dos cabos de internet vindos da Europa, justamente por ser o ponto mais próximo do velho continente. Após chegar à Praia do Futuro, outros cabos são distribuídos para o restante do Brasil, e também para partes da América Latina. Ou seja: se algo der ruim ali, então todo o subcontinente sul-americano corre o risco de ficar sem internet, ou com um acesso muito lento.
Até aí, tudo bem. O grande problema começou quando a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), resolveu iniciar estudos para construir uma usina para tornar a água do mar potável, com vistas a fornecer água para o Ceará. Em tese, essa usina, a ser finalizada até 2026, atenderia 720 mil pessoas na capital cearense - tudo isso ao custo de 3 bilhões de reais. A empresa que venceu a licitação para tocar a obra é a SPE - Águas de Fortaleza, que conseguiu a aprovação de seu projeto por parte da citada Cagece. Uma rápida pergunta: você, assim como eu, acha que o nome da empresa estatal ficaria melhor se fosse Cagace?
Acontece que o projeto dessa usina prevê a construção de uma estrutura no fundo do mar, justamente por onde passam os tais cabos de fibra óptica vindos da Europa. Na verdade, o projeto original apresentado pela empresa previa a instalação das tubulações da usina a meros 40 metros dos cabos. Isso, por óbvio, é uma grande de uma cagada. Ainda assim, o projeto de construção da usina foi aprovado pela Superintendência do Patrimônio da União do Ceará, no último dia 20. Ou seja, mãos à obra! Dinheiro circulando: teremos nossa usina!
Na contramão das autoridades cearenses, porém, a Anatel - a estatal brasileira responsável por lidar com assuntos relacionados às telecomunicações - recomendou que a obra não fosse feita - pelo menos não naquele local. A agência regulatória fez várias recomendações para a Cagece - por exemplo, recomendando o aumento da distância entre as tubulações e os cabos de internet para 567 metros. E se você quer saber porque a Anatel recomendou essa distância “picadinha”, e não um valor arredondado: problema seu, o estado não lhe deve explicação!
De qualquer forma, essa recomendação específica foi acatada. Porém, outras 11 recomendações emitidas pelo Comitê Internacional de Proteção de Cabos - e sim, isso existe - foram ignoradas, até o momento. Segundo um relatório da Anatel, o projeto apresentado pela SPE não leva em conta “as possibilidades de influência dos dutos marítimos da Usina, que despejam os dejetos em maior concentração de sal ao mar após o processo de dessalinização, no leito marinho”.
A Cagece, por sua vez, se defendeu das acusações. Segundo a estatal cearense, a obra em questão “não apresenta nenhum risco ao funcionamento dos cabos submarinos localizados na Praia do Futuro”. Agora, temos um impasse, que vai ser resolvido, é claro, pelo órgão estatal que tiver mais poder. O próximo passo, de qualquer forma, é a liberação pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará, para que a SPE possa seguir com o seu grandioso projeto.
Esse caso demonstra, de forma inequívoca, como o governo funciona de forma maravilhosamente eficiente - só que não. O que estamos vendo, na prática, é um órgão estatal contrariando o outro. Acontece que esse caso está longe de ser um evento isolado; na verdade, essa é a regra na maior parte das vezes. E a coisa é bastante simples de se entender: por mais que pareça, o estado não é totalmente centralizado - pelo menos não em seu funcionamento interno. Ele é composto por uma série de interesses individuais. Ou seja, cada um puxa a sardinha para o seu lado. Esse ponto explica muito bem, inclusive, porque o aparato estatal é tão ineficiente. É que ninguém ali quer realmente resolver problemas. Eles só querem safar o seu próprio lado ou então aumentar seu poder e importância.
Mas esse não é o único problema no caso da usina de Praia do Futuro. Essa querela também demonstra de forma bastante clara como os órgãos de controle estatais não servem para absolutamente nada. Ou melhor, eles servem apenas para encher o saco das pessoas - como os jogadores famosos que querem construir em áreas ditas “de preservação ambiental”. Afinal de contas, quando se trata do estado, tudo é permitido. Lembre-se que, durante o segundo mandato do Lula, o Molusco quis construir a famigerada Usina de Belo Monte. Naquela época, o Ibama se posicionou contra a construção dessa obra megalomaníaca, brecando seu licenciamento. Contudo, bastou ao Lula trocar o presidente do órgão, para a licença ser finalmente concedida.
O fato é que, embora a ineficiência estatal e a inutilidade dos órgãos de controle sejam evidentes, o caso da Praia do Futuro tem o sério potencial de prejudicar a vida de muita gente. Afinal de contas, estamos falando de uma obra pública que não vai contar apenas com os típicos problemas estatais - ineficiência, corrupção e inviabilidade econômica. Estamos falando, nesse caso, do fornecimento de internet em si, fundamental para a vida de todos nós, na atualidade. Chega a ser desconcertante imaginar que o acesso à internet dos brasileiros, e de tantos outros latino-americanos, depende das decisões tomadas por burocratas cearenses.
Se a construção dessa usina e seu posterior funcionamento trouxerem algum problema para a transmissão da internet no Brasil, isso representará um grande prejuízo para todos nós. Afinal, todo tipo de empresa, desde escolas, hospitais, universidades, empresas de alimentos e entregas até grandes corporações precisam de internet, a economia iria praticamente parar, afetando a todos nós. Porém, se isso realmente vier a acontecer, quem é que vai pagar essa conta? Pois é: nesse caso, ninguém vai ser responsabilizado. Será tudo um mero acidente. Afinal de contas, estamos no Brasil - o país em que mesmo o rompimento de uma barragem com centenas de vítimas, e com graves prejuízos ambientais, não é tratado como um crime.
Numa sociedade verdadeiramente livre, esse tipo de obra certamente representaria uma externalidade negativa ou mesmo um prejuízo direto à propriedade de terceiros. Nesse caso, uma possível indenização seria tão alta que, muito provavelmente, o risco envolvido não valeria a pena. O estado, contudo, não precisa lidar com esse tipo de problema. Até mesmo porque, conforme anteriormente inferimos, ninguém será efetivamente responsabilizado pelos possíveis prejuízos causados por essa obra. Porém, políticos e burocratas só têm a ganhar nessa história - tanto em matéria do capital político quanto do capital econômico. Temos, mais uma vez, os piores incentivos possíveis, sendo colocados em jogo.
Não é possível, portanto, saber se a construção da usina de dessalinização na Praia do Futuro realmente será viável do ponto de vista econômico. E sequer é possível saber, inclusive, se essa construção será segura, do ponto de vista da transmissão de dados de internet. A única certeza que nós temos é que, até mesmo nesses aspectos, o estado consegue ser ineficiente. Talvez, se os responsáveis por determinar o trajeto percorrido pelos cabos de fibra óptica conhecessem os políticos cearenses, eles tivessem escolhido outro ponto de chegada para esses importantes condutores. Agora, a internet do Brasil, e de parte da América Latina, está nas mãos desses 'super competentes' burocratas estatais. Como diria o saudoso Príncipe Suíço: que Deus tenha misericórdia desta nação!
https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2023/10/04/cabos-de-internet-no-mar-entenda-como-a-internet-chega-ate-voce-e-se-ha-risco-de-uma-acao-derrubar-a-conexao-no-brasil.ghtml
https://brasil.mongabay.com/2011/01/chefe-do-meio-ambiente-do-brasil-renuncia-apos-polemica-na-represa-da-amazonia/
https://www.minhaconexao.com.br/blog/internet/cabo-de-rede-submarino
https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/ceara/entenda-como-e-usina-que-cagece-quer-construir-para-tratar-agua-do-mar-para-consumo-em-fortaleza-1.3403572