Uma empresa com histórico de corrupção se une ao governo para 'oferecer empregos'. Parece bom? Pense de novo. Descubra a verdade por trás dessa parceria que usa os mais pobres como peça de marketing.
O anúncio de um novo plano industrial pelo governo soa como um eco do passado. Batizado de "Nova Indústria Brasil", o programa promete injetar R$ 300 bilhões na economia até 2026. A verba viria por meio de bancos públicos, como BNDES, Finep e Embrapii. O objetivo declarado é nobre: neoindustrialização, desenvolvimento tecnológico, sustentabilidade e fortalecimento da soberania nacional. A propaganda oficial pinta um futuro de inovação e prosperidade, impulsionado pela mão benevolente do Estado.
Contudo, para qualquer observador atento da história econômica recente, a proposta não tem nada de "nova". Pelo contrário, trata-se da exumação de um zumbi econômico: a política dos "campeões nacionais", uma estratégia que já se provou desastrosa.
Este é um caso clássico do que o economista Frédéric Bastiat chamou de "aquilo que se vê e aquilo que não se vê". O que se vê é a propaganda, o palco, os discursos inflamados. Vemos metas ambiciosas, como garantir a segurança alimentar e nutricional, fortalecer o complexo industrial da saúde e promover a transformação digital. São palavras que soam bem aos ouvidos e prometem resolver problemas reais. Vemos a promessa de empregos e a imagem de um Estado atuante, que se preocupa com a indústria do país. Essa é a superfície, a cenografia montada para o público.
O que não se vê, no entanto, é muito mais profundo — e devastador. Primeiro, a origem dos R$ 300 bilhões. Esse dinheiro não nasce em árvores nem é criado por mágica. Ele é compulsoriamente extraído da sociedade: vem dos impostos que você paga, reduzindo sua capacidade de consumo e de poupança. Vem também do endividamento do Estado, que será pago com mais impostos no futuro ou com inflação — o imposto mais cruel sobre os mais pobres. Ele drena recursos que poderiam estar sendo investidos por milhares de empreendedores em projetos que os consumidores realmente desejam. Cada real gasto pelo Estado em uma empresa “escolhida” é um real que deixa de ser investido em outra, talvez mais inovadora e eficiente, que não tem amigos no poder. O que não se vê é a oportunidade perdida, a prosperidade sufocada.
(Sugestão de pausa)
Ainda no campo do invisível, está a distorção fundamental do mercado. Ao sinalizar que o caminho para o sucesso empresarial passa por Brasília, o governo cria um incentivo perverso. Empreendedores inteligentes e ambiciosos percebem que é mais lucrativo gastar tempo e recursos em lobby e conexões políticas do que em pesquisa, desenvolvimento e melhoria de seus produtos. A competição deixa de ser por quem oferece o melhor serviço pelo menor preço e passa a ser por quem consegue o melhor acordo com um burocrata. O resultado é uma economia menos dinâmica, menos inovadora e mais corrupta. A Nova Indústria Brasil não promove a competição; ela a substitui pelo compadrio.
Para entender o futuro provável desse plano, basta olhar para seu fantasma inspirador: a política dos "campeões nacionais". Entre os anos 2000 e 2010, sob a mesma justificativa de fortalecer a indústria nacional, o BNDES foi usado como ferramenta para irrigar com dinheiro público um seleto grupo de empresas. O resultado não foi o fortalecimento do país, mas a criação de monopólios privados financiados com recursos públicos — e o surgimento de escândalos de corrupção de proporções históricas.
O caso mais emblemático é o da JBS. De um frigorífico regional, a empresa se transformou em uma gigante global de alimentos graças a mais de R$ 8 bilhões em aportes do BNDES. O banco estatal chegou a se tornar um dos maiores acionistas da companhia. Anos depois, os donos da empresa, os irmãos Batista, confessaram, em um acordo de leniência, um dos maiores esquemas de corrupção já vistos. Admitiram ter pago propina a centenas de políticos para garantir vantagens indevidas e mais financiamento público. Esse é o modelo do "campeão nacional": uma empresa que cresce não pela excelência no mercado, mas pela proximidade com o poder, usando o dinheiro do contribuinte para, em seguida, corromper o próprio sistema que a alimentou.
(Sugestão de pausa)
Mas a JBS não foi um caso isolado. A Oi/Telemar, outra “supercampeã” que recebeu apoio estatal para se tornar uma gigante das telecomunicações, acabou mergulhada em dívidas e protagonizou um dos maiores processos de recuperação judicial da história do país. O grupo X, de Eike Batista, foi inflado com empréstimos generosos do BNDES e vendido como o futuro do empreendedorismo nacional, apenas para desmoronar em um castelo de cartas, deixando um rastro de prejuízos para investidores e para o próprio banco estatal. A lista de fracassos é longa e bem documentada. A política dos "campeões nacionais" não gerou desenvolvimento sustentável, mas sim concentração de mercado, ineficiência e corrupção sistêmica. Repetir essa fórmula agora, sob um novo nome, não é apenas um erro: é uma teimosia trágica.
A raiz de todos esses planos reside naquilo que o vencedor do Nobel de Economia Friedrich Hayek chamou de “arrogância fatal”. É a crença de que um pequeno grupo de planejadores centrais, por mais inteligentes ou bem-intencionados que sejam, pode saber mais do que os milhões de indivíduos que compõem o mercado. A economia é um sistema de uma complexidade estonteante. O conhecimento sobre as necessidades dos consumidores, as melhores técnicas de produção, as oportunidades de inovação e a disponibilidade de recursos está disperso entre milhões de pessoas. O sistema de preços é o mecanismo genial que coordena todo esse conhecimento de forma descentralizada e espontânea.
(Sugestão de pausa)
Quando o governo decide, por decreto, quais setores são “estratégicos” e quais empresas devem receber financiamento, ele ignora esse processo. Um burocrata em Brasília, analisando planilhas, não tem como saber qual tecnologia para a bioeconomia será mais promissora em cinco anos ou qual solução de logística será mais eficiente para determinada região. Suas decisões serão, na melhor das hipóteses, um chute no escuro; na pior, serão guiadas por interesses políticos e de lobby. O mercado, por meio da tentativa e erro, do lucro e do prejuízo, descobre essas respostas de forma muito mais eficaz. A falência de uma empresa privada libera recursos para empreendimentos mais promissores. Já a falência de um "campeão nacional" gera um rombo nas contas públicas que todos nós somos forçados a pagar.
Além de conceitualmente falha, a Nova Indústria Brasil é uma bomba fiscal. O lançamento de um programa de R$ 300 bilhões em um momento de forte preocupação com o equilíbrio das contas públicas é de uma imprudência notável. O sinal mais claro do perigo veio do próprio governo: na cerimônia de lançamento do plano, figuras-chave como os ministros da Fazenda e do Planejamento estavam ausentes. A ausência dos responsáveis pelo cofre do país em um evento que anuncia um gasto colossal não é um detalhe trivial. É um recado claro de que nem mesmo dentro da máquina pública há consenso sobre a viabilidade e a responsabilidade dessa aventura. É a ala política atropelando a prudência técnica em nome de uma narrativa de curto prazo.
(Sugestão de pausa)
Em última análise, a Nova Indústria Brasil não é um plano econômico sério. É uma peça de teatro político. Seu objetivo real não é o desenvolvimento do país, mas a construção de uma imagem de um governo proativo, a distribuição de favores a setores e empresários aliados, e a consolidação de um modelo de poder centralizado. É a repetição de um ciclo vicioso que já conhecemos bem: o Estado escolhe vencedores, concentra recursos, gera ineficiência, abre as portas para a corrupção e, ao final, deixa a conta para o pagador de impostos.
A verdadeira modernização da indústria e o desenvolvimento econômico sustentável não virão de decretos nem de planos megalomaníacos e centralizados traçados em gabinetes. Eles florescem em um ambiente de liberdade econômica, segurança jurídica, impostos baixos, regulamentação inteligente e, acima de tudo, onde o Estado se limita às suas funções essenciais — permitindo que indivíduos e empresas sejam os protagonistas da criação de riqueza. Qualquer caminho diferente deste é apenas uma nova estrada para um velho e conhecido fracasso.
https://www.poder360.com.br/poder-economia/governo-e-jbs-firmam-acordo-para-oferta-de-emprego-a-inscritos-no-cadunico/
https://www.institutoliberal.org.br/blog/capitalismo-de-compadres/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Dela%C3%A7%C3%B5es_da_JBS_na_Opera%C3%A7%C3%A3o_Lava_Jato
https://pt.wikipedia.org/wiki/Opera%C3%A7%C3%A3o_Carne_Fraca
https://mds.gov.br/webarquivos/MDS/2_Acoes_e_Programas/Cadastro_Unico/Cartilha/Cartilha_Cadastro_Unico_Digital.pdf
https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/programas-de-transferencia-de-renda-tiram-2-milhoes-de-brasileiros-do-mercado-de-trabalho-segundo-estudo/
https://www.cnnbrasil.com.br/economia/negocios/bndes-ganha-r-27-bilhoes-com-jbs-apos-avanco-de-dupla-listagem-nos-eua/
https://blogdoibre.fgv.br/posts/expansao-do-bolsa-familia-desencoraja-participacao-no-mercado-de-trabalho-de-vulneraveis