Depois de longos anos de loucura econômica, finalmente o Japão elevou as taxas básicas de juros do país. Mas será que isso vai trazer qualquer tipo de benefício para a economia japonesa?
Em meados do mês março, o Japão finalmente deixou de ser o último país do mundo a manter uma taxa básica de juros negativa. De fato, as terras nipônicas se configuram num celeiro das mais estranhas teorias econômicas já concebidas pela humanidade e, no caso da manipulação da taxa de juros, isso não poderia ser diferente. Agora, o Japão saiu de uma taxa básica de -0,1%, para uma taxa positiva de 0,1%, encerrando um ciclo que se arrastava desde 2016. Bem pelo menos o japonês já não perde dinheiro por deixá-lo na poupança.
Mas, afinal de contas, por qual motivo as taxas negativas foram adotadas pelo governo japonês? Bem, é fato que, desde o início dos anos 1990, a economia do Japão está praticamente estagnada - andando de lado, de lá para cá. Já há algum tempo, o governo do Japão buscava formas de incentivar a atividade econômica no país, mas sem muito sucesso. Por isso, foi colocada em prática, no citado ano de 2016, a teoria monetária mais heterodoxa de nossos tempos: a imposição estatal de uma taxa básica de juros negativa. Coisa que só os bancos centrais fazem por você!
Em resumo, a teoria econômica mais convencional afirma que a manipulação da taxa de juros é o instrumento mais importante a ser usado pelo banco central de um país, para controlar a inflação. Neste caso, entende-se inflação como aumento de preços, e não como aumento da base monetária - o que seria, sem dúvidas, o mais correto. Portanto, quando a inflação começa a subir, o banco central aumenta as taxas de juros, a fim de restringir o consumo e incentivar a poupança, por parte da população, reduzindo a quantidade de dinheiro em circulação na economia. A partir daí, os preços tendem a cair, resolvendo o problema da inflação - mas causando outros problemas acessórios, que acabam impactando bastante na economia. Em resumo, trata-se de um remédio estatal bastante amargo.
Agora, acredite ou não, os governos tipicamente consideram uma queda geral nos preços - chamada equivocadamente de “deflação” - como algo ruim. Pois é. O entendimento estatal é de que uma queda nos preços significa uma economia pouco aquecida. Por isso, nesse cenário atípico, as pessoas precisam ser incentivadas a gastar mais dinheiro. De fato, o Japão observou condições deflacionárias por cerca de 25 anos! Apenas em 2023, esse cenário finalmente foi revertido, com o país registrando sua primeira alta geral de preços.
Pois então, o que os políticos e burocratas japoneses decidiram fazer para resolver esse suposto problema deflacionário? Justamente fazer o movimento contrário àquele anteriormente descrito: abaixar as taxas básicas de juros. E como reduzi-las e até mesmo zerá-las não foi o suficiente, o governo japonês decidiu, então, torná-las negativas - algo que se configura, na prática, como uma punição para quem guarda dinheiro com o governo. Ou seja, o governo passou a desincentivar ainda mais a poupança.
Mas, afinal de contas, essa estratégia deu certo? É claro que não! Durante esse período de taxas negativas, o iene - a moeda japonesa - foi brutalmente desvalorizado. Ok, essa desvalorização geralmente é positiva para os exportadores, e também para a dívida estatal, cujo serviço fica mais barato; contudo, esse cenário foi um verdadeiro desastre para as famílias japonesas. Durante esse período, o poder aquisitivo dos japoneses caiu consideravelmente, em função da desvalorização de sua moeda.
A verdade, contudo, é que o caso japonês não é nenhuma exceção à regra. Diversos países, ao redor do globo, praticaram taxas de juros negativas nos últimos anos - especialmente na Europa. Esse fenômeno começou a ser adotado logo na sequência da crise de 2008, tendo se acentuado nos anos seguintes. Por volta de 2015, cerca de 30% de todos os títulos públicos da Zona do Euro - apenas para citar o exemplo mais gritante - eram negociados a juros inferiores a 0%.
A Suíça foi um dos precursores dessa estratégia, sendo seguida por inúmeros outros países. Juros estatais baixos significam, na prática, que as pessoas estão emprestando dinheiro para esses governos, e ainda perdendo dinheiro por conta disso - acredite ou não. O arranjo suíço de juros negativos durou quase tanto quanto o caso japonês - sendo mantido até 2022, quando finalmente as taxas básicas de juros foram elevadas para 0,5% ao ano. Esse foi, na verdade, o primeiro aumento dos juros estatais na Suíça em 15 anos.
É claro que, neste momento, fica a grande pergunta: que diabo de loucura é essa de emprestar dinheiro a juros negativos para o governo? Nessas circunstâncias, seria muito melhor deixar o dinheiro embaixo do colchão, não é mesmo? Pois bem, é aí que mora o problema - ou melhor, a grande arapuca estatal: quanto dinheiro você, nobre espectador, guarda de maneira física, como notas em sua carteira ou em um cofre em sua casa? Pois é: a maior parte do dinheiro que hoje circula pela economia é eletrônico - e isso em praticamente todo o mundo civilizado. Agora, pense que você é um gestor de um fundo com bilhões de dólares para investir. Onde é que você vai sacar essa grana toda, e - principalmente - onde é que você vai guardá-la? Não há alternativa viável.
Porém, ainda que alguém tentasse fazer isso, sacando bilhões de reais investidos para guardar essa grana fisicamente, provavelmente isso não seria permitido, por conta de algum empecilho burocrático estatal. Citando, novamente, o caso suíço: em 2015, no auge da loucura dos juros estatais negativos, fundos de pensão tentaram sacar grandes valores de bancos suíços, justamente para entesourar essa grana, sem sofrer com a depreciação estatal. Pois bem: acontece que os bancos não permitiram esse saque, naquela época, com base em alguma lei estatal estapafúrdia. Percebe como a coisa é muito mais complicada do que parece, num primeiro olhar?
Agora, acredite ou não, há ainda outro fator que a acaba contribuindo para o investimento em títulos públicos, ainda que com juros negativos: o próprio preço desses títulos no mercado secundário. Pense que, se houver uma expectativa de quedas ainda maiores nas taxas de juros, no futuro, então vale a pena comprar um título público hoje, ainda que com taxas negativas. Afinal de contas, os títulos a serem emitidos no futuro terão taxas ainda menores. Os seus títulos, agora, estarão valorizados frente ao mercado - ou seja, terão rendido sim alguma grana, fazendo com que esse seja um subterfúgio para fugir às loucuras econômicas estatais, ainda que às custas de outros investidores.
A verdade, contudo, é que taxas de juros negativas não são impossíveis, em uma sociedade livre. Pelo contrário, elas seriam até comuns. Hoje em dia, no modelo estatal, os bancos operam com reservas fracionárias - um sistema fraudulento, que permite a um banco emprestar muito mais dinheiro do que ele realmente possui em depósitos. Numa sociedade sem intervenção estatal, isso obviamente não existiria, por ser uma verdadeira fraude, sob todos os aspectos.
Portanto, os bancos precisariam ser remunerados, de alguma forma, pelo serviço oferecido - o de custodiar valores a serem depositados, como moeda, metais preciosos, ou qualquer coisa. Uma conta corrente teria um custo, que poderia ser determinado em um percentual do valor depositado - ou seja, isso seria, na prática, um sistema de juros negativos. Foi justamente o sistema bancário inaugurado pela Holanda no século 17 e que devido a sua solidez e segurança, fez enorme sucesso e alçou a Holanda a patamares de potência mundial.
Esse cenário também seria possível num sistema monetário cuja moeda se valorizasse ao longo do tempo. Sim, eu sei, isso parece bastante estranho - mas apenas pense no bitcoin. A oferta de bitcoins é limitada no tempo, e a expansão dessa base monetária vai cessar, em algum momento. Agora, se o aumento da base monetária do bitcoin foi menor do que o aumento da produtividade humana - que tem tudo para explodir, com o advento das inteligências artificiais, - então todos os preços em bitcoin tenderão a cair. Nesse cenário, não é impossível imaginar empréstimos feitos em bitcoin a uma taxa de juros negativa, se essa taxa for inferior à valorização do bitcoin no mesmo período.
Contudo, essas hipóteses pressupõem a ausência do estado - ainda que apenas na questão monetária. O caso japonês é, antes de tudo, um problema estatal. De qualquer forma, o cenário mundial que motivou as taxas de juros negativas já se reverteu. Conforme a inflação segue em disparada ao redor do globo, mais países abandonam as taxas de juros baixas, para evitar a resposta dos mercados ao aumento da base monetária. O Japão foi o último a seguir essa tendência, mas isso era inevitável. Ninguém conseguiria fugir dos efeitos da manipulação da taxa de juros para sempre.
Mas então, esse aumento na taxa básica, promovida pelo governo do Japão, vai resolver o problema econômico do país? Não, obviamente não vai; mas vai criar, isso sim, novos problemas. Pense que financiamentos e investimentos, que foram feitos com taxas de juros mais baixas, vão ser severamente afetados. A inadimplência tende a subir nos próximos meses, e negócios começarão a falir. Afinal de contas, isso sempre acontece nesse tipo de situação.
Não, a solução para o Japão não passa por mais intervenção estatal, porque a coisa toda começou a dar errado justamente porque o governo se intrometeu demais na economia. Sabe qual é o verdadeiro problema do Japão? Seu brutal endividamento público, que chega à inacreditável faixa dos 266% do PIB do país - o maior percentual do planeta. Essa dívida, obviamente, não é passível de ser paga. Então, essa conta vai ter que ser caloteada em algum momento, no futuro. E aí… bem, o dia do juízo final japonês vai finalmente chegar.
Mas você não precisa ficar ansioso: esse dia vai chegar pra todo mundo também. Sabe essa mistura de manipulação de taxa de juros, impressão desenfreada de dinheiro e endividamento constante? Meu amigo, não tem como isso ser viável no longo prazo. Viu como essa receita se aplica a praticamente todos os países, na atualidade - especialmente ao nosso Brasil varonil? Pois então, Japão, se cuide: o Brasil de Lula e Haddad também está caminhando, a passos largos, para a catástrofe econômica.
Para saber mais sobre a economia do Japão, veja agora o vídeo: "A economia do Japão" aqui do canal, o link segue na descrição.
A economia do Japão - Visão Libertária
https://www.youtube.com/watch?v=xSV7Q79GmuE
https://mises.org.br/article/2091/explicando-o-basico-sobre-as-taxas-de-juros-negativas-vigentes-na-europa
https://www.cnnbrasil.com.br/economia/suica-encerra-era-das-taxas-negativas-com-alta-de-075-ponto-em-juros/
https://www.forbes.com/sites/francescoppola/2015/04/25/the-swiss-have-eliminated-the-zero-lower-bound/?sh=781dd3613f92
https://www.poder360.com.br/internacional/japao-diz-viver-ponto-de-virada-em-batalha-contra-a-deflacao/
https://www.bbc.com/portuguese/66255891