Um novo projeto de lei concede a ANPD o poder de suspender plataformas digitais imediatamente, sem controle judicial. A liberdade de expressão online no Brasil nunca esteve tão ameaçada.
O timing não poderia ser mais conveniente para o governo Lula. No rastro da repercussão das denúncias de adultização infantil feitas pelo youtuber Felca, o governo acelera a tramitação de seu projeto de regulamentação das redes sociais — uma proposta que permite à ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) suspender plataformas digitais sem decisão judicial prévia. Na prática, significa que um órgão administrativo controlado pelo governo pode derrubar Instagram, TikTok, X ou qualquer rede social, apenas por considerar que descumpriram regras estabelecidas unilateralmente por Brasília.
O que parece uma resposta responsável a um problema real é, na verdade, a aplicação de uma estratégia clássica dos regimes autoritários: usar crises legítimas como justificativa para implementar controles que jamais seriam aceitos em circunstâncias normais. O projeto representa a maior ameaça à liberdade digital na história do Brasil pós-redemocratização — e poucos brasileiros compreendem a gravidade do que está sendo proposto.
Para entender a gravidade da situação, é preciso explicar exatamente o que está sendo proposto. O projeto de Lula cria um mecanismo onde a ANPD — um órgão federal cujos diretores são nomeados pelo presidente — ganha poder para "suspender provisoriamente" qualquer plataforma digital que julgar em descumprimento das novas regras de "proteção infantil".
Essa suspensão acontece imediatamente, sem necessidade de autorização judicial, sem direito de defesa prévia e sem prazo definido para revisão. A plataforma sai do ar primeiro — prejudicando milhões de usuários, pequenos negócios e criadores de conteúdo — e só depois pode tentar reverter a decisão na Justiça, um processo que pode levar meses.
É como se a Polícia Federal pudesse fechar um jornal por "proteger a sociedade" e só depois um juiz verificasse se havia motivo legal para isso. No mundo digital, onde interrupções causam prejuízos irreversíveis, esse modelo equivale a execução sumária seguida de julgamento póstumo.
O presidente não perdeu tempo. "Como nós vimos na denúncia do rapaz [o influenciador Felca]", disse Lula ao defender seu projeto, transformando um caso específico de exploração infantil numa justificativa para criar todo um aparato de controle estatal sobre o ambiente digital. É o manual russo de censura sendo aplicado: primeiro, encontra-se um problema real e chocante; depois, usa-se a indignação pública para aprovar medidas que vão muito além do necessário para resolver aquele problema específico.
Na Rússia, Putin usou casos de terrorismo e "proteção da juventude" para aprovar leis que hoje permitem ao estado bloquear qualquer conteúdo online considerado "extremista" ou "indesejável". O processo é sempre o mesmo: apresenta-se uma situação moralmente indefensável, mobiliza-se a opinião pública e, no calor da indignação, aprova-se uma lei com poderes muito mais amplos do que seria necessário.
No Brasil, Lula encontrou seu "precedente moral" perfeito. As denúncias de Felca sobre a sexualização de menores nas redes sociais são sérias e legítimas. Qualquer pai ou mãe fica horrorizado com a possibilidade de seus filhos serem expostos a esse tipo de conteúdo. É exatamente por isso que funciona como justificativa para medidas autoritárias que jamais seriam aceitas se apresentadas diretamente.
A velocidade com que o governo mobilizou sua base para transformar o caso Felca em munição política revela o nível de preparação. O projeto de regulamentação das redes sociais não foi criado depois do vídeo de Felca — ele já existia, aguardando apenas o momento político ideal para ser apresentado.
Parlamentares aproveitam a polêmica para intensificar pedidos de controle das redes sociais. O próprio Lula já relembrou da fala da primeira-dama, Janja, ao líder da China, Xi Jinping, sobre regulamentação das redes. Não é coincidência que busque inspiração nos modelos chinês e russo de controle digital — países que representam o que há de mais avançado em censura tecnológica.
Quando Putin começou a restringir a internet na Rússia, também não disse que queria censurar opositores políticos. Falou em "proteger crianças da propaganda LGBT", "combater extremismo" e "defender a soberania digital russa". Cada lei aprovada parecia razoável isoladamente. O resultado final — um estado que pode bloquear qualquer plataforma, censurar qualquer conteúdo e silenciar qualquer voz dissidente — só ficou claro quando já era tarde demais.
No Brasil, o caminho está sendo trilhado com a mesma metodologia. Primeiro, cria-se órgãos com poderes de suspensão "provisória" — sempre provisória, nunca definitiva, para não assustar. Depois, usam-se casos como o de Felca para justificar a urgência dessas medidas. Por fim, amplia-se gradualmente o escopo do que pode ser considerado "conteúdo perigoso" até que qualquer crítica ao governo se torne passível de censura.
A grande diferença é que Putin precisou enfrentar uma sociedade civil mais organizada e uma imprensa que ainda tinha alguma independência. Lula conta com uma mídia corporativa majoritariamente alinhada e uma oposição fragmentada — cenário muito mais favorável para implementar o modelo russo de controle digital.
"Você é contra proteger as crianças?" — essa será a pergunta feita a qualquer político que ousar se opor ao projeto de Lula. É a mesma tática usada por Putin: criar uma falsa dicotomia onde criticar o método de controle significa apoiar o problema que o controle pretende resolver.
Mas proteger crianças não requer criar um aparato de censura estatal. A responsabilidade pela segurança dos menores deveria estar nas mãos dos pais e responsáveis, não do estado. Famílias são mais capazes de decidir o que é apropriado para seus filhos do que burocratas governamentais. Ferramentas de controle parental, educação digital e responsabilidade individual são soluções mais eficazes que não ameaçam a liberdade de todos os usuários.
O Brasil está convergindo para o modelo russo através de múltiplas frentes simultâneas. No Judiciário, temos Alexandre de Moraes expandindo sistematicamente os poderes de censura judicial, criando precedentes sobre o que pode ser considerado "discurso de ódio" ou "ameaça à democracia". No Executivo, temos Lula preparando seu aparato de controle administrativo das redes sociais. Quando esses dois poderes se alinham — como já aconteceu várias vezes — o resultado é uma capacidade de censura que supera até mesmo o modelo russo.
O caso Felca é apenas o pretexto mais recente. Se não fosse ele, seria outro. O importante para Lula é ter sempre uma justificativa moral inquestionável para cada novo passo em direção ao controle total da informação. Proteção infantil hoje, combate às fake news amanhã, defesa da democracia depois — cada crise se torna oportunidade para expandir o poder de censura.
A sociedade brasileira tem uma janela estreita de tempo para impedir que o país complete sua transformação num modelo totalitário de controle digital. Uma vez que o aparato esteja funcionalmente criado e testado, será impossível desfazê-lo por meios democráticos normais. Na Rússia, a oposição só conseguiu resistir através de métodos cada vez mais desesperados, muitas vezes pagando com a própria vida.
O Congresso Nacional precisa rejeitar categoricamente qualquer projeto que permita a suspensão de plataformas sem controle judicial prévio, independentemente da justificativa. Mais que isso: precisa questionar se o estado deveria ter qualquer poder de regular conteúdo online. A proteção de crianças é responsabilidade dos pais, que já dispõem de ferramentas de controle parental, podem educar seus filhos sobre segurança digital e tomar suas próprias decisões sobre o que é apropriado.
A imprensa independente precisa parar de tratar o caso como questão técnica de "regulamentação" e denunciá-lo como tentativa de implementar censura digital estatal no Brasil. O silêncio ou a complacência da mídia será interpretado como consentimento para o autoritarismo.
Os cidadãos precisam entender que estão diante de uma escolha definitiva: aceitar o modelo russo de internet controlada pelo estado ou lutar para manter a liberdade digital que ainda possuem. Não haverá terceira oportunidade. Quando Putin consolidou seu controle sobre a internet russa, os protestos e petições se tornaram irrelevantes — os mecanismos democráticos de resistência simplesmente deixaram de funcionar.
O vídeo de Felca expôs um problema real, mas a resposta não deveria vir do estado. Pais preocupados com a segurança de seus filhos online já têm acesso a ferramentas de controle parental, podem escolher plataformas com políticas mais restritivas e educar suas crianças sobre os riscos digitais. O mercado livre oferece soluções mais eficazes e menos perigosas: plataformas competem para oferecer ambientes mais seguros, desenvolvedores criam tecnologias de proteção familiar e a sociedade civil pode se organizar para pressionar empresas irresponsáveis.
Lula sabe disso. Seu governo tem assessores que poderiam reconhecer que a solução está na liberdade individual e na responsabilidade parental, não na intervenção estatal. A escolha pelo modelo de censura prévia revela a verdadeira natureza autoritária do projeto e de seus apoiadores: não é sobre proteger crianças, é sobre controlar informação.
O Brasil está a poucos passos de se tornar a Rússia tropical que Lula sempre sonhou governar. Se não reagirmos agora, acordaremos numa realidade onde criticar o governo online será crime, onde plataformas independentes serão bloqueadas sem aviso e onde a liberdade de expressão digital será apenas uma lembrança do passado democrático que deixamos morrer por omissão.
https://seucreditodigital.com.br/governo-suspender-redes-sociais-30-dias/
https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/lula-e-deputados-reagem-a-denuncia-de-felca-e-pressionam-por-regulamentacao-das-redes-sociais
https://g1.globo.com/politica/blog/julia-duailibi/post/2025/08/14/projeto-do-governo-lula-preve-suspensao-provisoria-de-redes-sociais-antes-de-decisao-judicial.ghtml