Tomar bomba pode, Arnaldo? Vêm aí as OLIMPÍADAS LIBERTÁRIAS

Os Enhanced Games serão como as Olimpíadas atuais, e a principal diferença é que os atletas vão mentir menos.

Há alguns dias, o bilionário americano Peter Thiel, que fundou o PayPal junto com Elon Musk, causou um certo barulho no noticiário esportivo ao anunciar os “Enhanced Games”, algo como “Jogos Melhorados”. Iremos discorrer aqui sobre algumas diferenças entre essa proposta e os atuais Jogos Olímpicos. O principal atrativo, e que vem chamando a atenção da imprensa esportiva, é explicitado pelo título do evento: não haverá testes antidoping. O uso de substâncias melhoradoras de performance, obviamente, não será obrigatório, assim como não é nas atuais competições de fisiculturismo “mainstream”. Porém, em ambos os casos, abrir mão da ajuda farmacológica implica no risco de nem sequer conseguir se qualificar para as competições.


Ao que parece, esses jogos pretendem seguir a proposta dos Jogos Olímpicos originais, que avaliavam capacidades motoras isoladas, como força, velocidade e resistência. O programa será dividido em 5 grupos: atletismo, esportes aquáticos, esportes de força, lutas e ginástica. No site oficial nada consta sobre esportes com bola, o que exclui nove esportes do programa olímpico atual, se você considerar badminton esporte com bola. Também estão excluídos esportes com veículos como skate, ciclismo, remo e vela. O foco é realmente mostrar as proezas do corpo humano.


Com a liberação do uso de ergogênicos, existe uma alta expectativa de quebra de recordes. A notícia desses jogos chegou ao Brasil porque o recorde de um brasileiro está na mira dos organizadores: a conquista de 50m livres na natação em 20,91 segundos, pertencente a César Cielo, obtido no Campeonato Brasileiro de São Paulo em 2009. Esse recorde foi obtido na época dos chamados “supertrajes”, roupas que ajudavam na flutuabilidade e no deslizamento do atleta, e que foram proibidos a partir de 2010. Então é justo dizer que os nadadores daquela época gozaram de uma espécie de “doping” em relação aos atuais. Voltando ao recorde, o nadador australiano aposentado desde 2018 James Magnussen recebeu uma proposta de 1 milhão de dólares para quebrá-lo nos Enhanced Games.


Falamos extensamente do assunto doping no esporte no vídeo “6 motivos para liberar o doping nos esportes”, link na descrição. Nesse vídeo, argumentamos que a proibição do doping pouco tem a ver com uma preocupação com a saúde dos atletas ou com justiça. Na verdade, a preocupação é motivada pela manutenção de uma vantagem competitiva decorrente de vantagem genética e principalmente de melhor infraestrutura, que poderia ser atenuada pela liberação. Esta também é uma das motivações dos Enhanced Games. Com o lema “Safer Sports”, “esportes mais seguros”, o evento pretende submeter os atletas a testes minuciosos antes das competições, não para detectar substâncias específicas, mas para aferir as condições de saúde, que é o que realmente importa. O CEO do evento, o advogado inglês Aron D’Souza, cita uma pesquisa em que 44% dos atletas olímpicos pesquisados admitiram fazer uso de substâncias proibidas. Na situação atual eles são obrigados a fazer isso de maneira clandestina, usando substâncias de procedência duvidosa e necessitando de agentes mascaradores, botando em risco sua saúde.


No vídeo referenciado, argumentamos que alguns atletas podem depender de substâncias hoje proibidas no esporte para manter sua saúde. Na ocasião de sua aposentadoria, Ronaldo Fenômeno alegou que seus problemas de sobrepeso estavam relacionados ao hipotireoidismo, e que não poderia tomar hormônios da tireoide porque isso o barraria nas competições. Ele foi desmentido logo após a afirmação, tendo feito o tratamento enquanto jogava, mas o ponto levantado foi interessante. Seria justo um ciclista anêmico, que depende de alfaepoetina não só para competir como para sobreviver, mas ser obrigado a mudar de profissão?


Outro motivo para liberar o doping que foi defendido no nosso vídeo anterior é o incentivo à pesquisa científica, e outro lema dos Enhanced Games é “Embrace Science”. Com a liberação do doping e concorrência entre laboratórios, mais testes serão feitos, o que levará ao desenvolvimento de substâncias mais seguras e eficientes, com mais efeitos benéficos e menos efeitos colaterais. Claro que isso só ficaria perfeito com o fim das patentes na indústria farmacêutica, mas isso já não é da alçada do esporte. Ainda assim, o esporte de alto rendimento servirá como laboratório da humanidade. Tal como a Fórmula 1 legou aos carros populares o freio a disco, a carroceria em fibra e o sistema de recuperação de energia, o esporte com doping pode fornecer informações preciosas sobre reposição hormonal e outros tratamentos com ergogênicos. Até mesmo a psiquiatria pode ser beneficiada, em uma análise sobre como substâncias atuam na motivação e na manutenção de estados de desempenho ótimos.


Nos comentários do nosso vídeo sobre doping, muitos comentaram que liberar o doping não é exatamente libertário, pois a decisão teria que ser sempre da entidade organizadora. Então alguém poderia dizer que não há razão para chamar o evento de "libertário", mas, na verdade, há um motivo. A razão pela qual esse evento deve ganhar a simpatia de libertários é a intenção de fazê-lo totalmente livre de impostos.


O COI, embora seja teoricamente uma entidade privada destinada a “promover o esporte”, tem a mesma natureza parasitária do estado. Fazendo 7,6 bilhões de dólares de receita por ciclo olímpico, a entidade não paga nenhum prêmio por medalha aos atletas. É isso mesmo. Olimpíadas não têm prêmio em dinheiro, os atletas devem competir “por amor”. Tudo isso enquanto o presidente do COI Thomas Bach vive como um nababo numa mansão de 6 estrelas e recebe propina de ditadores. Um artigo do Instituto Mises escancara o cinismo dos membros do Comitê Olímpico, que demandam fechamento do trânsito e banquetes aonde vão, e fazem exigências até mesmo em relação aos móveis dos hotéis onde se hospedam.


Quanto aos atletas, se forem estrelas como Usain Bolt ou Michael Phelps, estão bem amparados por suas delegações ou patrocinadores. Mas 57% dos atletas olímpicos não se consideram financeiramente estáveis. A patinadora artística Debi Thomas, medalha de bronze nas Olimpíadas de Inverno de Calgary em 1988, e primeira patinadora negra a ganhar uma medalha olímpica, chegou a morar em um trailer e ficar sem dinheiro para comprar patins novos. A lutadora Ronda Rousey também passou por dificuldades após conquistar o bronze no judô em Pequim 2008, só conseguindo se reerguer depois de se estabelecer no UFC.


Em oposição a esse acinte, outro lema dos Enhanced Games é “Pay the Athletes”. Para tornar os jogos atrativos, as propostas de prêmio por medalha e por quebra de recorde são generosas, chegando à casa do milhão, como já mencionado no caso do nadador que pretende quebrar o recorde de César Cielo. É inegável que essa recompensa em dinheiro é com certeza o melhor tipo de incentivo, além das medalhas, pois uma grande premiação pode mudar significativamente a vida de um atleta sem fortuna.


Outra tradição olímpica nefasta que os Enhanced Games visam combater é a construção de elefantes brancos. Na China, depois das Olimpíadas de Pequim, pelo menos uma parte da infraestrutura foi vendida ao setor privado. O Cubo D’Água, palco dos históricos 8 ouros de Michael Phelps, hoje funciona como um belo parque aquático. No Brasil os políticos não tiveram sequer a dignidade de vender as estruturas construídas para as Olimpíadas de 2016 e embolsar o dinheiro, e hoje está quase tudo sucateado, como mostra matéria do G1. Voltando aos Enhanced Games, eles pretendem utilizar as estruturas esportivas das universidades americanas, que são bastante satisfatórias. Nos Estados Unidos, até mesmo algumas escolas de ensino médio têm estádios esportivos de nível semelhante aos melhores do Brasil.


Tudo isso posto, é considerável a chance dos Enhanced Games floparem, pois os principais atletas do mundo provavelmente não colocariam sua reputação de atletas "limpos" em risco, a não ser que o prêmio os convença. Os resultados da primeira edição precisam concorrer com os recordes estabelecidos até então para comparar melhor o desempenho dos atletas com os participantes das Olimpíadas, mas resta aguardar o evento para descobrirmos se os planos darão certo. O que importa, afinal, é uma nova concorrência para as Olimpíadas tradicionais e esperamos que essa iniciativa represente uma possibilidade de novos avanços científicos que beneficiem a humanidade.




Referências:

6 motivos para liberar o doping nos esportes: https://www.youtube.com/watch?v=JdfdsEXyFsk

Australiano vai tentar quebrar recorde de César Cielo com bomba: https://www.correiobraziliense.com.br/esportes/2024/02/6801231-nadador-aceita-se-dopar-por-rs-5-milhoes-para-quebrar-recorde.html#google_vignette

As frescuras dos membros do comitê olímpico: https://mises.org.br/artigos/1775/o-que-nos-aguarda-para-as-olimpiadas

Estruturas das Olimpíadas do Rio em 2016 sucateadas: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/07/18/cinco-anos-depois-legado-da-rio-2016-especial.ghtml