Na época da colonização das Américas, muitas potências tentaram formar suas próprias colônias e, obviamente, a França não ficou de fora desse esforço. Os franceses formaram suas colônias na Louisiana, na Guiana Francesa e no Quebec, o qual mais tarde foi perdido para o Reino Unido e integrado ao Domínio do Canadá.

Mas houve mais tentativas da França em colonizar áreas do continente americano. Embora a mais conhecida seja a da França Antártica, na região sudeste do atual Brasil, existe uma região da América do Norte que foi controlada durante um tempo pelos franceses. Essa região pode ser considerada, hoje, um bom exemplo de região mais livre de controle governamental mesmo na época colonial!

Estamos falando de Acadia, que foi um dos primeiros assentamentos franceses na América do Norte, fundado nas regiões que hoje correspondem à Nova Escócia, Nova Brunswick, Maine e outras ilhas ao redor, no início do século XVII.

Com uma pequena cidade portuária, foi fundada antes mesmo da primeira cidade no território do Quebec e a população fundadora teve muitas dificuldades nos primeiros anos. Ela acabou formando boas relações com tribos locais junto de padres que os converteram ao cristianismo.

Uma boa parte dos primeiros colonizadores voltou ao continente em busca de suporte financeiro, mas os povos locais ajudaram a preservar os assentamentos que foram construídos até o retorno dos colonizadores.

Isso tudo fez com que o povo de lá prosperasse e conseguisse se desenvolver, sendo até impressionante o quanto eles evoluíram relativamente bem para um assentamento francês do outro lado do atlântico. Tiveram algum sucesso em manter boas relações e comércio com os povos locais, mostrando mais uma vez, para nós, a importância do livre comércio e das livres associações para sustentar a sociedade. A presença dos franceses na Acadia foi marcada pela agricultura, pesca e comércio de peles.

O governo francês não se importava tanto com o local e deu uma grande autonomia para a colônia. E incrivelmente, a própria população da colônia não confiava nas autoridades francesas do continente europeu, por perceberem que eles já não contribuíam em nada para o desenvolvimento da colônia. É o que sempre falamos aqui no canal, quanto menos o governo atrapalhar, menos tributar, governar e intervir, mais fácil é de uma sociedade se desenvolver.

Mas eles não chegaram a desenvolver algum desejo de independência, pois tinham que lidar com ataques das forças coloniais inglesas na Nova Inglaterra e das forças coloniais holandesas em Nova York.

Os colonos de Acadia não tinham muito o que fazer contra grandes impérios coloniais enquanto eles próprios estavam começando sua fundação, então necessitavam do pouco de assistência militar que a França fornecia.

O estado é legitimado pela sua suposta necessidade de defender a sociedade de outros estados e grupos invasores. É como justificar a existência de uma gangue criminosa que controla uma favela, dizendo que, se eles não existissem, outra gangue surgiria e dominaria aquela favela. Vai entender o que se passa na cabeça dessa gente, achando que, para acabar com a violência de um estado, é preciso mais estado! Como se as pessoas não tivessem capacidade de se organizar e se armar para proteger a si mesmas.

Mas embora isso, Acadia era uma colônia só em nome, pois tinha uma grande autonomia e não pagava grandes quantias de impostos com frequência. Essa "independência" não se deu à resistência do povo local, mas simplesmente pela logística e o quão difícil era controlar uma população tão distante.

Acadia também não era uma completa anarquia - num sentido de caos e desordem - como algum apologista do intervencionismo estatal imaginaria. Sua sociedade era composta por uma hierarquia social, sem propriedades coletivas e com uma distribuição natural de terras que não levou a nenhum grande conflito ou crise.

E para a felicidade dos libertários mais devotos a Deus, a Igreja também teve um papel fundamental na organização social dessa colônia. Ela não exercia poder direto ou controlador sobre o povo, mas apenas os orientava a seguir suas vidas pacificamente e a manter boas relações uns com os outros, sem recorrer à agressão, mediando os conflitos quando estes aconteciam.

Principalmente no início da sociedade, a igreja e a religião tiveram um papel fundamental para consolidar o nosso modelo atual de sociedade e buscar a paz duradoura. Não foi à toa que os primeiros estados buscavam legitimidade da igreja para governar. Porém, não necessariamente esse papel unificador poderia somente ser atribuído à igreja, pois a própria China se fundamentou como sociedade com base muito mais na filosofia do que na religião.

Uma sociedade libertária não necessita obrigatoriamente da religião, mas de valores e uma ética forte nas pessoas, focada em resolver conflitos pelo diálogo e comércio - não quer dizer que as religiões não sejam bem-vindas. Libertários acreditam nos direitos naturais, ou seja: todo ser humano nasce sendo detentor de direito à vida e à propriedade de seu corpo e de seus bens legitimamente adquiridos. Se não houver uma tirania governamental e as pessoas tiverem a liberdade de fazer acordos, contratos, normas e leis entre si, haverá os melhores incentivos para a cooperação, já que a troca no mercado beneficia todas as partes envolvidas.

Mas voltando à Acadia... As disputas e conflitos também eram raros de acontecer, e nas poucas votações que a igreja realizava, o resultado era sempre unânime, devido à harmonia que o local proporcionava, onde todos desejavam comércio e liberdade para viver.

Contudo, devido às guerras posteriores com a França, a Acadia passou para o controle britânico. Mesmo assim, os acadianos conseguiram negociar algumas liberdades, como a isenção de alguns impostos e o direito ao porte livre de armas, os quais os britânicos consentiram.

No entanto, os Acadianos nunca aceitaram completamente o controle britânico. Devido ao seu histórico positivo de relações com as tribos nativas da América do Norte, começaram a apoiar confederações de tribos que lutavam contra outras colônias britânicas. Isso enfureceu os colonizadores, levando a uma intervenção na Acadia, que encontrou resistência por parte do povo local.

Por volta de 1700, os britânicos assumiram o controle da capital e decidiram deportar o povo local para outras áreas ao longo da costa dos Estados Unidos e outras colônias americanas. Esse processo se estendeu até 1763 e resultou em uma transformação significativa na região, moldando o que hoje é conhecido como a Nova Escócia.

Hoje ainda é lembrada como uma parte da história colonial do Canadá e existem pequenas comunidades que cultivaram essa "identidade" acadiana. Existe até um feriado nacional por lá e fazendo parte dos povos descendentes de franceses no Canadá, tal como o Quebec.

Muitos deportados, inclusive, voltaram ao local original depois de algumas décadas, mas nunca reconstruíram Acadia da mesma maneira.

Essa pequena experiência colonial mostra como uma pequena comunidade pode se desenvolver sem um pesado aparelho estatal cobrando impostos e ditando como as pessoas devem viver.

Muitos podem falar que isso só deu certo por ser uma pequena comunidade que, de fato, não necessitava de um estado para se organizar. Enquanto sociedades mais populosas necessitariam de um poderoso governo central pelo seu grau de complexidade.

Mas é aí que entra a ordem espontânea explicada pelo economista austríaco, Friedrich von Hayek. Ele desenvolveu a teoria da ordem espontânea em seu trabalho seminal "O Caminho da Servidão" e em outros escritos. Essa teoria é central em sua abordagem da economia e da sociedade.
A ordem espontânea refere-se à ideia de que, em um sistema social complexo, a ordem e a coordenação podem surgir sem que haja um planejamento centralizado ou uma autoridade dirigente. Em vez disso, a ordem emerge de maneira descentralizada a partir das interações individuais e das instituições que surgem organicamente ao longo do tempo.


Hayek explica que o conhecimento disperso e fragmentado presente na sociedade é muito vasto e variado para ser capturado ou compreendido por qualquer autoridade central. Daí surge a arrogância fatal dos ditadores socialistas que acreditam que podem deter esse vasto conhecimento. Isso explica perfeitamente porque as economias socialistas de planejamento central sempre levam ao fracasso e à completa ineficiência na alocação de recursos, gerando filas e escassez geral. O economista austríaco enfatiza que cada indivíduo possui um conjunto único de informações, habilidades e circunstâncias cruciais para suas decisões e ações.


Dentro desse contexto, a ordem espontânea surge quando as pessoas interagem livremente em um ambiente de regras e instituições estáveis, como propriedade privada, direitos contratuais e um sistema legal previsível. Por meio dessas interações voluntárias, as pessoas buscam seus próprios interesses, mas acabam contribuindo para o bem-estar da sociedade como um todo. E é por isso que regiões antes pobres, inabitadas e sem recursos naturais como a ilha de Hong Kong se tornaram prósperas. Porque seus governos implementaram um regime político-jurídico no qual o direito de propriedade e os contratos são garantidos e protegidos pelo sistema legal vigente.

Nós, então, podemos comparar Acadia com um grande país da região que também foi fundado quase sob princípios libertários, sociais e econômicos. Claro, estamos falando dos Estados Unidos, que tiveram um desenvolvimento tão significativo que, em menos de 300 anos, conseguiram superar seu próprio colonizador e se tornar uma referência para o mundo inteiro.

Não é à toa que nós vemos tantos estatistas supostamente "nacionalistas" e ditadores de republiquetas querendo criticar a tal liberdade americana. Pois qualquer um consegue ver que a liberdade traz resultados e isso faz o povo querer reconquistar sua própria autonomia tirando o poder de seus governantes.

Eles podem espernear, fazer propaganda ou o malabarismo mental que for, a liberdade continuará dando bons resultados mesmo quando experiências pequenas como essa acabam. O futuro é inevitável, pois o atual desenvolvimento tecnológico está trazendo de fato a descentralização cada vez mais em nossa vida. Estamos, aos poucos, indo rumo ao Ancapistão...

Referências:

https://www.youtube.com/watch?v=2fuzqgb4-5k&list=WL&index=30&t=24s
https://pt.wikipedia.org/wiki/Acádia_(América)