New Harmony prometia o paraíso socialista na América do século 19. Dois anos depois, era só dívida, batatas apodrecidas e gente brigando em comitês intermináveis.
Imagine investir sua fortuna inteira numa utopia. Agora imagine ver tudo ruir em menos de dois anos, levando junto não apenas o dinheiro, mas também a esperança de milhares de pessoas que acreditaram no sonho de uma sociedade perfeita. Essa foi a história de Robert Owen e New Harmony — o mais ambicioso experimento socialista da América do século 19.
O ano era 1825. O industrial britânico Robert Owen comprou New Harmony de uma comunidade religiosa com grandes planos de transformá-la no que ele chamava de "um novo mundo moral". Owen não era um teórico de gabinete — era um empresário de sucesso que havia transformado sua fábrica na Escócia num modelo de bem-estar social. Mas havia uma diferença crucial entre administrar uma empresa lucrativa e criar uma sociedade inteira do zero.
Robert Owen era aquele tipo de pessoa que os socialistas modernos adorariam ter como poster boy. Começou como operário e nunca esqueceu suas origens humildes. Na Escócia, construiu um império industrial baseado em princípios aparentemente humanitários: jornada de trabalho reduzida, educação para as crianças e casas decentes para os funcionários.
O problema é que Owen confundiu sucesso empresarial com viabilidade de engenharia social. Ele acreditava genuinamente que o ambiente moldava completamente o caráter humano — uma teoria que soa familiar para quem conhece as bases ideológicas de qualquer regime totalitário. Owen acreditava que o caráter de uma pessoa é formado pelo ambiente em que ela vive.
Com essa convicção inabalável, comprou 30.000 acres de terra em Indiana e se preparou para demonstrar ao mundo que uma sociedade socialista não só era possível, como era superior ao capitalismo "selvagem" americano.
Owen começou a experimentar a vida comunitária nos Estados Unidos em 1825, sendo New Harmony o mais famoso dos 130 experimentos comunitários identificáveis no país. Owen comprou uma cidade já existente com 180 prédios e milhares de acres de terra às margens do rio Wabash — uma infraestrutura pronta que parecia tornar o sonho mais factível.
A proposta era sedutora: propriedade coletiva, trabalho compartilhado, educação gratuita para todos e decisões tomadas democraticamente. Owen herdou dos Harmonistas alemães uma cidade funcional com casas, oficinas, fábricas, escolas e até uma ópera. Era como ganhar um kit completo para construir uma utopia.
Mas aqui começaram os problemas estruturais que iriam definir o fracasso do projeto. Em 1825, a comunidade tinha 812 residentes, dos quais apenas 137 estavam empregados nas "profissões", que incluíam agricultores. Faça as contas: menos de 17% da população trabalhava efetivamente.
O pior é que Owen criou um sistema de castas disfarçado de igualitarismo. Aqueles que entraram na sociedade já ricos podiam pagar para não trabalhar, enquanto o restante da população deveria sustentar não apenas a si mesma, mas também aos "intelectuais" e aos abastados que vieram em busca de uma vida fácil.
Owen dividiu a comunidade em diferentes "classes" baseadas no que ele considerava contribuição intelectual. No topo estavam os educadores e "reformadores sociais" — basicamente, pessoas que falavam bonito sobre como organizar a sociedade. No meio ficavam os artesãos e trabalhadores especializados. Na base, os agricultores e operários braçais.
A ironia era deliciosa: um sistema que prometia acabar com as diferenças de classe criou sua própria hierarquia, só que mais hipócrita. Pelo menos no capitalismo ninguém finge que o patrão e o empregado são iguais. Em New Harmony, criaram uma aristocracia intelectual que vivia às custas do trabalho manual dos outros, mas com ares de superioridade moral.
Owen se associou a William Maclure, um empresário rico e geólogo respeitado, que atraiu muitos acadêmicos conhecidos para a comunidade. Esses intelectuais vinham com a promessa de criar um novo sistema educacional revolucionário. O problema é que enquanto discutiam teorias pedagógicas, alguém precisava plantar batatas e consertar telhados.
O que Owen não percebeu — ou deliberadamente ignorou — é que pessoas reais não funcionam como peças de uma máquina social que você pode simplesmente reorganizar. Inicialmente, a vida na comunidade era bem ordenada e satisfatória sob a orientação prática de Owen, mas diferenças logo começaram a emergir.
Quando você promete um paraíso na Terra, acaba atraindo exatamente o tipo de pessoa que acha que o mundo lhe deve alguma coisa. New Harmony virou um ímã para desajustados, idealistas ingênuos e aproveitadores que viam ali uma chance de viver às custas do trabalho alheio.
O experimento social de Owen fracassou dois anos depois de seu início. Mas por que um projeto tão bem-financiado e com infraestrutura pronta ruiu tão rapidamente?
Primeiro, Owen cometeu o erro clássico de todo planejador central: acreditou que podia substituir os incentivos naturais do mercado por boa vontade e discursos motivacionais. Quando você remove a recompensa pelo trabalho duro e a punição pela preguiça, adivinha o que acontece? As pessoas param de se esforçar. Com 83% da população vivendo às custas dos 17% que efetivamente produziam, o colapso era questão de tempo.
Segundo, a tal "gestão democrática" virou terra de ninguém. Decisões básicas demoravam eternidades para serem tomadas, isso quando eram tomadas. Comitês se multiplicavam como coelhos, cada um querendo ter sua voz ouvida, sobre tudo, desde o plantio de batatas até a educação das crianças. Enquanto isso, as batatas apodreciam no campo e os telhados vazavam chuva.
Terceiro, Owen descobriu da pior forma que ideologia não cultiva comida nem constrói casas. A produtividade despencou, os recursos se esgotaram e as contas começaram a se acumular. Mesmo com toda sua fortuna pessoal sendo despejada no projeto, o buraco financeiro só crescia.
A estrutura física estava lá — casas, oficinas, até uma casa de ópera. O que faltou foi entender que uma comunidade não funciona só com prédios bonitos. Precisa de incentivos corretos, hierarquias claras de responsabilidade e, principalmente, pessoas dispostas a trabalhar sem ficar esperando que outros façam por elas.
O mais fascinante sobre New Harmony não é que fracassou — qualquer pessoa com conhecimento básico de natureza humana poderia ter previsto isso. O impressionante é como os defensores do socialismo simplesmente ignoraram as lições óbvias.
Houve pelo menos 119 experimentos utópicos comunais estabelecidos na América do século 19. Todos falharam. Todos. Em 1841, os transcendentalistas utópicos fundaram Brook Farm, uma comunidade baseada no socialismo do francês Charles Fourier, que também desmoronou em poucos anos.
A matemática era cruel mas simples: quando você promete igualdade de resultados, independentemente do esforço, acaba com desigualdade de esforços e miséria de resultados. Owen gastou sua fortuna tentando provar que estava certo sobre a natureza humana, mas foi a natureza humana que provou que ele estava errado.
Embora o experimento social Owenita tenha fracassado, a comunidade eventualmente fez algumas contribuições importantes para a sociedade americana. New Harmony se tornou um centro de educação e pesquisa científica — ironicamente, florescendo apenas quando abandonou os princípios socialistas que a fundaram.
Nós, libertários, defendemos o direito de qualquer pessoa poder fundar o modelo de sociedade que quiser, desde que não obrigue os demais a participarem. Os melhores modelos de sociedade se destacaram naturalmente e seriam contratados por aqueles interessados em viver em uma sociedade daquele modelo. Inclusive sociedades baseadas no socialismo poderiam ser criadas, de maneira privada, em uma sociedade libertária. Claro que essa sociedade logo colapsaria, assim como aconteceu com a sociedade de Owen, porém é o seu direito tentar.
A história de New Harmony é uma vacina contra o utopismo. É a prova viva de que boas intenções não bastam para alterar as leis básicas da economia e da psicologia humana. Owen era sincero em sua compaixão pelos trabalhadores, mas sinceridade não transforma fantasias em realidade.
Hoje, quando ouvimos promessas de sociedades perfeitas baseadas na redistribuição e no planejamento central, vale lembrar das 30.000 acres de terra em Indiana onde um homem rico e bem-intencionado tentou recriar o mundo. O que sobrou não foi um paraíso socialista, mas uma lição histórica sobre por que o capitalismo — com todos os seus defeitos — ainda é o sistema que melhor reconhece e trabalha com a natureza humana real, não a imaginária.
New Harmony provou que utopias funcionam perfeitamente — no papel. Na vida real, funcionam até o dinheiro acabar.
https://www.maciverinstitute.com/perspectives/the-failed-socialist-state-in-midwestern-america
https://en.wikipedia.org/wiki/New_Harmony,_Indiana