Os Cartórios existiriam em uma Sociedade Libertária?

Será que um dos maiores aparelhos burocráticos do estado moderno seria capaz de se adaptar e coexistir em uma sociedade anarcocapitalista?

Sabemos que tal indagação revoltaria muitos entusiastas do libertarianismo e antagonistas do estado. Desse modo, é crucial enfatizar que este vídeo não possui nenhum viés estatista. Pelo contrário, seu objetivo é explorar o tema baseando-se em princípios libertários e dinâmicas de mercado.


Para começar, é indispensável esclarecermos a função dos cartórios extrajudiciais e como eles atuam:


Em termos técnicos, os cartórios extrajudiciais são instituições que operam suas atividades distantes do âmbito judicial, ou seja, sem a intervenção de tribunais. Algumas de suas atividades podem incluir o registro civil de nascimento, casamento, registro de propriedade de bens imóveis, autenticação de documentos, e muito mais.


Do ponto de vista libertário, essas instituições realizam essa prestação de serviço em troca de um "valor simbólico" e sob os moldes que a máquina estatal ordenou pelos seus rabiscos de papel, também conhecido como leis. Paralelamente, o sistema cartorial também é o responsável efetivo pela fiscalização dos tributos do país, ou seja, também é um dos dispositivos que auxiliam no roubo do seu dinheiro.


A título de exemplificação: ninguém compra ou vende um imóvel sem que tal transação seja prontamente informada à Receita Federal pelo dono do cartório. Simultaneamente, nenhuma escritura será lavrada antes do pagamento do imposto de transmissão de bens, ou seja, não haverá a venda legal do seu imóvel antes que o estado possa recolher uma fraçãozinha do valor daquele seu bem.


Só para entendermos melhor essa patifaria do estado: a taxa do ITBI (essa que você paga ao governo para ele deixar você transferir um bem) - possui uma alíquota máxima, constitucional, de 5% - e é calculada com base no valor venal do imóvel.


Então, sabe aquele seu apartamento de 250 mil reais que você ficou anos pagando as parcelas de financiamento e um dia decidiu vendê-lo? Pois é, são 12.500 reais que o papai Estado vai tomar do comprador, caso contrário, o nosso querido titular cartorial, ou seja, o dono do cartório, não vai deixar sua troca voluntária acontecer. Assim, é perceptível que os cartórios servem como um elemento essencial para as roubalheiras executadas pelo governo.


Qualquer pessoa que já teve contato com essa instituição também já percebeu o mecanismo catalisador e multiplicador de dinheiro para o estado que ele é. Quantos milhões de inventários você acha que estão parados no Brasil? São sempre quantidades infinitas de certidões, extratos e demais documentos exigidos que, adivinha, para expedi-los, você também precisa ir a um cartório e pagar uma taxa para consegui-los. E se não fizer isso, todos aqueles bens do seu ente querido vão ficar lá - parados.


Outro exemplo? Quem nunca precisou de uma 2ª via de certidão de nascimento - foi até o Registro Civil de Pessoas Naturais da sua cidade e quase desmaiou ao descobrir o preço de uma folha de papel? Em muitos estados do nosso país essa mísera folhinha pode ultrapassar os 400 reais. Que tipo de impressora ou tinta será que eles estão usando?




Essas "Associações de Cartorários" passaram a cobrar taxas dos usuários e dos próprios cartórios, gerando receitas milionárias, as quais não são incididas qualquer controle.


É isso mesmo, você não entendeu errado, existe dentro do Brasil a formação de um monopólio a favor de associações de cartórios. Sem quaisquer fiscalizações dos seus rendimentos mastodônticos. Se você conhece algum titular de cartório e já o vê em um padrão de vida muito alto, imagine os gestores dessas "Associações de Cartorários". Quando você acha que já está esquisito o suficiente, o estado sempre dá um jeitinho de tornar tudo ainda mais bizarro, principalmente quando o assunto é Brasil.


Além disso, cabe acrescentar a curiosidade de que, ironicamente, os cartórios extrajudiciais constituem uma atividade exercida em caráter "privado". Foi exatamente isso mesmo que você ouviu! De acordo com os rabiscos estatais, esses serviços são considerados vindos de empresas privadas.


Mas por quê? Tal característica é dada, pois, o tabelião, isto é, o indivíduo que realizou o concurso público para assumir o cargo de titular (o dono do cartório) irá dispor de total liberdade de contratar funcionários e organizar administrativamente o estabelecimento. É permitido nessas firmas até mesmo a prática do nepotismo, ou seja, o proprietário pode contratar seus próprios familiares para trabalhar no cartório.


No fim das contas, tal particularidade dos tabelionatos pouco importa, já que ele vai na contramão de qualquer princípio do livre mercado. Além das características já mencionadas, os cartórios enviam metade do seu faturamento para o governo e permanecem, sobretudo, sob delegação do Poder Público. A legislação local que determinará os emolumentos dos serviços de registro, ou melhor dizendo, quem decide o valor das taxas cobradas pelas atividades prestadas pelos cartórios são os Tribunais de Justiça de cada unidade federativa do país.


Sob a ótica libertária, portanto, é possível perceber que o serviço dos cartórios é mais uma das inúmeras formas que o estado possui para roubar o indivíduo alheio e aumentar ainda mais seus tentáculos.


Mas calma lá, jovem libertário, essa ainda não é a sentença final sobre os cartórios. Na verdade, antes de discutirmos sobre o questionamento central deste vídeo, devemos analisar a atuação do tabelionato pelo seu aspecto social e histórico:


Seguindo por essa avaliação, consideramos que, simultânea à evolução da sociedade, as atividades dos cartórios evoluíram, se profissionalizaram e receberam sua devida importância social.


A origem dos cartórios é ligada à evolução dos documentos na história. Na civilização egípcia, por exemplo, aparece um profissional denominado "escriba", considerado como um dos antecessores dos registradores, desfrutando de grande relevância social.


O registrador, como conhecemos hoje, é resultado da evolução sócio-jurídica europeia na época em que ocorreu a transição do feudalismo para o capitalismo. Não existia uma função tabeliã técnica, porque os “pseudotabeliões” não possuíam habilidades para desempenhar acompanhamento técnico e nem a prerrogativa "autenticadora". Em outras palavras, havia a carência de aptidão profissional e de um elemento ou entidade que validasse os documentos.


Até que, na Idade Média, a função social de autenticação de documentos surgiu no cartório civil da Igreja Católica. A Santa Igreja possuía as aptidões necessárias para o exercício da função, de modo imparcial, uma vez que era independente dos senhores feudais da época. Todas essas características conferiram-lhes o conceito de "Fé Pública", sendo nada mais nada menos do que a autenticação da verdade.


Como vimos, a fé pública surgiu, no contexto da Igreja Católica. Com o tempo, ela se tornou um princípio fundamental nos sistemas legais modernos sob delegação do estado. E, se levarmos em conta como esse Estado de Direito gerencia os serviços cartoriais, já concluímos que ele vem se tornando apenas mais uma ferramenta de fiscalização tributária. O objetivo é basicamente drenar até a última gota do dinheiro que o indivíduo produz com seu próprio trabalho.


Logo, o que era para ser uma instituição de organização da sociedade, uma expressão da necessidade humana em ser auxiliada nos contratos voluntários e registros de eventos vitais, converteu-se em mais uma engrenagem da grande máquina estatal no controle tributário. Em síntese, mais um meio do Estado apropriar-se do seu capital. Algo completamente previsível por parte do governo, como Thomas Hobbes já denominava: o Grande Leviatã.


Agora, meu caro libertário, finalmente chegamos no eixo central do nosso debate. O que podemos concluir sobre a função dos cartórios numa sociedade anarcocapitalista? Quer dizer, o exercício dessas atividades realmente seria necessário em uma sociedade libertária?


A resposta é: possivelmente sim. Quer dizer, as pessoas sempre vão continuar fazendo contratos, realizando inventários, emitindo certidões, escrevendo testamentos. Afinal, os documentos são partes quase que intrínsecas da vida em sociedade, portanto, no Ancapistão, isso não seria tão diferente. Pelo contrário, em uma sociedade libertária, isso ocorreria com muito mais flexibilidade, afinal, não haveria governos para nos taxar e dizer o que devemos fazer.


Assim, os tipos de serviços oferecidos pelos cartórios potencialmente continuariam existindo. Mas, logicamente, não por meio de concursos públicos ou monopólios cartoriais - haveria, sim, a livre concorrência. Simplesmente quem tivesse a competência técnica para exercer tal atividade abriria, com recursos próprios, este estabelecimento e ofereceria serviços similares, como qualquer outra empresa.


Em uma sociedade como essa, muito provavelmente os cartórios transmutariam e flexibilizariam suas atividades, começando a desempenhar papéis análogos ao de consultoria, redação, arquivamento, registro, gestão de contratos e demais documentos vitais ao homem.


Neste caso, a lógica do livre mercado se aplicaria - e os cartórios com melhor eficiência e preços competitivos seriam os que mais se destacariam. Em outras palavras, aqueles que disponibilizassem a melhor prestação de serviço seriam os que iriam se manter no mercado. Veríamos nesses cartórios privados a integração digital, taxas acessíveis, funcionários competentes, recursos inovadores, enfim, eles teriam algum diferencial quanto outras do mesmo ramo, e com certeza, seriam melhores que os atuais controlados pelo governo. Essas empresas precisariam de inovar e pensar em facilitar a vida do cliente final, agindo como qualquer outra iniciativa privada.


Ah, mas e se por algum motivo um cartório X viesse à falência, o que aconteceria com os documentos que continham nele? No livre mercado, empresas com administrações incompetentes e dotadas de má gestão financeira de fato costumam fechar as portas. Nesse caso, seus documentos não seriam "perdidos", mas, muito provavelmente, seriam vendidos para outro estabelecimento de exercício similar, mas tudo isso sempre respeitando os contratos feitos com os clientes.


Tá, mas e a "fé pública"? Aquela coisa que autentica a veracidade de um documento; sem o estado, como ela existiria? Bem, como já vimos, esse elemento do direito a princípio emergiu-se a partir da Igreja Católica, portanto, não é algo inerente ao estado. Por esta razão, na sociedade do livre mercado, o que traria garantias e seguranças seria a substituição da "fé pública" por instituições e práticas privadas.


Primeiro: sistemas privados de resolução de disputas, que os próprios cartórios poderiam oferecer em sua grade de serviços prestados. Onde, ao invés de tribunais estatais, as partes poderiam optar por resolver disputas por meio de arbitragem ou mediação.


Segundo: contratos de referência e modelos de negócio, consistindo na adoção de contratos e documentos padronizados, podendo ajudar a reduzir incertezas e ambiguidades contratuais, o que fornece uma estrutura consistente para as transações comerciais. Podendo ser também um tipo de assistência que os cartórios disponibilizariam.


Terceiro: garantias e seguros contratuais, nos quais as partes exigiriam garantias financeiras, como depósitos e apólices de seguro, para a proteção do não cumprimento das obrigações dos contratos voluntários. Esses seguros também poderiam ser oferecidos pelos cartórios ou por meio de parcerias com instituições terceirizadas.


Quarto: organizações e associações setoriais. Essas, por sua vez, estabeleceriam padrões éticos e diretrizes para contratos voluntários e demais documentos, promovendo a boa prática comercial e elevando a confiança entre os participantes do mercado. Podendo igualmente ser uma prática oferecida por cartórios junto aos demais estabelecimentos parceiros.


Mas afinal, o que garantiria essa 'fé pública'? Esta é uma pergunta relevante, pois sempre que você se pergunta 'quem garante?', a resposta sempre será: 'ninguém' — ou seja, não há e nunca vai haver uma entidade que irá obrigar todas as pessoas a cumprir algo. Bom, nem o próprio estado é capaz de fazer isso. Mas a certeza que temos é que o próprio mercado, ou seja, a relação econômica entre as pessoas, irá punir as péssimas empresas e beneficiar as boas empresas. No final das contas, é uma questão de incentivos econômicos.


Enfim, pessoal, após essa longa análise, é possível notarmos que existiria, de fato, um método para os cartórios permanecerem de pé na nossa tão sonhada sociedade libertária, mas é óbvio que com atuações e funções um pouco diferentes. Para que isso aconteça, eles teriam que se adaptar, ramificando seu ofício e diversificando seus serviços, assim, poderiam coexistir junto ao Ancapistão. Talvez, eles poderiam eventualmente ser substituídos por sistemas de Inteligência Artificial que realizam todo o serviço de forma mais rápida e simples. Mas não dá para prever tudo isso. A grande questão é: essas empresas não se tornariam monopólios do estado para explorar você e te deixar cada dia mais irritado.

Referências:

https://www.tjmt.jus.br/Noticias/66956#:~:text=Os%20servi%C3%A7os%20de%20notas%20e,p%C3%BAblico%20de%20provas%20e%20t%C3%ADtulos.

https://www.migalhas.com.br/depeso/134823/cartorios--atividade-publica-ou-privada

https://www.jusbrasil.com.br/artigos/cartorios-a-importancia-e-a-evolucao-historica/390657528

https://iree.org.br/as-centrais-de-cartorios-e-os-falsos-liberais/

https://primeirosribelem.com.br/novo/2019/05/30/os-cartorios-sao-hoje-a-mais-efetiva-maquina-de-fiscalizacao-tributaria-do-pais/