Como diz o ditado, até um relógio parado acerta de vez em quando. E a esquerda nos obriga a dar razão pro Lula. Que fase!
Como até o Papa já sabe, o nosso prolixo presidente disse, no dia 09 de maio, em discurso sobre as perdas dos gaúchos com as enchentes, que para quem tem pouco toda perda é relevante. Com razão, afirmou que televisão e geladeira são patrimônios, mas gerou revolta entre os lacradores de plantão ao ressaltar que máquina de lavar é muito importante para as mulheres. Dito isso, choveram acusações de machismo. Que o presidente não sabe medir as palavras e já deixou escapar seu machismo inveterado não é novidade, ao menos para quem filtra o que ele fala. Em discurso em setembro de 2022 no Pará, o molusco já tinha dito que homens deveriam "ir para a cozinha ajudar no serviço da mulher". No mesmo ano, em agosto, no Vale do Anhangabaú, ele disse que homem de verdade não bate na mulher em casa, e se quisesse, deveria bater em mulher em outro lugar. Machismo estrutural que chama. Mas quando vem do painho, tudo é liberado, o famoso duplo padrão da esquerda.
Iremos discorrer aqui sobre essa relação entre mulheres e máquinas de lavar, ou melhor, entre mulheres e serviço doméstico. De fato, segundo o IBGE, existe uma assimetria no número de horas dedicadas ao serviço doméstico entre homens e mulheres (se é que dá para confiar no IBGE). Em média, mulheres dedicam 21,3 horas semanais a serviços domésticos, contra 11,7 dos homens. Os homens que menos se dedicam a ajudar em casa são do Nordeste, região dominada por governos do PT, por incrível que possa parecer. Cerca de 26,1% dos homens daquela região afirmaram não fazer nenhum serviço doméstico. Já mulheres que se declararam pretas tiveram maior taxa de realização de serviços domésticos: 92,7%. Aparentemente, uma maior instrução leva também a uma conscientização nesse sentido: 86,2% dos homens com curso superior afirmam fazer serviços domésticos, contra 74,4% de homens com ensino fundamental incompleto ou sem instrução. Ou talvez seja o fato de homens com curso superior exercerem funções com menor desgaste físico, dispondo de mais tempo e energia para os afazeres domésticos. O que também explicaria a discrepância das mulheres negras, pois, em geral, elas também são as mais pobres. Logo, é mais provável que seus maridos estejam engajados em um ou dois subempregos e não disponham de tempo e energia para auxiliá-las.
Considerando os dados, será que o desleixo dos homens em relação aos serviços domésticos é mera questão de ideologia? O que nos separa de uma sociedade sueca, na qual os homens ficam em casa cuidando dos filhos enquanto as mulheres saem sozinhas? Isso se deve àqueles homens terem tido maior exposição ao discurso feminista? Para se chegar a uma conclusão, precisamos falar sobre fatores que afetam o padrão de vida.
O economista de esquerda Ha-Joon Chang, em seu livro "23 Coisas Que Não Nos Contaram Sobre o Capitalismo", afirma que a máquina de lavar provocou um aumento de qualidade de vida da população em geral maior do que a internet. E não é difícil respaldar essa afirmação. O uso da internet para fins de trabalho exige uma certa qualificação, à qual uma boa parte dos pobres não têm acesso. Por outro lado, a máquina de lavar provocou uma diminuição significativa no número de horas dedicadas ao serviço doméstico, o que liberou as mulheres para exercer outras atividades, como estudar ou trabalhar por remuneração. Ha-Joon Chang ressalta que essa constatação é de vital importância para orientar políticas públicas, pois os governos podem estar perdendo de vista o que é mais urgente. No Brasil, enquanto os ianomâmis morrem de malária, tem índio ostentando em rede social com iPhone 15 e internet da Starlink. Claro que de um ponto de vista libertário o estado não tem que dar nem uma coisa, nem outra, e os índios estariam melhor sem SUS e sem FUNAI - desde que tivessem o direito de produzir em suas terras.
Ainda falando sobre melhorias práticas no padrão de vida, o economista da escola austríaca Peter Schiff, em resposta ao marxista Thomas Piketty, concorda que a diferença de poder de compra entre ricos e pobres nunca foi tão grande. Isso tem por base uma análise por um denominador comum (por exemplo, quantas jujubas se pode comprar com o patrimônio líquido). No entanto, a diferença de qualidade de vida nunca foi tão pequena. Um trabalhador de classe média dos Estados Unidos hoje tem carro, ar condicionado e torneira com água quente, os mesmos bens que Elon Musk tem acesso, talvez com uma diferença de qualidade. Muito se fala que um cidadão comum tem um padrão de vida melhor do que de um rei da Idade Média, mas nem é preciso voltar tanto no tempo. Há apenas 100 anos, em 1924, o filho do então presidente americano Calvin Coolidge morreu aos 16 anos por uma infecção no pé, adquirida ao pisar num prego numa partida de tênis, ferida que hoje seria facilmente tratável.
A economista Deirdre McCloskey também escreveu uma resposta a Piketty ressaltando a importância do padrão de vida. Seu primeiro argumento é que a riqueza não aumenta indefinidamente a qualidade de vida de uma pessoa, pois não se pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo, nem dispor de mais de 24 horas em um dia. Um bilionário pode ter várias mansões, mas só pode consumir uma por vez. Seu segundo argumento é que o aumento da riqueza geral aumentou o número de bens de usufruto coletivo, como estradas, praças e hospitais. David Rockefeller, herdeiro do então homem mais rico do mundo, dedicou a vida a destinar sua fortuna à filantropia. E o impacto dessa mudança na qualidade de vida individual é mais difícil de mensurar objetivamente.
Todos esses exemplos servem para demonstrar que, a despeito do que se defenda, o que realmente importa é melhorar a vida das pessoas. Desde que ninguém seja lesado no processo, é claro. Não estamos sendo utilitaristas aqui. Apegar-se a uma ideologia cegamente a fim de demonstrar virtude pode resultar em catástrofes - e exemplos disso não faltam. Podemos citar aqui o boicote do Greenpeace ao arroz dourado, uma variante geneticamente modificada rica em vitamina A. A intervenção dos ativistas causou um atraso na aprovação do cultivo em alguns países, o que pode ter resultado em inúmeras mortes por deficiência dessa vitamina.
Mas voltando à pergunta feita alguns parágrafos atrás: o que podemos fazer para diminuir a suposta opressão sofrida pelas mulheres em relação ao serviço doméstico? O que não resolve, certamente, é promover cizânia. O canal Experiência Flamino foi à Avenida Paulista perguntar quem tem a vida mais fácil, homens ou mulheres. O resultado foi óbvio: todos os homens disseram que são as mulheres e todas as mulheres disseram que são os homens. Mas essa discussão é inútil. Quase todo mundo tem uma vida difícil no Brasil, com exceção de uma seleta elite. O que nos separa de uma vida de classe média americana, onde todo mundo lava-louça na máquina e faxineira vai para o trabalho de carro SUV, é a liberdade econômica.
Uma vez que as pessoas não mais estejam sujeitas a subempregos e salários baixos, elas podem voluntariamente formar arranjos mais justos. O documentário Happy mostra a vida de famílias na Dinamarca que moram em uma espécie de comuna, um prédio com vários quartos. O serviço doméstico é igualmente dividido, e as crianças com 14 anos já recebem a atribuição de cozinhar para todos os moradores. Uma mãe em depoimento elogia esse arranjo, dizendo que na maioria dos dias pode chegar em casa e não se preocupar se há algo a ser feito, e pode ir simplesmente brincar com os filhos.
Toda essa história me lembra de uma tia minha que morou no Japão e ouviu a resposta de um japonês sobre as acusações do povo daquele país ser machista. Ele disse: "vocês falam que japonês é machista porque espera que a mulher o receba em casa com a janta pronta e a casa limpa. Mas o Japão foi o país que inventou robô para a mulher não fazer força no serviço doméstico, e comida semi preparada para ela não gastar tempo na cozinha. Machistas são os brasileiros, que trazem a mulher para o Japão para passar 12 horas de pé na fábrica junto com o marido. Beijinho e abracinho não melhoram a vida de ninguém, o importante é o que você faz de prático pela pessoa." Analogamente ao exemplo dado, o revólver fez mais pela defesa das mulheres que o feminismo; já o torno fez mais pelos operários do que o sindicalismo, e o pendrive fez mais pelo meio-ambiente do que o Greenpeace.
Agora se o tal japonês tem razão ou não, eu deixo para vocês discutirem nos comentários.
Outras falas machistas do Lula: https://oantagonista.com.br/brasil/em-discurso-no-para-lula-diz-que-trabalho-domestico-e-servico-de-mulher/
Dados do IBGE sobre serviço doméstico: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37621-em-2022-mulheres-dedicaram-9-6-horas-por-semana-a-mais-do-que-os-homens-aos-afazeres-domesticos-ou-ao-cuidado-de-pessoas
23 Coisas Que Não Nos Contaram Sobre o Capitalismo, livro completo: https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/wp-content/uploads/2016/04/23-coisas-que-nacc83o-nos-contaram-sobre-o-capitalismo-ha-joon-chang.pdf
O problema da inveja de Piketty (em inglês): https://www.mining.com/web/pikettys-envy-problem/
Padrão de vida de 100 anos atrás: https://mises.org.br/article/2672/seu-padrao-de-vida-hoje-e-muito-maior-do-que-o-de-um-magnata-americano-ha-100-anos
Resposta de Deirdre McCloskey a Piketty (em inglês): https://www.deirdremccloskey.org/docs/pdf/PikettyReviewEssay.pdf
Mortes causadas pelo boicote ao arroz dourado: https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/movimento-ambientalista
Trecho do documentário Happy, comunas na Dinamarca (em inglês): https://www.youtube.com/watch?v=_cleTzREJNs
Vídeo do Flamino perguntando quem tem vida mais fácil, homem ou mulher: https://www.youtube.com/watch?v=Dex9pzpQ2GI