Herdeira da Basf ou a Francisco D’Anconia dos nossos tempos?

Foi o dinheiro que corrompeu o herdeiro ou foi o herdeiro que corrompeu seu dinheiro?

Nos próximos dias, cerca de 10 mil austríacos receberão em suas caixas de correio um convite de uma inusitada herdeira, solicitando ajuda para gastar 25 milhões de euros da sua herança.

A herdeira Marlene Engelhorn, de 31 anos, cresceu em Viena, embora sua família tenha origem alemã. Atualmente bilionária e herdeira das empresas BASF, uma das maiores empresas químicas do mundo, Marlene ganha destaque na mídia por ser ativista e defensora das causas ambientais.

Quando questionada sobre o motivo de doar essa quantia, a herdeira afirmou que foi uma tentativa de desafiar um sistema que permitiu a sua família acumular durante anos milhões de euros.

Dos 10 mil austríacos que receberem convites somente 50 de fato terão acesso aos tais recursos financeiros, o principal objetivo dessa redução é que o grupo de 50 pessoas possa refletir a população do país com base em dados demográficos, ou seja, sexo, idade e rendimento.

O famigerado grupo, que será denominado "Guter Rat" (ou bom conselho, em português), vai se reunir na cidade de Salzburgo, na Áustria, durante seis fins de semana deste ano para discutir a melhor forma de gastar o dinheiro.

Os membros do Guter Rat receberão € 1,2 mil por cada fim de semana. Estarão cobertos custos de hotel, refeições e viagem, assim como as despesas para resolver problemas que possam impedir as pessoas de comparecer, como creches e intérpretes. Os membros serão anônimos, a menos que decidam falar publicamente.

Em comunicado feito ao site do projeto, Marlene diz: “Um bom plano precisa de muitas perspectivas. Não apenas de um indivíduo que herdou. Só porque desejo melhorar o estado da nossa sociedade não significa que eu tenha um bom plano.”

Antes do anúncio do projeto na terça-feira, a herdeira se comprometeu a doar pelo menos 90% da sua herança multimilionária. Ela faz parte de um pequeno movimento dos super-ricos que querem não só redistribuir o seu dinheiro, mas também desafiar as estruturas que lhes permitiram herdar as suas riquezas em primeiro lugar.

Mas, para analisarmos as intenções de tão boa alma, devemos primeiro saber de onde vem a herança. Será que, talvez, a nossa ativista de bom coração esteja vestindo uma pele de cordeiro?

A herança de Marlene teve origem com Friedrich Engelhorn, que fundou a BASF, em 1865.

BASF SE é uma empresa química alemã global, fundada no dia 6 de abril de 1865 em Mannheim pelo ourives e empresário Friedrich Engelhorn para produzir corantes sintéticos para tecidos.

BASF significava, em alemão, Fábrica de Anilina e Soda de Baden. Com um volume de vendas de 60 bilhões de euros em 2017, possui 113 mil colaboradores e mais de 390 unidades de produção em mais de 80 países.

Em 2022, a empresa ocupou a centésima-nona posição entre as 500 maiores empresas do mundo, ranking elaborado pela Revista Fortune.

A BASF, ao ser fundada, lançou seu primeiro produto, o corante de anilina. Em 1871, lançou o corante vermelho alizarina, derivado da raiz da garança, usado principalmente para tingir algodão.

Logo após a descoberta dos corantes expandiu suas operações internacionalmente, estabelecendo fábricas em Nova York, Butirki perto de Moscou e na França.

Por volta de 1880, Adolf von Baeyer, um empregado da BASF, sintetizou o índigo, corante azul utilizado em jeans, permitindo a produção em escala industrial em 1897, após significativos investimentos.

Em 1901, a BASF introduziu o corante Idantreno, conhecido como azul indantreno, com características como rápida secagem e aderência. No início do século XX, a empresa expandiu-se ainda mais com a invenção de um processo para a síntese de nitrogênio, destinado à produção de adubos.

Até então tudo certo com a empresa, desenvolvendo os mais diversos tipos de corantes para o tingimento de tecidos e crescendo exponencialmente.

No entanto, foi durante a Primeira Guerra Mundial que tudo mudou, a BASF produziu também explosivos, pólvora, e gases tóxicos para o exército alemão. No rescaldo da primeira guerra mundial, a BASF vê-se fundida com outras cinco empresas, incluindo a conhecida Bayer, dando origem a uma entidade de nome IG Farben (Associação de Interesses da Indústria de Tintas SA). Farben significa em alemão "tintas", "corantes" ou "cores" e inicialmente muitas destas empresas produziram tinturas, mas em breve começaram a dedicar-se a outros setores mais avançados da indústria química.

Com a contrapartida de apoio para sua expansão e o investimento em uma tecnologia estratégica para suas empresas, o cartel doou 400 mil marcos para a campanha que ajudou a nomear Adolf Hitler chanceler, além de desenvolver uma borracha sintética, combustíveis de alta performance (utilizados pelo exército alemão), óleo combustível e ainda o famigerado Ziklon-B (gás usado para matar milhões de pessoas nas câmaras de extermínio). Segundo a obra "IG Farben - From Anilin to Forced Labor", as fábricas da corporação utilizavam, assim como outras empresas na época, trabalhadores forçados como cobaias em seus experimentos com novos medicamentos e vacinas.

No ano de 1945, as tropas aliadas tomaram o icônico complexo de Ludwigshafen, o qual já tinha sido previamente bombardeado pela aviação. Os estoques de produtos químicos encontrados foram totalmente confiscados. Nesse mesmo ano a IG Farben foi dissolvida enquanto empresa. Sete anos depois, em 1952, onze empresas foram criadas a partir do legado em ruínas da IG Farben, das quais se destacam AGFA, a Bayer, a Hoechst AG, e a BASF.

No novo início, a BASF concentrou-se no negócio da produção de plásticos. Porém, as décadas seguintes viriam a ser marcadas pelo alargamento das áreas de atividades, acompanhada pela expansão da empresa até atingir o estatuto de empresa global. Desde 2000, as ações da BASF são cotadas também em Nova York e, desde 2001, a multinacional alemã se tornou o maior investidor estrangeiro do setor químico na China. Em 2002, a BASF reunia 114 empresas, com fábricas em 39 países, empregando quase 90 mil trabalhadores, aproximadamente 10% deles atuavam na área de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias.

Em 2014, ao completar 150 anos, a BASF adotou um novo posicionamento global amparado pelo slogan “We Create Chemistry” («Nós criamos a química»). Lançando o Creator Space, uma plataforma online para integrar sociedade, empresários e cientistas de todo o mundo em busca de soluções nas áreas de produção de alimentos, urbanização e energia.

Em relação à agricultura, o foco a partir de 2015 é melhorar a produção de alimentos para combater a fome no mundo e também otimizar o uso da água, problema que tem despertado preocupação em todos os continentes. Em seus laboratórios centralizados na Alemanha uma grande rede de cientistas em parcerias com universidades testam novas combinações de fungicidas, pesticidas e herbicidas para que as safras se desenvolvam bem em situações limites. Para isso, estudam os impactos ambientais em diversos níveis, tentando caminhar para uma tecnologia cada vez mais sustentável. Apesar da empresa estar engajada em causas sociais, Marlene nunca trabalhou na empresa fundada pela família.

Marlene Engelhorn é herdeira e neta de Traudl Engelhorn-Vechiatto, que faleceu em 2022 aos 95 anos.

Seu marido, Peter Engelhorn, era irmão de Curt Engelhorn, que administrou o negócio familiar Boehringer Mannheim até 1997, quando foi vendido para a Roche por cerca de US$ 11 bilhões.

Na época da venda, a avó de Marlene recebeu aproximadamente US$ 2,45 bilhões, uma verdadeira fortuna que cresceu para US$ 4,2 bilhões até a data de seu falecimento.

O projeto de Marlene foge dos métodos que alguns super-ricos têm usado para se desfazer de seu dinheiro, como por exemplo, a criação de fundações para causas que apoiam ou a doação a grupos existentes. Marlene disse que esses caminhos ainda davam aos ricos um poder que eles não haviam conquistado.

Na declaração de Marlene sobre o projeto, ela disse que doar dinheiro não “resolve o problema do fracasso político” e que isso “me dá um poder que eu não deveria ter”. “A redistribuição deve ser um processo que vai além de mim”, disse ela.

Depois que o Guter Rat for estabelecido, Marlene se retirará do projeto e renunciará a toda autoridade de tomada de decisão, segundo o site do projeto.

Agora, caro libertário é que o maravilhoso nessa história, é que ela pode ser confundida com a ficção.

No livro A Revolta de Atlas de Ayn Rand, o tão notório Francisco D’Anconia herdeiro das Minas de Cobre D’Anconia tem um comportamento muito similar.

Francisco é herdeiro e magnata da usina de cobre construída pelo seu ancestral que fugiu da Inquisição espanhola para a Argentina. Lá, cada geração dos d’Anconia fizeram com que o negócio crescesse e como o próprio personagem diz: “Não se nasce um d’Anconia, torna-se um.’

Francisco se torna um playboy, interessado em cantar mulheres e dar festas extravagantes. Não somente isso, ele usa seu monopólio sobre o cobre para a destruição da sua herança.

Durante grande parte do livro, o comportamento inapropriado do herdeiro é muito questionado. Em uma de suas frases no livro, ele comenta com a protagonista: “Contradições não existem. Sempre que você estiver diante de uma contradição, cheque suas premissas. Você verá que uma delas está errada”. Francisco d’Anconia questiona em seu célebre discurso sobre o dinheiro o resultado gerado pelo herdeiro: “foi o dinheiro que corrompeu o herdeiro ou foi o herdeiro que corrompeu seu dinheiro”? Ou seja, não se esforçar ao máximo e ainda esperar o melhor dos outros, é nesse instante que a integridade do dinheiro é comprometida.

Negar o dinheiro é negar a si mesmo, negar e privar-se do amor próprio, da felicidade, entregando sua vida ao acaso.

Marlene se tornou uma Engelhorn mas será que estará a altura do dinheiro?

Ssegundo Francisco D’Anconia: “Só o homem que não precisa da fortuna herdada merece herdá-la. Se um herdeiro está à altura de sua herança, ela o serve; caso contrário, ela o destrói.”

No entanto, se nada disso estiver relacionado com as verdadeiras intenções da caridosa Marlene, então o próprio D’Anconia tem a resposta para a empreitada dessa bilionária:

“Criar 50 parasitas em lugar de um só não reaviva a virtude morta que criou a fortuna. O dinheiro é um poder vivo que morre quando se afasta de sua origem. Ele não serve à mente que não está à sua altura. É por isso que o senhor(a) o considera mau? Mau porque ele não substitui seu amor-próprio? Mau porque ele não permite que o (a) senhor(a) aproveite e goze sua depravação? É esse o motivo de seu ódio ao dinheiro? Ele será sempre um efeito, e nada jamais o substituirá na posição de causa. O dinheiro é produto da virtude, mas não dá virtude nem redime vícios. Ele não lhe dá o que o(a) senhor(a) não merece, nem em termos materiais nem espirituais. É esse o motivo de seu ódio ao dinheiro?”

E por fim terminamos esse vídeo com um trecho final do famoso discurso, que vale a pena ser lido inúmeras vezes: “Enquanto pessoas como o senhor não descobrirem que o dinheiro é a origem de todo o bem, estarão caminhando para sua própria destruição. Quando o dinheiro deixa de ser o instrumento por meio do qual os homens lidam uns com os outros, então os homens se tornam os instrumentos dos homens. Sangue, açoites, armas – ou dólares. Façam sua escolha, o tempo está se esgotando.”

Referências:

https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/01/13/herdeira-da-basf-procura-50-austriacos-para-doar-us-27-milhoes-entenda-o-caso.ghtml
https://aterraeredonda.com.br/a-revolta-de-atlas/
https://www.cliccamaqua.com.br/noticias/mundo/marlene-engelhorn-herdeira-da-basf-rejeita-r-22-bilhoes/
https://vicentemanera.com/2023/06/26/a-revolta-de-atlas-francisco-danconia-e-o-dinheiro/
https://www.forbes.com/profile/traudl-engelhorn/
https://www.odditycentral.com/tag/marlene-engelhorn
https://www.forbes.com/profile/curt-engelhorn/
http://www.theengelhornfamily.com/familytree/desc10_Friedrich_g1-2.htm
https://en.ara.cat/business/true-story-basf-heiress-4-billion-euros-inheritance_1_4463188.html
https://www.basf.com/pt/pt/who-we-are/strategy.html