UNIVERSO GUNDAM e a busca por LIBERDADE

Como um anime escrito em 1976 poderia fazer comparativos entre as colônias das Américas com as espaciais?

Durante a Conferência de Inverno de Gundam 2024, foi informado que a franquia ganhará um novo anime chamado Mobile Suit Gundam GQuuuuuuX. O título terá uma exibição editada para os cinemas do Japão, que será lançada em 17 de janeiro. A série completa passará na televisão. O anime tem direção de Kazuya Tsurumaki. O roteiro e enredo foram produzidos por Yoji Enokido e Hideaki Anno. A trilha sonora é um trabalho conjunto de Yoshimasa Terui e Masayuki Hasuo. A produção da animação será um trabalho conjunto dos estúdios Sunrise e Khara. Para aqueles que consomem animes sabem o peso desses nomes, mas para você telespectador que não conhece nada sobre o assunto, seria como dizer que teremos um filme produzido e dirigido por Christopher Nolan e Quentin Tarantino, estrelado por Ana de Armas, Keanu Reeves e Jackie Chan.

A franquia Mobile Suit Gundam, tem como nome o anime original lançado em 1978, criado por Yoshiyuki Tomino. Esse desenho se baseia em uma guerra espacial entre um conjunto de colônias. A história se passa contando principalmente a história da colônia do conglomerado de Side 3 no qual buscavam liberdade civil e econômica, o que originou a guerra de um ano, gerando a destruição e morte de quase 6 bilhões de pessoas.

O foco aqui não é a guerra, mas o que a gerou: a criação das colônias espaciais e a criação do governo mundial, conhecidos como Federação da Esfera Terrestre. Entretanto, antes de falarmos sobre isso, vejamos o que aconteceu nesse universo. Todos os fatos históricos importantes são praticamente iguais até 1989. Apenas cabe destacar que a União Soviética não caiu em 1989, pois no ano de 1990 devido à falta de alimentos, combustíveis e outros produtos básicos e a dissolução das Nações Unidas, a Terceira Guerra Mundial aconteceu. Com o conflito armado ocorrendo, em 1993, durante seu ápice, armas nucleares foram usadas. A área mais atingida foi a Europa, e a única cidade mencionada é a cidade de Geneva, na Suíça, que foi completamente obliterada. A guerra terminou em 1999 com as nações sobreviventes e suas populações procurando uma saída para a devastação criada pelas batalhas. Nesse contexto, decidem criar um governo mundial, única e exclusivamente para que os países, conjuntamente, encontrem uma saída para a vida humana. Nesse momento, a Federação é criada, e sua única diretiva é resolver o problema dos resquícios da guerra. Em conjunto com ela, se iniciou o projeto chamado de “O PLANO”.

Com o planeta destruído, a única solução era a exploração espacial. Contudo, devemos lembrar que estamos nos anos 2000, e a tecnologia aeroespacial estava engatinhando. Nesse ínterim, o governo mundial começa a agir. Nos primeiros anos a necessidade faz com que a maioria das pessoas foque no projeto oferecido pela federação, ou seja, muitos vêem como necessidade a saída do planeta Terra, já que suas condições não eram favoráveis à vida. O plano original continuou sem muitos problemas até 2045, quando a primeira colônia começou a ser construída.

Deste ponto em diante existe um hiato de tempo indeterminado, no qual as colônias espaciais começam a ser viáveis. E assim é declarado um novo período, considerado agora como século universal, que será descrito como UC daqui para frente. No dia da declaração do século, durante a implantação de uma nova constituição para federação, ocorre um atentado terrorista que destrói a colônia e todos dentro dela. A constituição é roubada e depois modificada pela Federação para seu benefício. Sua mudança é mínima, mas traz enormes vantagens para o governo terrestre.

Mesmo com esses problemas, a construção dos locais fora da Terra foi contínua. Em menos de uma década da declaração do UC, elas já se encontram operacionais. Elas são conhecidas como colônias de Side 1. Com esse grande espaço de tempo, a federação se tornou o que todo estado se torna: um leviatã gigantesco e burocrático que só pensa em seus próprios interesses. Assim, a Federação muda o nome para “gabinete de transporte das colônias fronteiriças” ou FSTB. Desse modo, qualquer pessoa que quisesse imigrar para as colônias precisava de passaportes, sendo expedidos por estes burocratas.

Nos anos seguintes, a federação continua a ganhar poderes, expurgando todos os seus detratores em UC 22. Porém, com um estado tão grande controlando não só o planeta, mas as colônias que já estavam em 50 milhões de habitantes em UC 25, começam rumores estranhos sobre a FSTB fazer imigrações forçadas. Ou seja, a Federação, no melhor estilo ditadura, simplesmente atendeu a vontade dos burocratas enviando pessoas forçadamente para o espaço. Isso manchou a reputação da instituição que cada dia se tornava mais autoritária. Visando resolver a questão, a FSTB fora privatizada mudando o nome para Grupo Empresarial de Transporte Espacial ou “STEP”.

Entretanto, em UC30 iniciou-se um conjunto de ideias chamado “sideismo”. No começo, não eram separatistas, apenas um conjunto de indivíduos que queriam que as colônias tivessem os direitos e liberdades iguais aos países independentes, como os membros da Federação. Isso é bem parecido com os períodos das grandes navegações e colonialismo, momento em que todo e qualquer dissidente do regime imperial era mandado para o novo mundo mesmo contra a sua vontade. Isso apenas fomentou um extremismo e ódio entre as partes. Em uma década, a população nas colônias era 40% de todos os seres humanos vivos. Nesse mesmo período, a filosofia do “eirismo” começa a ser disseminada. Essa ideologia diz que o planeta é o berço da humanidade e todos os humanos deveriam conquistar o espaço, a fim de o planeta ser limpo.

Já no ano de UC 45, um dos personagens que basicamente iniciou a guerra que obliterou quase 6 bilhões de pessoas, o Sr. Zeon Zum Deikun, cria o “contolismo”, uma junção do “sideismo” com “eirismo”, dando início a filosofia de que todos deveriam peregrinar pelo espaço, e que as colônias deveriam ser tratadas como países livres. No início, a federação estava ocupada demais com os escândalos de imigração forçada, o que continuou ocorrendo por décadas. Obsevamos mais uma vez o governo sendo incompetente em resolver um problema que ele mesmo criou. A imigração forçada não atrapalhava a alta cúpula da federação, já que lucravam com ela. Porém, em UC 62, Zeon é eleito como representante das colônias de Side 3, local de sua residência. Assim, definiu que as colônias eram países independentes, ganhando o status e capacidade de autogestão que era negado a todas as outras.

Inicialmente o estado, como todo mafioso que é, tenta subverter Zeon, mas sem sucesso. Posteriormente, o ameaçaram de prisão. Ao receberem as notícias, as colônias de side 1, 3 e 5 começam uma guerra fiscal e de boicote a Federação, cancelando qualquer recebimento e envio de produtos vindos da Terra. Assim como qualquer estado, no momento em que sofrem um baque econômico, começam a pesar a mão sobre aqueles que se revoltam. Zeon foi preso, tornando a região onde morava instável. O dano econômico fez a Federação o libertar, permitindo que Side3 se tornasse uma região semi autônoma, conhecida como República de Munzo. Após ser liberto, e as eleições locais acontecerem, Zeon se torna o primeiro-ministro.

O golpe recebido pela Federação deixou vários burocratas irritados com a perda de poder. Desse modo, o contra golpe veio rápido. Dois meses após a criação de Munzo, a Federação impôs graves restrições de comércio e altas taxas de produtos criados por Side 3. Cabe também informar que o local era o maior conjunto de colônias já criado, local onde grande parte da população residia e trabalhava. Em UC 64 o primeiro movimento armamentista é iniciado, com a Federação criando um programa para criação de novas naves espaciais juntamente com um grande reforço da marinha espacial federativa.

Em UC 65, as brigas internas se tornam públicas entre Zeon e a família Zabi. Cinco anos após a primeira rebelião em side 3, e sua vitória com a região semiautônoma concedida com a federação, Side 5 tenta a mesma estratégia. Entretanto, os ânimos da Federação bloqueiam completamente a revolta, e acabam agindo com extrema violência contra os protestantes, abafando rapidamente os dissidentes. Posteriormente, é intensificada a guerra fiscal contra Side 3. No próximo ano, Zeon sofre um atentado e morre, deixando as coisas em Side 3 ainda mais tensas. A família Zabi alega que Zeon declarou que deixaria o controle da república para Degwin Sodo Zabi, chefe da família Zabi. Essa declaração não é aceita pela própria família de Zeon, família Deikun, que era apoiada por outras famílias importantes, principalmente pela Família Real. Porém, essas brigas políticas foram perdidas e a Família Zabi toma controle de Side 3, mudando o nome da região para República de Zeon. Com isso, a família Zabi começa a modificação das forças militares e inicia um grande reforço militar. Nesse momento já temos uma grande corrida armamentista entre a República de Zeon e a Federação.

O que começou com um grande aperto econômico criado pela própria federação e o desejo de liberdade pela população, culminou em uma corrida armamentista que durou uma década. Durante esse período marcado com várias rebeliões e pequenos conflitos, 60% dos humanos, estimado em 11 bilhões de pessoas, já viviam nas colônias e grande parte da produção era realizada no espaço. A guerra começa quando a república de Zeon declara sua total independência da federação e rompe o bloqueio comercial criado por eles. Entretanto, a guerra de um ano tem o seu desfecho desfavorável para Zeon, o qual perde a guerra. Caso queiram ver o final da guerra de um ano, assistam o conjunto de filmes da série Original Mobile Suit Gundam. São apenas três episódios.

De uma perspectiva libertária, a história ressalta o perigo de governos centralizados e monopólios estatais, que inevitavelmente se transformam em máquinas burocráticas que buscam perpetuar seu poder à custa da liberdade dos indivíduos. Assim como no universo Gundam, a resistência contra esses sistemas opressivos demonstra que mesmo sob as condições mais adversas, o desejo humano por liberdade e autogestão não pode ser totalmente suprimido. A história das colônias das américas e as africanas são um exemplo disso. Por muito tempo os países colonialistas subjugaram suas colônias e seus moradores. Por vezes, os colonos eram tratados com desrespeito e sub-humanos, sendo apenas necessários para se conseguir matéria-prima para a metrópole. O universo Gundam expande essa realidade para um contexto ciberespacial, provando que não importa se o ser humano está em outro continente ou em outro mundo, sua essência clama por liberdade e autogestão, e não suporta os mandos e desmandos de burocratas que estão longe de sentirem as dores daqueles que vivem longe.

Referências:

https://gundam.fandom.com/wiki/Mobile_Suit_Gundam
https://gundam.fandom.com/wiki/Principality_of_Zeon
https://gundam.fandom.com/wiki/Universal_Century