01 Mar. 2024
Escritor: QuintEssência
Revisor: donda
Narrador: QuintEssência
Produtor: Leandro Brito

O PCC se tornou um verdadeiro estado, e agora está completamente dividido

As notícias sobre o PCC - Primeiro Comando da Capital - estão em alta, principalmente pelo surgimento de uma figura que tem tido cada vez mais espaço no YouTube. Trata-se de Frank, que afirma ser membro da citada facção – e que já apareceu, inclusive, em grandes podcasts, como o Fala Glauber. Não vamos, aqui, fazer juízo de valor a respeito de suas afirmações. De fato, boa parte das informações veiculadas pelo Frank já são públicas há algum tempo. O nosso foco, hoje, será apenas uma de suas afirmações - que foi corroborada por outros veículos de mídia: a de que o PCC estaria passando por uma guerra interna.

Ao que tudo indica, isso é verdade: a maior facção do Brasil estaria enfrentando um verdadeiro racha interno. Esse conflito, cada vez mais externalizado, contrapõe, de um lado, o famoso Marcola, com seus aliados, e, do outro, o bandido Tiriça, com seus partidários dentro da facção. Ambos os criminosos fazem parte da chamada “sintonia final” do PCC. O conflito, portanto, levou a algo que podemos classificar como “excomunhão mútua” e ordens de execução, para ambos os lados. Como a situação atingiu o topo da hierarquia da facção, não há a quem recorrer. A coisa só pode ser resolvida pelo método mais antigo de todos: a guerra.

Mas, afinal de contas, o que está acontecendo? Bem, podemos resumir a coisa toda, inclusive usando algum grau de viés libertário, afirmando que a máfia chamada PCC cresceu tanto que acabou se tornando um arremedo de estado. Criado em 1993, o Primeiro Comando da Capital começou como uma agremiação de bandidos mas, em poucos anos, mais e mais membros se uniram à facção. Hoje, ela é a maior do Brasil e controla praticamente todo o crime no estado de São Paulo – estando presente, também, nos demais estados, com lideranças e alianças locais.

De acordo com apurações feitas pelos órgãos de investigação – e também levando em conta o relato do citado Frank –, o PCC ganha muito dinheiro, centenas de milhões de reais por ano, com diversas atividades ilícitas. Dentre as principais, destacam-se a venda de drogas no varejo, a exportação de drogas para a Europa – através do Porto de Santos – e os crimes convencionais – como roubo de carros, cargas e assaltos a bancos. Boa parte dessas atividades, atualmente, são terceirizadas pela facção.

Obviamente, o PCC precisa de algum tipo de sistema que lhe permita lavar essa grana toda. Para isso, a facção lança mão de vários subterfúgios - novamente, cruzando informações oficiais com o depoimento do Frank. Acredita-se que o PCC investe em cantores, empresas (como as de ônibus), times de futebol e até mesmo em influencers que fazem aquelas já famosas rifas, por meio de redes sociais. Pois é, trata-se de uma lavanderia de dinheiro bastante sofisticada.

Conforme a grana começou a entrar, num ritmo cada vez maior, o grupo dos cabeças da facção – a já citada “sintonia final” – viu a necessidade de departamentalizar as ações do PCC. Por isso, existe hoje, dentro da facção, um verdadeiro organograma que descreve a hierarquia geral. A sintonia final é a autoridade máxima, o soviete que governa a facção, como um todo. Cada estado brasileiro tem sua própria sintonia, submetida ao grupo dos chefões. Percebe-se como a sigla PCC, também utilizada para descrever o partido que governa a China, se encaixa muito bem para Xi Jinping e sua turma: por lá, existe o comitê central do Partidão e, abaixo dele, os governos das províncias.

Voltando ao PCC paulista: abaixo das sintonias vêm as “gerais” que, ao contrário do que o nome sugere, são dedicadas a temas específicos. Existe a geral do progresso, dedicada às diversas atividades criminosas; a geral da rua, dedicada ao comando dos integrantes soltos; a geral da tranca, que comanda os presos; a geral do cadastro, para manter informações dos membros e aceitar novos integrantes; a geral do paiol, responsável pelo arsenal bélico; a geral das gravatas, que comanda os advogados da facção; dentre outros organismos.

Abaixo das gerais, se situam alguns setores responsáveis por coisas mais específicas. Tem um setor que se ocupa do comércio do pó, outro que cuida da erva e outro que se dedica à pedra. E, é claro, existe um setor inteiro responsável pela disciplina - ou seja, que impõe a membros e não-membros as leis do PCC. Dentro da disciplina, se encontra a prática do chamado tabuleiro, ou tribunal do crime, que impõe as penas àqueles declarados culpados pela facção. A pena pode variar de um cacete com pedaços de pau a até mesmo a execuções brutais. E o PCC, obviamente, tem seu próprio exército e sua polícia nas áreas dominadas - justamente para fazer esse sistema funcionar, por meio da força.

Me diga se isso não parece um estado, sob todos os aspectos? Tem um governo geral, com seus ministérios, suas secretarias e suas instâncias burocráticas. Ordens simples são organizadas e seguidas nos escalões inferiores; já assuntos mais complexos precisam chegar à sintonia final, para lá serem decididos. Mas não pára por aí: o PCC tem sua própria Constituição - conhecida como “Estatuto do PCC”, e que data da fundação da facção. A sintonia final, o órgão supremo, governa por meio de decretos - os chamados “salves”. O PCC também tem o seu próprio Judiciário, que resolve questões que envolvem membros da facção, e moradores das regiões controladas pelos bandidos.

E, a exemplo do que também acontece em qualquer estado, os problemas de liderança logo começaram a aparecer. Líderes com mentalidade diferente desejam deter, para si, a totalidade do poder. Então, como esse tipo de problema é resolvido? Simples: alguém vai para o saco, sem dúvidas. No início deste século (decorridos quase dez anos da fundação da facção), os grandes nomes do PCC eram o Marcola (que está na ativa até hoje) e o Sombra - considerado, na época, a liderança máxima da facção. Porém, Sombra terminou por ser morto em 2001, por membros do próprio PCC.

O vácuo de poder deixado por Sombra foi logo ocupado pelos bandidos Geleião e Cesinha, famosos por conseguirem costurar a aliança do PCC com o Comando Vermelho, do Rio de Janeiro. Contudo, esses dois chefões foram expurgados da facção a mando de Marcola - sendo que Cesinha foi assassinado em 2006, na prisão. Geleião, por sua vez, considerado por muitos como o fundador real do PCC, também morreu na cadeia, mas por conta de complicações relacionadas ao COVID.

Após consolidar seu poder, Marcola conseguiu fazer a facção se tornar extremamente poderosa - uma verdadeira empresa do crime. É sempre assim que acontece com os estados: um governo estável faz o país progredir. Veja, por exemplo, casos como o das rainhas Elizabeth I e Vitória, no Reino Unido, ou de Luís XIV, na França, ou até mesmo de Pedro II, no Brasil. Porém, em algum momento, o poder termina por ser contestado, e a coisa desanda totalmente. E é exatamente isso que está acontecendo, hoje, com o PCC.

Em agosto do ano passado, dois nomes fortes dentro da facção - Paca e Gegê do Mangue - foram assassinados. Acredita-se que esse crime tenha sido organizado por Fuminho, um conhecido hitman do Marcola, extremamente fiel ao seu chefe. Acontece que Paca e Gegê do Mangue eram aliados de outros nomes da sintonia final da facção - como Tiriça, Vida Loka, Cego e Andinho. A partir desse evento, formaram-se dois grupos rivais no topo da hierarquia do PCC.

Um grupo expulsou o outro da facção, e decretou a execução dos rivais. Marcola, que tem como aliados no topo da pirâmide Barbará, Julinho Carambola e o citado Fuminho, foi acusado por Tiriça de crime de alcaguetagem. Logo após esse racha, uma série de crimes violentos começaram a ser praticados, e vários nomes grandes do PCC foram mortos - como Cabelo Duro, Cara Preta e Django.

E agora, o que vai acontecer com a facção? Ou um dos lados vai conseguir consolidar o seu poder, expurgando seus rivais; ou, então, o PCC vai sofrer um racha, e uma nova facção vai assumir parte de suas atividades. É bem provável, portanto, que haja um banho de sangue - que, aliás, pode até já ter começado. Prata, um aliado de Marcola, foi executado, na frente da família, por membros do grupo rival. Autoridades no assunto já afirmam que sim: o PCC vai se dividir em breve. E, aí, a guerra do tráfico em São Paulo vai se tornar ainda pior.

Veja que, tal como acontece na política, os piores sempre chegam ao poder dentro das facções criminosas. Só galga degraus em uma máfia quem for mentiroso, desleal, mesquinho e muito, muito violento. A brutalidade é o maior mérito no mundo do crime - e também na política, é claro. O PCC cresceu demais e se transformou, na prática, num verdadeiro estado paralelo. Agora, a organização criminosa sofre dos mesmos problemas que afligem o estado - a burocracia, que coloca em conflito interesses individuais, e a exploração do baixo clero pelo topo da pirâmide. Esqueça aquela história de “irmandade” dentro facção: ali é cada um por si, safando seu lado às custas dos demais.

O pior de tudo, porém, é saber que o PCC surgiu, cresceu e se estabeleceu por conta da ação do estado. Como bem sabemos, a guerra às drogas é uma verdadeira praga, que condena inocentes à morte, prende vendedores pacíficos e cria um monopólio artificial, entregue pelo estado ao controle dos piores bandidos. É claro que, nesse arranjo, a máquina estatal também se beneficia - basta ver quantos políticos, promotores e juízes estão na folha de pagamento da facção. Os traficantes também se beneficiam, ganhando rios de dinheiro. Quem sofre, nessa história, é o povo - feito de vítima pelo estado e pelos bandidos.

Infelizmente, a tendência é que esse povo - principalmente o paulista - sofra ainda mais, com o possível racha dentro do PCC. Ao que tudo indica, uma onda de violência vai determinar o futuro da facção. No caso de uma divisão desse grupo, é provável que as guerras do tráfico, uma realidade tipicamente carioca, se estabeleçam também em São Paulo. No centro disso tudo, estará a maior das máfias, a pior das facções: o estado. Essa máfia não apenas cria as demais, como viabiliza sua existência, fazendo a sociedade se tornar refém de criminosos da pior estirpe - os mais terríveis deles sendo os políticos.

Referências:

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/10/21/inteligencia-policial-de-mg-lanca-a-servidores-glossario-de-girias-do-pcc.htm https://noticias.uol.com.br/colunas/josmar-jozino/2023/08/31/pcc-chega-aos-30-anos-enfrentando-novo-racha-interno-dizem-as-autoridades.htm https://www.j1agora.com.br/noticia/32908/blogueiro-com-700-mil-seguidores-e-preso-por-lavagem-de-dinheiro-e-jogos-de-azar https://pt.wikiquote.org/wiki/Estatuto_do_PCC

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