Enquanto o governo brasileiro tentava posar de exemplo ambiental diante do mundo, delegações estrangeiras observaram o caos e o despreparo de um estado que mal consegue garantir segurança e infraestrutura, mas insiste em comandar a “salvação do planeta”.
Neste mês de novembro, a cidade de Belém tornou‐se palco de uma das conferências mais simbólicas da agenda ambiental internacional: a COP30. O evento, reunindo delegações de quase 200 países, ativistas, organizações indígenas, ONGs e governos, tinha por objetivo — oficialmente — discutir e firmar compromissos para mitigar as mudanças climáticas, com especial ênfase na Amazônia. Contudo, o que supostamente deveria ser uma vitrine de cooperação global acabou sendo marcada por falhas logísticas, tensões políticas e simbólicas, protestos e até confrontos.
A COP30 já nasceu sob o peso da desconfiança. O governo Lula, que apostava no evento como vitrine internacional de sua gestão, esperava repetir o brilho das antigas conferências europeias — como a COP21 de Paris, em 2015, quando foi firmado o Acordo de Paris. Entretanto, à medida que a data se aproximava, tornou-se evidente que o entusiasmo internacional havia diminuído. Poucos chefes de estado confirmaram presença. A maioria dos países enviou apenas ministros, secretários ou embaixadores de nível médio. Nem o presidente dos Estados Unidos, nem o premiê britânico, tampouco o presidente francês compareceram. O que deveria ser uma cúpula de líderes transformou-se em um encontro de lacaios.
A cobertura internacional refletiu o desinteresse: grandes veículos de imprensa — como The Guardian, Le Monde, The New York Times e Der Spiegel — dedicaram à COP30 notas discretas, destacando mais os problemas logísticos do que as propostas discutidas. Fora disso, o evento foi ofuscado por crises internacionais mais urgentes, como os conflitos no Oriente Médio e o impasse econômico global.
A escolha de Belém para sediar a COP-30 foi carregada de simbolismo. Situada no coração da região amazônica brasileira, a cidade serviria como palco para debater o futuro climático dentro de uma das áreas mais sensíveis e ameaçadas do planeta. A expectativa era a de que esse local tornasse real o diálogo entre povos indígenas, governo, sociedade civil e o mundo globalizado — um gesto de destaque para o Brasil sob a liderança do governo de Luiz Inácio Lula da Silva no cenário ambiental. Seria, nas palavras do Itamaraty, “a conferência dos povos da floresta”.
Na prática, porém, o que tivemos foi uma sequência de fracassos e vergonhas. O evento foi cercado por barreiras, credenciamentos restritos e áreas exclusivas — especialmente a chamada Zona Azul, espaço reservado a diplomatas e delegações oficiais. Muitos representantes indígenas convidados reclamaram de exclusão, de burocracia e até de “tratamento colonial” por parte dos organizadores. O contraste era gritante: enquanto políticos discursavam sobre “inclusão”, a maior parte das comunidades indígenas e ribeirinhas permanecia do lado de fora, atrás das grades. O discurso oficial celebrava “a floresta viva”, mas o evento em si consumia toneladas de plástico, papel, energia e combustível.
O subsequente fiasco logístico reforçou o constrangimento. Belém, cidade com aproximadamente 1,5 milhão de habitantes e infraestrutura limitada, enfrentou uma súbita explosão de demanda. Hotéis lotados, preços de hospedagem multiplicados por dez, escassez de transporte, atrasos na rede elétrica e até colapso no sistema de saneamento em áreas próximas ao centro. Houve relatos de delegações hospedadas a mais de 50 quilômetros do local do evento e de voluntários dormindo em ginásios improvisados.
As promessas de “legado sustentável” também se revelaram duvidosas. Diversas obras anunciadas sob o selo da COP30 — como avenidas, passarelas, prédios públicos e requalificações urbanas — avançaram às pressas, com suspeitas de superfaturamento e impactos ambientais diretos. Em vez de representar uma virada ecológica, a conferência acabou reproduzindo o velho ciclo do estado brasileiro: obras faraônicas, gastos públicos bilionários, pouco resultado concreto e uma retórica de “transformação verde” para justificar o desperdício.
Foi nesse clima de frustração que, no segundo dia da conferência, ocorreu o episódio que se tornaria símbolo da COP30: a invasão da Zona Azul. Um grupo de dezenas de manifestantes, muitos ligados a movimentos sociais, sindicatos e partidos de esquerda — em especial o PSOL e a Rede — forçou a entrada na área restrita do evento.
Os manifestantes portavam cartazes com frases em inglês como “Nossa terra não está à venda” e “Nós não comemos dinheiro”, além de cocares, bandeiras, instrumentos e tambores. A marcha, inicialmente pacífica, terminou em confronto com as forças de segurança das Nações Unidas e da Polícia Federal. Houve empurrões, danos ao portão de acesso e ferimentos leves em alguns seguranças. O evento foi interrompido por algumas horas.
Entre os manifestantes, muitos se apresentavam como representantes indígenas. Um líder Tupinambá, identificado apenas como Nato, declarou: “Queremos nossas terras livres do agronegócio, do petróleo, dos madeireiros e dos mineradores”. A fala, reproduzida em várias agências internacionais, capturou o tom da revolta: a percepção de que a conferência se limitava a discursos e acordos diplomáticos, enquanto as comunidades amazônicas continuavam desassistidas.
Após o confronto, os protestos se expandiram para fora do centro de convenções. Uma flotilha com cerca de cem embarcações navegou pela baía de Guajará, liderada por representantes indígenas, em ato simbólico pela “soberania da floresta”. Embora o gesto tenha tido forte apelo visual, pouco alterou o curso das negociações oficiais, que seguiram em meio a discursos e promessas repetidas.
As sessões plenárias foram dominadas por discursos genéricos voltados à autopromoção dos governos. O Brasil apresentou metas de “emissões líquidas zero até 2050”, promessa repetida desde 2021, mas sem plano técnico realista. A União Europeia anunciou “investimentos verdes” sem detalhar contrapartidas. Grandes empresas petrolíferas patrocinaram painéis sobre “energia limpa”, e bancos multilaterais aproveitaram para anunciar linhas de crédito “verdes” — ironicamente, financiadas por dívida pública.
O ativismo ambiental aliado a este evento, por sua vez, merece uma crítica equilibrada: não porque se negue a legitimidade das preocupações com a Amazônia, povos indígenas e o meio ambiente — pelo contrário: esses temas são centrais para qualquer sociedade livre que se preocupe com as pessoas, a natureza e as futuras gerações. Mas sim porque o ativismo em questão é apenas um teatro pra encobrir interesses obscuros. Os manifestantes na COP-30 vestindo cocares, marchando com bandeiras, conduzindo uma flotilha de centenas de embarcações, sem dúvida chamam atenção — mas cabe também o questionamento: atenção para quê? Para quem? Qual é a pauta defendida? A resposta: mais intervenção governamental, justamente a responsável por muitos dos problemas que os manifestantes criticam.
O estado brasileiro é o maior proprietário de terras do país. É também o maior poluidor indireto, seja por meio de empresas estatais, seja por suas obras de infraestrutura sem responsabilidade ambiental. Nenhuma entidade privada jamais desmatou tanto quanto o próprio governo, seja pela expansão de rodovias, hidrelétricas, garimpos ilegais tolerados, ou políticas de colonização.
A Amazônia, em especial, é uma região onde impera o que os economistas chamam de “tragédia dos comuns”: vastos territórios sem dono definido, administrados burocraticamente pelo estado, abertos à exploração predatória e à corrupção. Sem propriedade clara, não há incentivos econômicos para conservar. O que existe é uma corrida por recursos — o que o governo e seus aliados não conseguem vigiar, é saqueado.
O libertarianismo oferece uma alternativa: em vez de uma “gestão estatal da floresta”, o território da Amazônia poderia ser privatizado, e pessoas interessadas em preservar poderiam comprar, coletivamente ou individualmente, porções de território. Se um indivíduo, comunidade ou empresa é dono legítimo de um pedaço da floresta, e pode lucrar com sua conservação — seja via turismo, pesquisa, manejo sustentável ou créditos privados — então ele tem incentivo direto para proteger o ecossistema. Já o estado, que administra aquilo que não lhe pertence, não se esforça na preservação.
Outra camada de preocupação refere-se à coerência do protesto e à desigualdade no tratamento das manifestações políticas.
A invasão da Zona Azul na COP-30 foi tratada pela imprensa como um “ato simbólico” e até “corajoso”. Testemunhamos manifestantes que invadiram um recinto, confrontaram e agrediram seguranças, penetraram em uma área restrita — todos elementos que conflitam com a ordem pública e com a segurança coletiva. Se tais atos fossem promovidos por grupos de direita — por exemplo, manifestantes que invadissem espaços oficiais ou criassem barricadas — é altamente provável que a mídia e o estado reagissem com rapidez, definindo-os como “terroristas domésticos” ou “ameaça à democracia”. Por muito menos, vendedores de sorvete que estavam na Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro foram condenados a mais de 10 anos de prisão. No caso presente, o rótulo mais frequente é o de “manifestantes legítimos” ou “voz dos oprimidos”. Essa assimetria no discurso e no tratamento mina o princípio da igualdade perante a lei.
Não se trata de relativizar o ato de uns e condenar o de outros — trata-se de exigir coerência. O princípio libertário é simples: não-agressão. Qualquer protesto é legítimo desde que não viole a propriedade alheia, não ameace a integridade física de outros, nem destrua o que não pertence ao manifestante. Se o mesmo estado que prende uns tolera outros, conforme o alinhamento ideológico, então não há estado de direito — há um aparato de poder seletivo, que persegue inimigos e protege aliados.
Outro elemento que a COP30 escancarou é o caráter quase religioso do ambientalismo contemporâneo. Termos como “salvar o planeta” e “defender a floresta” são repetidos com fervor, mas carecem de base científica ou econômica sólida. A ideia de que um grupo de burocratas reunidos em Belém pode “mudar o clima global” é, em si, uma fantasia tecnocrática. O clima é um sistema complexo, influenciado por fatores geológicos, solares e oceânicos em escalas que escapam ao controle humano. O que está realmente em jogo é poder político — o controle de recursos, subsídios e regulações sob o pretexto de “salvar o planeta”.
O libertarianismo não nega a importância da ecologia, mas a resgata de sua apropriação ideológica. Cuidar da natureza é virtude quando é voluntário, racional e responsável — não quando é imposto por decreto, financiado por impostos e instrumentalizado por elites políticas e empresariais.
Belém tornou-se um exemplo perfeito: uma cidade sem saneamento adequado, com graves problemas de segurança e desigualdade, recebeu bilhões em investimentos temporários para “mostrar ao mundo” um Brasil sustentável. No entanto, ao fim da conferência, o que ficará são dívidas, obras questionáveis e promessas esquecidas. A cidade, que deveria representar a Amazônia viva, tornou-se símbolo do estado inchado e ineficiente.
O verdadeiro legado da COP-30 não será um acordo ambiental nem um plano global de descarbonização, mas apenas uma sequência de vergonhas para o Brasil.
Os povos indígenas continuarão sofrendo com o abandono do governo; as cidades amazônicas seguirão sem saneamento; e o estado, após o espetáculo, voltará ao seu padrão habitual de indiferença e corrupção.
A lição libertária é clara: não há “gestão eficiente” da floresta sob o estado — há apenas ilusões de eficiência. A verdadeira preservação surge da propriedade privada bem definida, de contratos livres, de incentivos econômicos e morais alinhados à responsabilidade individual.
Concluindo, a COP30 não foi a “conferência dos povos da floresta”, mas a conferência da hipocrisia globalista. Enquanto a ONU, governos e ONGs discursavam sobre salvar o planeta, a realidade mostrava que o planeta — especialmente a Amazônia — precisa ser salvo deles.
https://www.reuters.com/sustainability/cop/protestors-force-their-way-into-cop30-venue-clash-with-security-2025-11-11/
https://www.politico.com/news/2025/11/11/indigenous-protesters-and-u-n-security-clash-at-climate-summit-in-brazil-00647273
https://en.wikipedia.org/wiki/2025_United_Nations_Climate_Change_Conference
https://www.lemonde.fr/planete/article/2025/09/01/cop30-les-prix-exorbitants-des-logements-a-belem-menacent-de-compromettre-la-conference-climat_6638035_3244.html
https://www.aljazeera.com/gallery/2025/11/12/our-land-is-not-for-sale-indigenous-people-protest-at-cop30-in-brazil
https://www.theguardian.com/environment/live/2025/nov/12/cop30-live-talks-us-protests-belem-brazil
facebook.com/reel/821887820745604/
https://www.lemonde.fr/en/environment/article/2025/11/09/at-cop30-the-rainbow-warrior-flies-its-colors-for-indigenous-peoples_6747275_114.html
https://nypost.com/2025/11/12/world-news/protesters-confront-security-at-main-venue-of-un-climate-talks/
https://sustainabilitymag.com/news/cop30-protests-why-indigenous-brazilians-are-so-frustrated