Por maioria, o STF aprovou segurança pessoal perpétua a ministros aposentados, antes limitada a 36 meses, e quem vai sustentar tudo isso é o cidadão comum.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em sessão administrativa realizada de forma virtual, no dia 18 de junho de 2025, aprovar por maioria de votos a concessão de segurança pessoal vitalícia a ex‑ministros da Corte. Até então, o serviço de escolta e proteção era garantido por até 36 meses após a aposentadoria, prazo que poderia ser estendido por igual período, mas sempre por tempo limitado. A proposta que elevou a segurança a benefício perpétuo foi formalizada a partir de um ofício assinado pelo ministro aposentado Marco Aurélio Mello, que argumentou ser essencial a oferta de “segurança mínima” a quem já exerceu a mais alta função do Judiciário nacional.
Segundo o relatório apresentado à Corte, a exposição pública dos magistrados cresceu de forma exponencial nos últimos anos, o que, em tese, aumentaria o risco de ameaças e tentativas de agressão mesmo após deixarem o cargo. O atual presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, ao encaminhar a proposta para votação, reforçou esse ponto ao afirmar que “dado o grau de visibilidade do tribunal, mesmo após a aposentadoria, esses magistrados permanecem expostos a perigos que decorrem diretamente do exercício da função pública. Por isso, entendo que se justifica a extensão da oferta de serviços de segurança institucional por período mais prolongado.”
Apesar do apelo à proteção de garantias pessoais, o STF não divulgou qualquer estimativa detalhada de quanto custará, anualmente ou por mandato, essa segurança vitalícia. Sabemos, porém, que a segurança de ministros é um gasto elevado: escoltas qualificadas, equipamento, deslocamentos, equipe de apoio e infraestrutura de monitoramento geram cifras que facilmente ultrapassam milhões de reais ao longo de uma década. E não há previsão de fonte de custeio distinta — o ônus recai sobre o Tesouro Nacional, ou seja, sobre a própria sociedade, que financia o Judiciário.
Além de não revelar o montante exato que esse benefício custará aos cofres públicos, o STF opta também por abandonar qualquer critério de prestação de contas transparente. Em governos minimamente responsáveis e transparentes, despesas dessa magnitude são detalhadas em relatório anual de contratação de segurança, com comparativo de custos e alternativas de mercado. Em países como Estados Unidos e Reino Unido, ex‑juízes federais possuem proteção restrita a casos comprovados de ameaça — e mesmo assim, por tempo limitado e sob revisão periódica — evitando impor ao pagador de impostos obrigações ilimitadas.
Até 36 meses atrás, seguradoras privadas ou contratos temporários poderiam atender a aposentados que, voluntariamente, quisessem manter escolta, pagando do seu próprio bolso. Agora, porém, todos os ministros aposentados do STF terão direito automático, de forma ilimitada e gratuita, a esses serviços. Trata-se de mais um privilégio institucional que se soma aos já conhecidos: aposentadoria integral pela última remuneração, auxílios, residências oficiais, verbas indenizatórias e benefícios previdenciários sem contrapartida proporcional de trabalho ou contribuição diferenciada.
No cerne da justificativa oficial, está a proteção de agentes que, em tese, sofreram represálias ou protestos violentos em razão de decisões judiciais polêmicas. Mas se o estado, teoricamente, garante segurança e direitos a todos, por que seria necessário um serviço de segurança particular para certos indivíduos? Se a polícia não consegue garantir a proteção nem dos próprios agentes políticos, imagina a situação da pessoa comum. Isso é admissão da falência do estado em fornecer a segurança prometida, mas mesmo assim temos que continuar sustentando, tanto a polícia, quanto a segurança particular dos ministros atuais e aposentados. Agora e para o resto da vida, enquanto nós mesmos vivemos sem nenhuma garantia de proteção para nossa vida, nosso patrimônio e nossas famílias.
Além disso, o argumento de “visibilidade e risco permanente” acaba se tornando genérico e facilmente aplicado a qualquer cargo público de alta repercussão. Se decisões judiciais, investigações ou julgamentos emblemáticos justificam proteção eterna, o que impede de, eventualmente, ampliarem o benefício a procuradores, ministros de estado, presidentes de tribunais regionais e até governadores, usando o mesmo argumento? Qual será o critério objetivo para delimitar o direito à escolta vitalícia? A decisão do STF não responde a tais questionamentos, deixando margem para interpretação arbitrária e ampliação e expansão indefinida do privilégio.
O resultado é que abre‑se precedente para qualquer carreira pública de destaque reivindicar “risco funcional” vitalício. Bastaria a desculpa de “ameaças online” ou “protestos diante de tribunais” para que procuradores‑gerais, conselheiros de tribunais de contas ou até governadores exigissem idêntica regalia, criando uma cascata de privilégios sem freio, todos pagos pela parcela produtiva da sociedade.
E o pior de tudo: de forma mais ampla, esse tipo de benefício reforça a lógica de que funcionários públicos de alta patente são uma casta distinta, submetida a uma legislação paralela e a um tratamento diferenciado em relação ao cidadão comum. Enquanto a população enfrenta restrições orçamentárias, cortes em áreas essenciais como saúde e educação, e vê o próprio suposto direito à segurança coletiva fragilizado, a elite judiciária ganha um título de nobreza moderna: proteção perpétua.
Para o cidadão que vive do próprio trabalho, enfrenta deslocamentos diários sem escolta e sustenta, via impostos, a estrutura do estado, é um verdadeiro absurdo observar tamanha disparidade. Enquanto a segurança pública se apoia em policiamento ineficiente, com elevados índices de criminalidade, o juiz aposentado desfruta de proteção diferenciada, sem ter que usar de recursos próprios para tal.
A sociedade já percebe o Judiciário como distante e imune às consequências práticas de suas decisões. A concessão de segurança vitalícia amplia essa percepção de isolamento, reforçando o cenário atual onde os magistrados perderam o contato com a realidade cotidiana do cidadão, daquele que vê nos bolsos mais gastos para proteger quem, em tese, diz zelar pelo bem comum e pelos interesses coletivos.
A verdade é que o estado é o principal agente de coerção em massa e concentração de privilégios. Todo poder monopolista de decisão, punição e custeio da máquina estatal é utilizado para garantir influência política e favorecimento de grupos específicos. A proteção vitalícia dada pelo STF é um exemplo escancarado de como o aparelho estatal preserva e amplia seus próprios privilégios, sem qualquer preocupação do impacto orçamentário ou social. Afinal, os "excelentíssimos" ministros vivem de receber impostos, não de pagar, e portanto, não são eles que vão pagar a conta.
Mesmo de um ponto de vista técnico, dentro das próprias leis estatais, o STF está errado, pois demonstra agir como legislador. A Constituição prevê cláusulas gerais de que o cargo de juiz é vitalício, mas não estipula o fornecimento de segurança armada. Ao criar esse novo direito para si mesmos, por meio de sessão administrativa, os ministros ultrapassam a função de guardiões e juízes da lei e exercem, na prática, o poder de criar privilégios e benefícios próprios — um exemplo clássico de “legislativo judicial” e desvio de poder.
Em um cenário de livre mercado, a segurança seria fornecida por instituições descentralizadas, com financiamento privado e transparente. A inovação tecnológica, gerada naturalmente pela competição entre empresas, permitiria sistemas de monitoramento remoto, vigilância preventiva e policiamento orientado por dados. Não há, portanto, justificativa racional para manter magistrados indefinidamente protegidos por escolta estatal, quando soluções privadas poderiam oferecer níveis iguais ou superiores de proteção, a custos menores e, mais importante de tudo, pagos pelos próprios interessados, que vamos lembrar, já ganham salário base acima de R$ 46 000, sem contar auxílios e benefícios.
Na prática, empresas de segurança privada e de vigilância privada vêm, há anos, demonstrando eficiência maior que esquadrões militares: usam inteligência artificial para patrulhamento remoto, centrando esforços em áreas de maior risco conforme contratos flexíveis. Essa flexibilidade de mercado, aliada à concorrência, reduz custos e melhora a qualidade do serviço. O estado, ao monopolizar a proteção de uma casta, não só reprime essa inovação, como transfere ao cidadão o ônus de financiar um sistema estático, imune às pressões de custo ou qualidade.
O custo fiscal oculto dessa medida certamente vai afundar ainda mais a dívida pública, que será paga por todos nós por meio do aumento da inflação. A cada ano, o orçamento do Judiciário consome uma parcela ainda maior dos recursos federais, reduzindo a margem de investimento em setores como saúde e programas sociais. Já a pesada carga tributária, sentida diretamente pela população todo dia, já é motivo de indignação e revolta constante, e o estado, longe de se conter, segue ampliando concessões a categorias especiais.
O anarcocapitalismo propõe ainda que as disputas de segurança sejam reguladas por esquemas de arbítrio privados, em que empresas especializadas prestam serviços de mediação de conflitos e policiamento, e, em caso de abuso, responsabilizam‑se diretamente. Esse modelo polariza responsabilidades e evita o paternalismo que combina poder de coerção e benefício exclusivo, como ilustrado pelo privilégio vitalício do STF.
Em última análise, ao expandir indefinidamente a segurança estatal para uma casta de aposentados, o STF ultrapassa os limites de sua função constitucional e aprofunda o fosso entre governantes e governados. A decisão revela profundo e total desrespeito ao princípio de igualdade perante a Lei, pois cria distinções que não se justificam em termos de proteção coletiva — afinal, o bem‑estar do cidadão comum não foi melhorado em nada pela medida.
Cabe, portanto, questionar não apenas a legitimidade técnica da decisão, mas sua ética: governos e tribunais, que se dizem defensores do povo e dos direitos universais, na prática mostram que existem apenas para assegurar os próprios privilégios.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2025-06/stf-aprova-seguranca-vitalicia-para-ministros-aposentados
https://www.conjur.com.br/2025-jun-18/stf-forma-maioria-para-instituir-seguranca-vitalicia-aos-ministros/
https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2025/06/18/supremo-seguranca-ministros-stf.ghtml
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/stf-forma-maioria-para-conceder-seguranca-vitalicia-a-ex-ministros/
https://www.gazetadopovo.com.br/republica/stf-aprova-seguranca-vitalicia-para-ministros/