Talvez você não tenha notado, mas a cidade de Jackson, na série e jogo: The Last of Us, apresenta um modelo libertário. Será que precisaremos de um apocalipse zumbi para construirmos o Anarcocapistão?
Em um mundo caótico e devastado por um surto mortal que transforma pessoas em zumbis, a cidade de Jackson emerge como um modelo de sociedade funcional sem a presença de um estado centralizado. No universo de The Last of Us, Jackson simboliza não somente uma cidade refúgio, mas um novo paradigma de sociedade, que pode nos levar a sonharmos e visualizarmos uma civilização autônoma e livre.
The Last os Us revolucionou a indústria dos videogames com sua narrativa imersiva e personagens profundamente desenvolvidos. O primeiro jogo, lançado em 2013, recebeu aclamação global, explorando temas de sobrevivência, moralidade e laços humanos em um mundo pós-apocalíptico. Para termos a melhor noção do sucesso, de 2013 até 2019 (um ano antes do lançamento do The Last of Us II), foram vendidos mais de 20 milhões de unidades. Fora isso, a franquia acumulou 240 prêmios; inclusive, chegou até a ganhar prêmios antes do seu lançamento. Outro fator relevante é que foi premiado como o segundo jogo mais bem avaliado de 2013, ficando atrás somente do famoso GTA V. O imenso prestígio do jogo levou seus produtores a darem sequência da história com o lançamento do jogo The Last of Us Part II, realizado em 2020; o que contribuiu para expansão do enredo com um tom mais sombrio e emocionalmente intenso; provocando debates acalorados sobre vingança e justiça.
Em 2023, a estreia da série The Last of Us pela HBO elevou ainda mais a franquia, conquistando novos espaços além do mundo dos gamers. A primeira temporada foi amplamente elogiada pela fidelidade ao jogo original. Todavia, a segunda temporada gerou controvérsias devido a mudanças na dinâmica e na ação. Muitos fãs criticaram a maneira como a história foi sendo construída com redução dos elementos de adrenalina, tiroteios e confrontos que definiram a experiência interativa dos jogos. Além disso, a atuação de Bella Ramsey, a qual interpretou a protagonista “Ellie” foi alvo de críticas, especialmente pelo tom mais imaturo, infantil e menos enérgico em relação à personagem original do jogo.
(pausa)
Todavia, o que importa para esta nossa conversa não é o enredo do jogo em si, mas uma cidade que aparece na sua narrativa. A cidade Jackson é vislumbrada no final da primeira temporada. Ali, Joel e Ellie, personagens principais, decidem morar após uma imensa trajetória na qual passaram na primeira temporada. Logo, não se pode especular muita coisa sobre esta cidade na primeira parte da franquia. No entanto, a segunda parte, tanto no jogo como na série da HBO, Jackson pode ser mais explorada e observada pelos espectadores. A cidade possui mercados, lojas, lojas de soldagem, pubs, restaurantes e até um cemitério; ela abriga cavalos, vacas, galinhas e uma próspera fazenda e estufas. As pessoas vivem numa relativa paz, organizam festas dançantes e eventos familiares no salão da igreja. Em suma, Jackson é um raro exemplo de uma sociedade funcional sem um estado tradicional. Diferentes aspectos da vida em Jackson evidenciam características fundamentais do libertarianismo, que defende uma sociedade com o princípio da “Não Agressão”, o que implica na ausência de coerção estatal e com aplicações de trocas e contratos livres e consensuais como base sólida da economia.
A primeira evidência de que Jackson é um modelo libertário é que a liderança da cidade não impõe tributações sobre seus cidadãos. Não há nenhuma parte do jogo, ou da série, que revela algum tipo de imposto ou taxas obrigatórias. A implicação lógica então, é que os moradores são livres para produzir, consumir e negociar sem nenhuma interferência governamental. A evidência que comprova este ponto, é no primeiro episódio da segunda temporada, quando Joel, participa de uma terapia com a psicóloga Eugene e paga-a com “ervinhas recreativas”; o que demonstra que, nesta cidade fictícia, não tem um tipo de moeda oficial. Em suma, as transações ocorrem de forma verdadeiramente voluntária, e o valor dos bens é determinado pelos próprios cidadãos, sem imposição externa ou algum tipo de força estatal superior.
Ao invés de um líder autoritário ou um estado burocrata, Jackson é gerida por um sistema transparente, no qual decisões são discutidas e tomadas coletivamente. Não há imposição de ordens por um governo coercitivo; os líderes atuam como facilitadores de diálogo entre os habitantes. A governança de Jackson aparece claramente no episódio três, após a morte de Joel pelos integrantes da W.F.L. Neste ínterim, Ellie deseja matar aqueles que tiraram a vida de Joel e solicitou uma Assembleia com a proposta de Jackson enviar uma pequena tropa para fazer a vingança dela. A decisão da Assembleia não foi favorável para Ellie. Porém, a razão não tem nada a ver com burocracia, corrupção, conchavos injustos e incompetência estatal. A razão do pedido negado se deve ao debate ocorrido na Assembleia, o qual levou a liderança não aceitar a solicitação da Ellie. É bom ressaltar que, num mundo livre, as coisas não funcionam da maneira como nós queremos. O que merece atenção na Assembleia é que as pessoas eram livres para colocarem suas opiniões sem nenhum tipo de censura. No fim desta ocasião, Ellie e Dina tomaram a escolha de saírem sozinhas em busca da vingança de Joel. Contudo, é essencial pontuar que a finalidade do artigo não é julgar se a escolha dela foi moralmente correta ou não, mas apresentar um tipo de governança totalmente desburocratizada, simples e eficiente. Não é como a lentidão das resoluções do estado brasileiro, onde tudo é demorado e oneroso. A realização da Assembleia e a decisão dos líderes foi rápida e sem custo algum. Além disso, houve transparência e participação ativa dos cidadãos. Esse modelo reflete princípios libertários, mostrando ser possível organizar uma comunidade sem a necessidade de um governo centralizador e usurpador.
(pausa)
Outro ponto que merece destaque, é a segurança de Jackson. Diferente dos exércitos controlados pelo estado, a segurança lá é garantida pelos próprios cidadãos, que organizam patrulhas para proteger a cidade contra invasores. Não há coerção estatal impondo regras; em vez disso, os próprios moradores assumem a responsabilidade pela defesa do território, reforçando a ideia de que a proteção não precisa ser monopolizada por um governo. O episódio dois, por exemplo, mostra os homens de Jackson se defendendo de um poderoso ataque de infectados. Apesar de grandes perdas, no fim, eles conseguiram resistir a terrível invasão dos infectados. Depois disso, no início do episódio três, vemos os próprios cidadãos reconstruindo a cidade com suas próprias mãos. Imaginem se dependessem de um governo como do Brasil para reconstruírem suas casas. Certamente ficariam meses com a cidade destruída e ainda seriam roubados por meio de alíquotas sufocantes. O funcionamento orgânico da cidade demonstra que os indivíduos podem estruturar suas próprias vidas e comunidades sem precisar de um governo para ditar regras.
Alguns podem contra-argumentar que a cidade de Jackson não representa uma comunidade libertária, mas sim, comunista. O episódio 6, nos leva para às memórias de Ellie, quando ela relembra um dos dias do seu aniversário, quando Joel pegou ela tendo relações com outra mulher. Joel afirma que a casa é dele e as regras dele tem que ser respeitadas, mas, Ellie refuta dizendo que a casa foi dada a eles, presumindo que, ela é tão soberana na casa do que Joel. Alguns podem pegar essa fala da Ellie e dizer que o modelo é comunista devido à ausência de compra de um imóvel, que a fala dela presume que as casas são distribuídas socialmente. Todavia, tal alegação é insuficiente pois, no universo libertário, caridade, presentes, doações são totalmente reais e legítimas. Fora isso, o comunismo e socialismo é contra propriedade privada e advoga uma ideia de propriedade coletiva, onde ninguém tem nada e tudo é de todos. Claro, isso é na teoria cor de rosa dos socialistas. Logo, a fala de Ellie, de que eles receberam a casa, implica que o imóvel passou a ser propriedade privada deles, não somente do Joel. Apesar da série ter várias cenas de lacração e wokismo, a cena do episódio 6 não inclina para o entendimento marxista. Além disso, o pagamento que Joel faz com a maconha para Eugene, quebra totalmente uma ideologia que é anticapitalista e anti mercado. A fala da Ellie, portanto, não faz parte do vocabulário dos comunistas lunáticos.
Diante do cenário de The Last of Us, Jackson representa um modelo de sociedade libertária viável, baseada na autonomia individual, na cooperação voluntária e na ausência de coerção estatal. Sua estrutura descentralizada e sua economia livre mostram que um mundo sem um governo burocrático, centralizador e inchado pode não somente existir, mas também prosperar. O sucesso da cidade evidencia que os princípios do libertarianismo podem ser aplicados na prática, permitindo que indivíduos vivam em liberdade sem depender de estruturas governamentais opressoras. Jackson prova que mesmo em meio ao caos, é possível reconstruir uma civilização baseada na liberdade e na autodeterminação. E talvez, no fim das contas, essa seja a melhor mensagem da segunda temporada do The Last of Us.
https://pt.wikipedia.org/wiki/The_Last_of_Us - (referencia sobre o lançamento e premiações do jogo).
vendas - https://web.archive.org/web/20191014204537/https://www.playstationlifestyle.net/2019/10/14/the-last-of-us-sales-uncharted-4-sales/
O texto se fundamentou nos episódios 1,2,3 e 6 da segunda temporada da série de HBO de The Last of Us.
1º - https://thelastofus.fandom.com/wiki/Future_Days
2º - https://thelastofus.fandom.com/wiki/Through_the_Valley
3º - https://thelastofus.fandom.com/wiki/The_Path
6º - https://thelastofus.fandom.com/wiki/The_Price