Vale a pena trocar LIBERDADE por SEGURANÇA?

Em um mundo onde uma epidemia zumbi fez tudo colapsar, um jovem decide aproveitar tal oportunidade para fazer tudo o que sempre sonhou, porém os zumbis não seriam os únicos a querer tirar a sua liberdade recém conquistada.

Escrito por Asou Haro e ilustrado por Takata Koutarou, o mangá ‘100 coisas para fazer antes de virar um zumbi’, ou apenas Zom 100, se destaca entre outras histórias do gênero. Ao contrário da maioria das histórias de zumbi, Zom 100 nos traz uma história colorida e divertida apesar dos milhares de mortos-vivos pelo cenário. A história gira em torno de Akira Tendou, um jovem que por três anos trabalhou em uma empresa abusiva, sofrendo com altas cargas de trabalho e tirando poucas folgas e feriados. Até que, um dia, a sociedade entra em colapso devido a uma epidemia zumbi, mas ao invés de pânico, Akira se sente aliviado por não precisar mais trabalhar. Com a liberdade devolvida por estar livre das amarras do antigo emprego, Akira decide aproveitar o tempo perdido.

Para muitos estatistas, esta obra é uma clara crítica ao capitalismo e a falta do estado protegendo os trabalhadores japoneses. Contudo, como o próprio Akira admitiu posteriormente, ele poderia ter ido atrás de outro emprego quando quisesse. A desumana carga de trabalho auto imposta é de fato um problema na população japonesa, mas esse é um assunto a ser debatido em outra ocasião.

À medida em que a história avança, Akira se junta ao seu amigo de infância Keichirou Ryuzaki e a Shizuka Mikazuki que ambos conhecem pelo caminho. Cada um dos três tem passados com problemas similares, todos ligados à falta de liberdade e agora nutrem o mesmo objetivo de sobreviver e se divertir. Enquanto os protagonistas viajavam para a prefeitura de Gunma, a região na qual Akira nasceu, os protagonistas se deparam com uma fileira de espinhos nas estradas. Sem tempo para desviar, seus veículos têm os pneus furados e Keichirou acaba caindo de sua moto e ficando gravemente ferido. Sem transporte e com um companheiro ferido, os três logo seriam alvo fácil para uma horda de zumbis esfomeados. Porém, coincidentemente, ou não, os protagonistas são encontrados por um grupo de sobreviventes liderados por Kosugi Gonzou, o antigo líder do time do Akira em sua antiga empresa. Gonzou logo lhes oferece tratamento para Keichirou, bem como a troca dos pneus de seus veículos, sob a condição de que Akira trabalhasse para ele em sua nova empresa por dois dias.

Apesar de Gonzou chamar o seu grupo de empresa e os seus homens de funcionários, tal grupo em nada se assemelha a empresas privadas. Empresas privadas tem como o objetivo lucrar através de resolver problemas da sociedade. Contudo o que Gonzou faz é criar problemas para, então, poder vender soluções e se passar por benevolente. Ao instalar espinhos nas estradas, Gonzou reúne sobreviventes para que eles trabalhem para ele, juntando suprimentos e reforçando as barricadas que os separam dos zumbis, dentre outras coisas. Exatamente da mesma forma que governos do mundo inteiro, Gonzou se utiliza de manipulações e do medo para manter as pessoas comuns trabalhando para ele.

Com Keichirou ferido e zumbis se aproximando, Akira aceita a oferta e assim seus dois piores dias, desde o início do apocalipse zumbi, começam. Movido pelos traumas criados durante os três anos na empresa, Akira obedece às ordens de Gonzou como se fosse um robô. Sob o sol do verão japonês, Akira foi instruído a carregar pesadas caixas pelo dia inteiro, enquanto Gonzou e seus homens permaneceram descansando na sombra.

Seja pela escola ou por outras mídias, nós somos ensinados a ter em nossas mentes a imagem de um patrão que não faz nada além de dar ordens. Assim, fortalecendo a ideia da necessidade do estado, porém tal ideia desconsidera a importância do trabalho administrativo, que pode ser mais leve, mas não deixa de ser exaustivo e importante para a empresa. E, mesmo que existam empresários que cresceram ao ponto de ter uma equipe para fazer esse trabalho, ainda não anula o fato que previamente eles se arriscaram no momento de começar a empreender. Fato, esse, que socialistas desconhecem ou fingem desconhecer.

No caso de Gonzou, ele nunca faz nada além de gritar e ser bajulado pelos seus homens, exatamente como fazem ditadores socialistas pelo mundo. Como o seu poder foi conquistado através da força, é normal que um ditador seja constantemente elogiado por seus homens. Afinal, como eles também não chegaram lá por mérito, não seria estranho perderem seus cargos por puro capricho do ditador. Porém, o próprio Gonzou reconhece a necessidade de manter seus homens domados.

Quando Akira pensa em gelar algumas latas de cerveja para animar as pessoas do local, o jovem é duramente repreendido por Gonzou, que não aceita tal forma de diversão. Porém, no momento em que seus soldados os encontram, pensam que a cerveja gelada seria para parabenizá-los por seu bom trabalho. Temendo uma possível revolta, Gonzou prontamente afirma que aquela ideia era sua e é novamente bajulado por seus homens. Afinal, sua autoridade não existiria sem a força de sua armada, que garante a obediência de seus funcionários por meio da violência.

Quando os dois dias de Akira estão prestes a acabar, Gonzou não perde tempo e começa a argumentar que Akira não poderia continuar com sua viagem ainda. Gonzou defende que apenas dois dias de trabalho não seriam o suficiente para pagar os recursos gastos com a estadia de seus amigos. Assim, além de quebrar com seu contrato inicial, ele utiliza do psicológico abalado de Akira para conseguir mais um escravo. Gonzou também argumenta que sua base possuía comida, remédios e segurança. Então, por que retornar para um mundo repleto de zumbis? Valeria a pena ter que se preocupar em pensar em sobreviver, quando poderia apenas continuar ali trabalhando em segurança? Não seria melhor para Akira se ele apenas abandonasse sua liberdade em troca da garantia de sua sobrevivência na empresa de Gonzou? Caso tais argumentos lhe pareçam familiares, são exatamente essas as desculpas que o estado nos dá para que permaneçamos sendo escravizados, tal como Gonzou tenta fazer com Akira.

Como Thomas Hobbes descreve em seu livro, o Leviatã, o estado é uma instituição necessária para garantir a ordem e a segurança em uma sociedade. Segundo o escritor, o estado é uma entidade soberana, dotada de autoridade absoluta, que tem o poder de impor leis e garantir o cumprimento delas. Hobbes acreditava que, sem um estado forte, os seres humanos estariam em um estado de guerra constante. Onde a vida seria "solitária, pobre, sórdida, brutal e curta", como ele coloca no livro. Ele defendia a ideia de um contrato social, onde os indivíduos abdicam de parte de sua liberdade em troca da proteção e da estabilidade proporcionadas pelo estado.

Contudo, assim como na vida real, o pequeno estado comandado por Gonzou se mostra não conseguir proporcionar segurança para seus cidadãos. Por incompetência de seus homens, a empresa é atacada por zumbis, que devoram várias pessoas sem que Gonzou consiga fazer nada a respeito. Na verdade, durante a invasão, sem seus homens para protegê-lo, Gonzou se revela um covarde que apenas conseguia chorar e gritar para que os zumbis que o perseguiam não o matassem. Ironicamente, o ditador acaba sendo salvo por Akira, que consegue coordenar seus homens de forma impecável e, então, conter a invasão dos zumbis. Assim se mostrando um líder muito melhor do que Gonzou jamais seria.

Tal como Murray Rothbard defendia, os líderes devem emergir naturalmente a partir do consentimento e da escolha voluntária das pessoas. Para ele, um líder em uma sociedade libertária seria alguém que exerce influência e liderança através do respeito aos direitos individuais e do consentimento voluntário dos membros da comunidade. Líderes escolhidos de forma voluntária não precisam usar da força ou do medo para que seus comandos sejam seguidos, desse modo os liderados sentem satisfação em seguir as suas ordens e serão mais eficientes em suas funções.

Com a situação devidamente contida, Gonzou, sem nenhuma vergonha em sua cara, pede para que Akira permanecesse trabalhando para ele. Movido pelo apoio de Shizuka e o seu sucesso em conter os mortos-vivos, Akira supera seu trauma e rejeita a oferta, partindo com seus amigos em direção a Gunma. Motivados pela decisão de Akira, o resto de seus funcionários abandonam Gonzou, deixando-o sozinho em meio aos zumbis, um reflexo claro da fragilidade de uma liderança criada pelo medo.

Gonzou acabou perdendo a sua autoridade e todos os seus funcionários o abandonaram, tendo seu pequeno estado desfeito completamente. No mundo real, podemos até não conseguir desmanchar o estado como Akira conseguiu, mas podemos seguir o seu exemplo de resolver nossos problemas por conta própria, e não vender nossa liberdade em troca de benefícios que não existem. Um pássaro na gaiola tem seu alpiste diário garantido para sempre, mas nunca será livre para voar.

Referências:

https://mangaschan.net/24414114/zombie-100-zombie-ni-naru-made-ni-shitai-100-no-koto-capitulo-8/
https://mangaschan.net/25414114/zombie-100-zombie-ni-naru-made-ni-shitai-100-no-koto-capitulo-9/
https://mangaschan.net/26414114/zombie-100-zombie-ni-naru-made-ni-shitai-100-no-koto-capitulo-10-1/
https://mangaschan.net/29414114/zombie-100-zombie-ni-naru-made-ni-shitai-100-no-koto-capitulo-11/
https://www.infoescola.com/filosofia/leviata/