O alto custo do conluio: como o caso Banco Master expõe as entranhas do capitalismo de compadrio brasileiro, onde relações políticas valem mais que análises técnicas e o contribuinte sempre paga a conta dos banqueiros bem apadrinhados.
E lá vamos nós de novo, testemunhando mais um espetáculo grotesco de socialização das perdas e privatização dos lucros à brasileira. Desta vez, o palco é o mercado financeiro, com um elenco estrelado por banqueiros bem-relacionados, políticos de todas as colorações ideológicas e, como sempre, o contribuinte brasileiro no papel do otário que paga a conta. Um clássico tão previsível quanto revoltante da nossa república das bananas financeiras.
A história é digna de uma opereta tragicômica: o Banco Master, essa instituição "exemplar" que emitiu CDBs como quem imprime panfletos de supermercado, foi convocado pelo Banco Central para uma daquelas conversas que ninguém quer ter. O ultimato era claro e direto: parem com a farra financeira, injetem mais 2 bilhões no capital e arrumem a casa – ou enfrentem a liquidação. Era março ou morte.
Para quem não está familiarizado com a linguagem cifrada do universo financeiro, o que o BC estava dizendo, em português claro, era: "Vocês estão operando uma bomba-relógio de 50 bilhões de reais, repleta de CDBs que não têm como pagar, lastreados em empresas falidas e precatórios que são como bilhetes de loteria judicial." Uma situação tão grave que ameaçava consumir metade do Fundo Garantidor de Créditos. Isso mesmo, metade dos 132 bilhões de reais que servem como garantia a todos os depositantes do sistema bancário brasileiro, poderia ir por água abaixo por causa de um único banquinho que decidiu brincar de cassino financeiro com o dinheiro alheio.
O que faz uma instituição financeira responsável quando recebe tal aviso? Capitaliza-se, limpa o balanço, vende ativos, busca novos investidores. O que fez o presidente do Master, Daniel Vorcaro, junto com seus sócios Augusto Lima e Maurício Quadrado? Correram para o balcão de favores políticos, aquele mesmo onde se resolve tudo nesta república de compadres. E, dizem as más línguas, não sem a ajuda do seu "parceiro de negócios" Nelson Tanure, aquele mesmo empresário que o mercado suspeita ser sócio oculto do Master, embora seu nome não apareça nos papéis oficiais. Essa é uma coincidência que só acontece no Brasil, onde as estruturas societárias são tão transparentes quanto o lodo do fundo do lago Paranoá.
E como num passe de mágica – ou melhor, num telefonema entre palácios – surge a "solução": o Banco de Brasília, aquela potência financeira controlada pelo governo do Distrito Federal, com meros 3,7 bilhões de patrimônio líquido, resolve comprar por 2 bilhões de reais um banco que, sem essa injeção, seria liquidado no dia seguinte. Que negócio espetacular! Que visão de futuro! Que coincidência maravilhosa! Um banco estatal de médio porte decide, na maior espontaneidade que o capitalismo já viu, adquirir uma instituição à beira da falência por um valor que equivale a mais da metade do seu próprio patrimônio. Se isso não é amor ao risco, o que seria?
E para abençoar essa união inusitada, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, ganhou um presente de leitura: 2,6 mil páginas de análise técnica sobre a operação. Agora tem 360 dias – um ano inteiro! – para avaliar se essa aberração financeira faz algum sentido. Enquanto isso, o problema fica congelado na geladeira burocrática, os CDBs continuam circulando, os investidores seguem acreditando nas promessas, e os políticos podem dedicar-se a seus afazeres eleitorais. Um ano de sobrevida para uma bomba-relógio é mais do que suficiente para que os poucos espertos de sempre saiam pela porta dos fundos carregando o que resta de valor.
Enquanto isso, Ricardo Cappelli, jornalista e pré-candidato ao governo do Distrito Federal, não hesitou em chamar a coisa pelo nome: "Não foi uma operação econômica. Foi uma operação política. Eles jogaram uma crise privada para o Banco de Brasília pagar. Querem empurrar o problema para o povo de Brasília." Quem diria que um político teria a coragem de dizer o óbvio que os "especialistas" fingem não ver? No Brasil, até a crítica ao sistema depende de quem está no poder ou na oposição. Cappelli, do partido PSB, obviamente critica o governador Ibaneis, do MDB. Amanhã, quem sabe, se estiver no poder, possivelmente sancionaria algo semelhante em nome da "estabilidade do sistema financeiro" ou qualquer outro jargão técnico que serve de cortina de fumaça para as negociatas de bastidores.
A pergunta que não quer calar é óbvia: por que diabos o Banco de Brasília compraria essa encrenca? Por que assumir o risco de um banco que carrega uma carteira de ativos podres e precisa de uma injeção bilionária imediata? A resposta, como sempre no Brasil, não está nos manuais de economia ou nas análises de risco, mas nos endereços residenciais da elite política brasiliense.
"Vai ver que é porque a QL 15 é muito próxima da QL 5", disse um ex-governador com a sinceridade que só os bastidores permitem. Traduzindo para quem não conhece a geografia do poder na capital federal: o governador Ibaneis Rocha (MDB) mora pertinho do senador Ciro Nogueira (PP), ex-ministro de Bolsonaro e amigo pessoal de Vorcaro. Uma vizinhança que vale bilhões, literalmente. A democracia brasileira é tão avançada que até as decisões financeiras são tomadas em churrascos de fim de semana, entre uma caipirinha e outra, nas mansões à beira do lago.
Mas não pense que o Master só cultiva amizades na direita. A geografia política do banco é ampla e generosa como o próprio sistema financeiro. No Comitê Consultivo da instituição, com salários na faixa de 100 mil reais mensais, figuram nomes como Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda de Lula e Dilma, e Henrique Meirelles, comandante da economia na era Temer. Uma verdadeira coalizão suprapartidária em defesa do... bem comum? Não, em defesa do próprio umbigo. Porque no Brasil, quando se trata de salvar bancos e banqueiros, direita e esquerda se unem numa solidariedade comovente que, infelizmente, nunca vemos quando o assunto é diminuir a inflação, reduzir impostos e acabar com a criminalidade.
E quando a casa começa a pegar fogo, adivinha quem Mantega procurou? O presidente Lula, claro. Porque nada como um cafezinho no Planalto para resolver problemas financeiros que o mercado, esse ente malvado e insensível, insiste em apontar. É o clássico modus operandi da nossa aristocracia financeira: privatiza-se o lucro enquanto as vacas estão gordas e, na hora do prejuízo, corre-se para o colo acolhedor do Estado. Lula, sempre sensível às necessidades do "povo", certamente deu aquela atenção especial ao seu amigo pessoal. Afinal, o que são alguns bilhões de risco para o contribuinte quando está em jogo a saúde financeira dos amigos?
O escândalo do Master é o retrato fiel de como funciona o capitalismo de compadrio à brasileira. Um banqueiro bem relacionado emite CDBs sem lastro, aposta em negócios arriscados, enche os bolsos enquanto pode e, na hora do aperto, mobiliza sua rede de contatos políticos para socializar o prejuízo. O Banco de Brasília, que deveria servir aos interesses do povo do Distrito Federal, vira instrumento de salvamento de uma operação financeira privada que, se fosse honestamente avaliada, valeria no máximo o preço do papel em que seus balanços foram impressos.
E não nos enganemos: o desfecho dessa novela já está escrito. Daqui a alguns anos, quando o rombo no Banco de Brasília se tornar insustentável, o governo do Distrito Federal terá que fazer um aporte bilionário no banco para evitar sua falência. Virão os discursos sobre "responsabilidade fiscal", "sacrifícios necessários", e talvez até um aumento de impostos para "equilibrar as contas públicas". Enquanto isso, os verdadeiros responsáveis pelo rombo estarão curtindo o sol em alguma praia paradisíaca, protegidos por suas fortunas offshore e por leis que, convenientemente, não os responsabilizam pessoalmente pelas decisões tomadas à frente do banco.
Vamos dar um nome a isso: é o corporativismo estatal sem risco para os ricos e poderosos. É o sistema onde os lucros são privados e os prejuízos são públicos. É a perversão completa da lógica de mercado, transformada em mecanismo de transferência de renda do contribuinte para uma elite financeira que não produz nada além de papéis e promessas. Por isso, podemos dizer sem qualquer dúvida: o Brasil não é e nunca foi um país capitalista! É uma farra para parasitas e aproveitadores.
E nós, cidadãos e contribuintes, seguimos assistindo atônitos a esse teatro do absurdo, onde a regulação financeira se curva aos interesses dos poderosos, onde o dinheiro público é tratado como reserva particular para salvar amigos em apuros, onde a geografia das relações pessoais vale mais que qualquer análise técnica. Enquanto isso, o trabalhador comum que atrasa o pagamento de um cartão de crédito é massacrado por juros estratosféricos, tem seu nome sujo e é tratado como criminoso pelo mesmo sistema que acolhe bem os fraudadores de colarinho branco.
E a cereja do bolo nessa relação incestuosa entre poder público e privado é que os mesmos reguladores que deveriam proteger o sistema se tornam cúmplices silenciosos, quando não ativos participantes do esquema. O Banco Central, essa instituição supostamente técnica e independente - mas muito bem aparelhada -, dá um prazo confortável de 360 dias para avaliar uma operação que cheira a estufa de defunto desde o primeiro dia. Tempo mais que suficiente para que os responsáveis pela quebradeira organizem sua retirada estratégica, transferindo o que sobrou de valor para outras estruturas, enquanto o contribuinte fica com o esqueleto descarnado.
E, para finalizar com uma pergunta que não quer calar: se o Master não tivesse essa rede de proteção política, se fosse apenas mais um banco de varejo atendendo a população comum, teria recebido esse tratamento VIP do sistema? Ou teria simplesmente quebrado, como manda o manual do capitalismo para os desprotegidos? A resposta, meu caro leitor, você já conhece de cor. No Brasil de sempre, alguns são mais iguais que outros, especialmente quando moram nas quadras certas à beira do lago.
Vale lembrar que esse não é um caso isolado. É apenas o capítulo mais recente da saga interminável do capitalismo de compadrio brasileiro, onde a mão invisível do mercado sempre encontra um jeito de enfiar-se no bolso do contribuinte. Lembram-se do Proer, aquele programa que usou bilhões dos cofres públicos para salvar bancos no governo FHC? Ou do "socorro" ao Banco Pan-Americano durante o governo Dilma, operação que envolveu a Caixa Econômica Federal e o Fundo Garantidor de Créditos? O script é sempre o mesmo: banqueiros fazem apostas temerárias, embolsam fortunas em bônus e, quando o castelo de cartas desmorona, o Estado entra com a rede de segurança financiada por todos nós.
O pior é que essas operações de resgate são sempre vendidas como "necessárias para a saúde do sistema financeiro". É a velha chantagem: ou salvamos os banqueiros, ou o sistema colapsa. Mas nunca se questiona por que esses mesmos banqueiros têm a liberdade de operar na corda bamba, sem que a regulação os impeça antes que seja tarde demais. A resposta é simples: porque a regulação é usada sob medida para proteger o sistema, não para discipliná-lo.
Enquanto isso, o brasileiro comum que precisa de um empréstimo para pagar uma cirurgia de emergência enfrenta taxas de juros absurdas, burocracia kafkiana e a constante ameaça de ter seu nome jogado nos cadastros de inadimplentes caso atrase um pagamento. A lei é dura, mas só para quem não tem padrinhos em Brasília ou amigos nas mansões do lago.
No fim das contas, o que mais revolta não é apenas a injustiça do sistema, mas a passividade coletiva do povo diante dele. Aceitamos como natural que alguns sejam grandes demais para quebrar, enquanto outros são pequenos demais para sobreviver. Aceitamos a farsa da falsa "economia de mercado" que, na prática, socializa os riscos e privatiza os ganhos. Aceitamos ser os eternos pagadores da festa à qual nunca fomos convidados.
E assim seguimos, uma nação de otários, financiando a próxima rodada de champanhe nas mansões dos poderosos de Brasília, enquanto nos contentamos com as migalhas de um sistema feito por eles e para eles. O Master pode até quebrar um dia, mas o sistema que o criou e o salvou continua firme e forte, pronto para gestar o próximo escândalo financeiro que, inevitavelmente, cairá no colo do contribuinte.
https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2025/04/29/compra-do-banco-master-pelo-brb-deputados-do-df-se-reunem-com-presidente-do-banco-central-para-discutir-aquisicao.ghtml