Muitos querem ajudar. Alguns querem tirar proveito da situação. E o estado? Bem, ele só quer atrapalhar mesmo.
Em situações desesperadoras, é comum acontecer de vermos o melhor e o pior da humanidade aflorarem, se tornarem mais evidentes. Nos últimos dias, temos acompanhado esse fenômeno com mais clareza, no Rio Grande do Sul - estado que se tornou palco de uma das maiores tragédias humanitárias da história brasileira. Os números são assustadores: 85% dos municípios foram afetados pelas fortes chuvas. Até o momento, já foram contabilizados 116 mortos - mas esse número, infelizmente, vai aumentar. Há, pelo menos, 134 pessoas ainda desaparecidas. O número de desalojados ultrapassa os 300 mil. Ou seja: ainda há muito a ser feito por lá - trabalho para muitos anos, sem dúvidas.
Nesse cenário, ganha destaque o que há de melhor nas pessoas - e os exemplos se multiplicam. Vimos, por exemplo, o Neymar - nosso querido Adulto Ney, orgulho dos libertários, se é que você me entende - usando seu avião particular para transportar toneladas de doações para as vítimas das enchentes. Também acompanhamos as ações de Luciano Hang, que decidiu doar tudo o que sobrou da unidade da Havan afetada pelas enchentes, além de dedicar 2 aeronaves para os resgates. Por sinal, essas aeronaves já realizaram mais de 300 viagens! O Carrefour também fez sua parte, congelando todos os preços em seus supermercados gaúchos.
Porém, quem realmente faz a diferença são os incontáveis heróis anônimos - uma multidão de pessoas que dedicaram seu tempo, recursos, patrimônio e esforços, para salvar pessoas e bichos, e para trazer conforto às vítimas. Também os voluntários de todo o país têm se esforçado para juntar doações e transportá-las até as regiões afetadas. Esqueça aquele esquerdista babaca que falou que a Madonna uniu o país. Foi mesmo a tragédia no Rio Grande do Sul que nos tornou todos mais irmãos.
Porém, como é comum nesta vida, nem tudo são flores: momentos de calamidade e tensão social também despertam, ainda que numa menor escala, o que há de pior no ser humano. Neste caso, estamos falando daqueles que se aproveitam da vulnerabilidade alheia para agir de forma bárbara, criminosa e covarde. Conforme testemunhado inclusive por vídeos que circularam nas redes sociais, em várias localidades, no Rio Grande do Sul, ocorreram crimes grotescos, em meio à extensa maioria de boas ações.
O bairro de Mathias Velho, no município de Canoas, é um dos exemplos mais marcantes nesse sentido. O bairro tem sofrido bastante, como o restante da região: fortes enchentes, carência de recursos, energia elétrica cortada, e a lista prossegue. Atualmente, mais de 20 mil pessoas estão desabrigadas por lá - uma multidão desesperada que foi distribuída em 88 abrigos na cidade. Porém, os moradores já sofridos estão sendo castigados, também, por uma onda de assaltos.
A coisa tem acontecido de forma metódica. Criminosos fortemente armados fingem pedir ajuda aos voluntários, que se aproximam com seus barcos e motos aquáticas, apenas para serem assaltados e verem as doações serem saqueadas. Em alguns casos, o falso socorro é solicitado por telefone. Muitos voluntários, após serem ameaçados e roubados, foram ainda deixados ilhados, ou mesmo jogados na água pelos bandidos.
Esses criminosos se aproveitaram bastante dos momentos pós-resgate, principalmente nos dias 5 e 6 de maio - quando a maior parte dos ilhados foi resgatada. Geralmente, as vítimas socorridas traziam consigo alguns pertences - o pouco que conseguiram salvar, em meio à tragédia. Pois era justamente esse pouco que os criminosos buscavam - além das doações, é claro. A situação se tornou tão crítica, que pessoas ilhadas passaram a ter medo de ser resgatadas.
Até mesmo disparos de armas de fogo foram ouvidos na região, durante a noite da segunda-feira, dia 6. Por conta do risco, muitos voluntários deixaram de trabalhar no período noturno - pelo menos sem escolta. E, sim: já são conhecidos os relatos de grupos privados, que têm patrulhado a região, com armamento e veículos aquáticos próprios. Na verdade, estamos vendo o teórico serviço de policiamento privado sendo fornecido, na prática, pelos voluntários.
Além dos assaltos, também foram registrados saques a lojas - principalmente supermercados. É desnecessário dizer que isso também é um crime vil. Situações semelhantes também foram registradas na capital Porto Alegre, bem como nos municípios de São Leopoldo e Sapucaia do Sul. A Brigada Militar gaúcha informou a prisão de pelo menos 36 pessoas - 32 por tentativas de saques e roubos. Os outros 4 bandidos foram presos por suspeitas de violações sexuais realizadas em abrigos. Sim, até isso tem acontecido - o pior do ser humano, novamente, em evidência.
Acontece que inúmeros voluntários têm reclamado - com razão - da falta de assistência do poder público, no que se refere à segurança. Afinal de contas, estamos falando de pessoas que estão literalmente arriscando suas vidas e comprometendo seu patrimônio para salvar outras pessoas. O mínimo que se esperaria do estado, sem dúvidas, é que ele desse algum grau de suporte a esses heróis, não é mesmo? Pois bem: os testemunhos e as imagens que circulam nas redes sociais são bastante claros a esse respeito.
O estado tem protagonizado todo tipo de bizarrice nos últimos dias - e a comparação com o que a iniciativa privada tem feito deixa a coisa ainda mais escancarada. Por um lado, temos o Pedro Scooby publicando um vídeo que mostra o estrago que as águas da enchente fizeram em sua moto aquática, usada para resgates e auxílio aos necessitados. Por outro lado, vemos um vídeo de um chefe do corpo de bombeiros explicando que não iria usar suas motos aquáticas novinhas em folha, para não estragá-las.
Caminhões com doações foram multados por excesso de peso - enquanto que a maior preocupação do governo federal era calar os críticos de sua péssima atuação no Rio Grande do Sul. Já o exército - ah, o exército! - é um show à parte. Vídeos do exército atuando - ou melhor, não atuando - na tragédia já se tornaram folclóricos. Tudo isso deixa muito claro, para quem ainda não tinha entendido esse ponto, que o estado é simplesmente incapaz de prover aquilo que promete.
Afinal de contas, quando pensamos na função mais básica do estado, tendemos a imaginar que seja manter a coesão social e promover segurança pública, não é mesmo? Pois bem: o estado tem sido absurdamente omisso, nesse sentido, de forma que os voluntários precisam, agora, se preocupar em andar armados para garantir sua própria segurança. Será que nenhum político imaginou que, numa situação de tamanha calamidade, é óbvio que a sociedade precisaria de proteção extra? Provavelmente, os políticos nem se ligaram nisso; estavam apenas preocupados com as supostas fake news mesmo e em fingir que se importam com as vítimas. Mas o que atrai o interesse dos políticos são as próximas eleições. A prova disso é que a primeira coisa que o governador do estado sulista fez foi mudar sua foto no Instagram.
Mais uma vez, nessa catástrofe, a iniciativa privada deu um show. Enquanto a polícia falhou em proteger os voluntários, grupos privados, armados até os dentes, vieram em socorro dos que precisavam. Agora, o crime e a covardia são repelidos na base do pipoco - belo e eticamente válido, uma vez que ameaça e violação de propriedade são crimes reais, sob a ótica do libertarianismo. E, como sempre, o estado foi incapaz de prover essa proteção, no nível em que ela foi demandada. Desculpas foram dadas, é claro - essa é a especialidade do estado. Afinal de contas, como diz um conhecido adágio: “quem é muito bom em dar desculpas, não é bom em mais nada”.
O pior de tudo, porém, é ver o estado não apenas não ajudando - mas sim, atrapalhando bastante. Todo mundo tem acompanhado esses relatos - que passam pelas citadas multas aplicadas a caminhões com doações, e que chegam à burocratização das doações, porque os prefeitos são teimosos e querem centralizar tudo nas mãos do estado. Não é por acaso, inclusive, que os memes no estilo “estado, só queremos que você não nos atrapalhe” proliferaram pela internet.
Temos testemunhado uma verdadeira mudança de paradigma: trata-se do show da iniciativa privada. Os capitalistas malvadões, os armamentistas e os jogadores sonegadores se uniram em prol dos mais necessitados - enquanto muitos progressistas limpinhos esperaram o show da Madonna acabar, para tomar alguma iniciativa. De fato, é o macho “opressor” - como gosta de rotular a esquerda - que salva a sociedade em tempos de calamidade. Quando o senhor âncora do Jornal Nacional chegou no Rio Grande do Sul, a iniciativa descentralizada já tinha feito o grosso do trabalho. Quem não entender essa realidade agora, não vai entender nunca mais.
Infelizmente, a tragédia no Rio Grande Sul tem custado muito caro, em matéria de vidas e recursos. Contudo, pelo menos se pode dizer que, na maior parte dos casos, o que há de melhor no ser humano foi despertado: empatia, solidariedade, renúncia de si próprio por aqueles que mais precisam. Porém, também o pior do homem se tornou evidente, nesses dias de calamidade. Roubos, assaltos e violações são crimes bárbaros - que se tornam ainda mais graves, dadas as circunstâncias. Independente disso, porém, o pior continua sendo, como sempre, o próprio estado, mostrando, mais uma vez, sua ineficácia e falta de interesse em ajudar as pessoas.
https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2024/05/resgates-no-bairro-mathias-velho-em-canoas-sao-marcados-por-tensao-e-assaltos-clvwjf1l9003t0152syr6fkgy.html
https://www.terra.com.br/noticias/video-assaltos-e-linchamentos-atrapalham-resgates-no-rs,19a303807e6ff085c72858242aef645abhx2kbcu.html
https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/saques-roubos-e-abuso-o-lado-b-da-tragedia-no-rs-que-vai-alem-do-preju-financeiro/
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-05/defesa-civil-divulga-nomes-de-mortos-e-desaparecidos-no-rs-veja-lista