O que aconteceu com a VARIG, maior empresa aérea brasileira

Ela não foi destruída por conta das crises, ou mesmo pela alta inflação nos tempos do Sarney. Seu principal erro, foi muito pior.

Fundada em 1927, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, pelo alemão Otto Ernst Meyer, a Varig foi uma das primeiras companhias aéreas do Brasil. Chegando a ser comparada com a famosa Pan American World Airways, uma das maiores empresas aéreas do mundo. A Varig também chegou nesse patamar de fama entre os anos 1960 e 1980. Infelizmente, ela iria pagar um alto preço devido a crises tanto internas quanto externas, que refletem a realidade política e econômica do Brasil. Alguns argumentam que o motivo da falência da empresa seria devido a um modelo de gestão totalmente ultrapassado. Contudo, veremos como o estado teve um papel importante em destruir este setor promissor.

Para contextualizar. Quando o Brasil estava recebendo milhares de estrangeiros seduzidos por uma promessa de vida nova, entre eles muitos alemães, estava o jovem Otto Ernst Meyer. Ex-piloto da força aérea alemã, seria um empreendedor que impactaria a história do nosso país. Otto teria ficado maravilhado com as belezas e grande dimensão do Brasil, além de achar estranho a falta de uma grande empresa aérea. Foi então que decidiu se estabelecer no estado do Rio Grande do Sul, local no qual se sentiu mais familiarizado devido aos imigrantes alemães e italianos. Otto, em parceria com o governo alemão, conseguiria aeronaves e pilotos para sua empreitada. Foi assim que, em 1927, nascera a empresa pioneira de Viação Aérea Rio-Grandense, conhecida como Varig.

Cabe lembrar que naquela época não havia muitas pistas de pouso no Brasil, mas os primeiros voos da Varig eram feitos por hidro aviões que podiam pousar tanto em rios quanto no mar. O estado do Rio Grande do Sul em boa parte foi se desenvolvendo devido a esse serviço aéreo que interligava as cidades em curtas viagens. Elas ocorriam em sua maioria dentro do estado sulista, mas com o tempo, voos mais distantes foram sendo feitos.

Otto Meyer percebeu que no ambiente de negócios daqui, precisaria de algum apoio governamental, afinal, o empreendedor brasileiro enfrenta mais dificuldades do que todos. Foi o ministro das relações exteriores, Oswaldo Aranha, que conseguiu esse apoio do governo para Otto. Na época da Revolução de 1930, as viagens dos políticos e militares passaram a ser mais demandadas, e a Varig supriu essa necessidade, levando Getúlio Vargas como passageiro diversas vezes. Usando até mesmo aeroportos clandestinos e voos de madrugada, a Varig ajudou e muito o projeto de poder do gordinho suicída de se tornar o novo presidente do país. Infelizmente, com a ascensão de Getúlio, o Brasil caminharia rumo a uma ditadura extremamente centralizadora, anticapitalista e burocrática que focaria no projeto desenvolvimentista fomentado pelo estado.

Foi em meados da década de 1930 que os primeiros aeroportos com melhor estrutura foram surgindo. Com a construção do aeroporto de São João em Porto Alegre, a Varig se desenvolveu e recebeu novos aviões, entre eles o Junkers trimotor.

Com o início da Segunda Guerra Mundial na Europa, seria exigido uma tomada de posição do governo brasileiro: colaborar com o Eixo ou Aliados? Vargas decidiria se aliar aos Estados Unidos, apesar de simpatizar com os fascistas. Entretanto, a contrapartida do Brasil foi que as empresas aéreas brasileiras deixassem de ser controladas por alemães e italianos. Assim, o presidente seria bem rígido nessa hostilidade aos alemães, principalmente após um navio brasileiro ter sido afundado pelas forças do Eixo. Ocorreria inclusive uma perseguição às comunidades dessas nacionalidades que ainda usavam da cultura e línguas, sendo necessárias mudar de nome.

Não iria demorar para Oswaldo Aranha avisar Otto que ele seria preso pelo governo brasileiro e que sua empresa seria tomada pelo estado. Qual o crime de Otto? Apoiar Hitler? Não! Apenas ter nascido na Alemanha. Um empreendedor tão visionário e sonhador fora visto como inimigo do estado por Getúlio Vargas, apenas por ser alemão. Mas antes de ser preso, Otto iria transferir o comando da Varig para seu primeiro funcionário, Ruben Berta. A Varig era naquele momento uma empresa sólida e relevante para o país, mesmo assim Otto não quis vendê-la.

O objetivo de transferir a empresa para Berta foi que Otto queria que seus funcionários e demais colaboradores tomassem conta da empresa, afinal, era uma questão de confiança. O compromisso era de Berta construir, com outros gaúchos, uma estrutura jurídica que protegeria a Varig. Foi assim que surgiu a fundação dos funcionários da Varig em 1945, a nova controladora da empresa, uma tentativa de proteger a companhia aérea de futuras ingerências políticas.

Berta iria impor um novo ritmo para a empresa, sendo um presidente visionário, tornando-a internacional. Após a compra da Aero Geral, que fazia voos para o nordeste brasileiro, a Varig começa a sair da região sul e sudeste, expandindo sua linha de serviços. No ano de 1955, ela ganha o direito de voar para Nova York, e Berta logo percebeu que isso era um novo desafio para a companhia aérea, mostrando ser um líder. Ele sabia que teria que concorrer com grandes empresas do setor, como a Pan American World Airways, e precisou comprar novos aviões. Berta queria melhorar algo no serviço e fazer coisas que os americanos ainda não faziam. A ideia do empreendedor foi trazer os melhores pratos do restaurante de seu amigo carioca para os aviões que iam para Nova York. O novo cardápio especial acaba surpreendendo os clientes, que começam a recomendar a Varig para seus conhecidos. Vinhos que hoje só são servidos na primeira classe, eram servidos para todos os passageiros da Varig, além de carne de primeira. Mas não ficou só por isso. Berta exigiu que mulheres atraentes e competentes fossem trabalhar como comissárias de bordo, capacitando-as para atender melhor. Os boeings 707 com motor Rolls Royce foram usados pela Varig, e isso permitia viagens do Rio para Nova York sem escalas, fazendo a empresa ser cada vez mais notada no cenário internacional.

Com o governo de Juscelino Kubitschek, em fins dos anos 1950, o novo presidente promete desenvolver o país economicamente. Seu principal slogan foi “governar é construir estradas”. Assim, acabaria deixando em segundo plano o setor aéreo do país. A construção da capital Brasília e sua política cambial acabaram não favorecendo o Brasil. E para pior, no posterior governo de Jânio Quadros, a inflação iria disparar e a economia quebrar.

Com sua política de desvalorização da moeda nacional, o Cruzeiro, a política de Jânio iria afetar negativamente todas as empresas aéreas brasileiras. Inclusive, a grande companhia, o Consórcio Real Aerovias, acabou tendo que fechar as portas. Assim, Jânio pressionou Berta para comprar a Real, ameaçando uma estatização desse setor. Jânio promete que o governo iria garantir o sucesso da operação e cobrir a dívida, caso a compra seja concluída. No entanto, poucos dias depois ocorre a renúncia de Jânio, deixando o presidente da Varig endividado.

Mesmo comprando a Real Aerovias, a ameaça da estatização da empresa não iria desaparecer. João Goulart queria estatizar as empresas aéreas para criar uma grande companhia nacional no setor. Mas em 1964, a economia iria se estabilizar com a tomada do poder pelos militares, e esse cenário se torna mais favorável para a Varig, que passou a dominar o mercado sul-americano.

Uma grande concorrente da Varig, a Panair do Brasil, iria entrar em conflitos com os militares após uma polêmica envolvendo seus donos, e a empresa teria sua falência decretada. O que aconteceu foi que milicos resolveram privilegiar a Varig, já que eles tiveram uma rixa com os donos da Panair, assim, a década de 1960 seria bastante promissora para ela. Após tanto sucesso empresarial, no ano de 1966, tanto Ruben Berta quanto Otto Meyer falecem. Eles deixaram um legado não só na companhia aérea, mas no Brasil inteiro. Após briga interna pelo poder na organização, Erik Kastrup, funcionário que Berta designou como seu substituto, acabou assumindo o cargo.

A década de 1970 seria um período muito promissor para a empresa. O chamado milagre econômico brasileiro no período beneficiou todas as empresas aéreas do país, e logo a Varig seria escolhida pelos militares para ser sua companhia favorita. Ela também seria um posto avançado da diplomacia brasileira, já que bastava procurar um estabelecimento da companhia aérea no exterior para entrar em contato com o Brasil. Numa época que as pessoas não tinham internet e computadores, a empresa aérea ajudava brasileiros que moravam no exterior a contactar seus parentes. As pessoas inclusive gostavam do serviço da Varig por trazer medicamentos sem cobrar a taxa de viagem. Ela chegou a voar praticamente para todos os continentes, chegando a ser um símbolo do nosso país. E para não deixar de mencionar, neste período, o serviço de bordo da Varig foi premiado como o melhor do mundo.

Entre 1980 e 1990, a presidência foi assumida por Helio Smidt, um parente do Ruben Berta. Ele foi um homem carismático que tomava decisões com consenso com outros membros. No entanto, a década de 1980 seria péssima para o Brasil em termos de crescimento econômico. Além da crise internacional, a economia brasileira piorava com as trapalhadas econômicas feitas no governo de José Sarney. A hiperinflação galopante marcou a vida de todas as famílias naquela época, e houve planos fracassados de congelamento de preços, mostrando o fracasso do intervencionismo estatal. Todos os setores foram impactados, mas a Varig foi fortemente prejudicada, ainda mais com o congelamento tarifário. O fato de o dólar ter disparado fez a Varig tomar prejuízos, sendo ela obrigada a continuar vendendo passagens na moeda brasileira.

Esse episódio terrível na nossa história apenas nos mostra como decisões políticas destroem não só empresas, mas sonhos e empregos, impactando a vida de todos. Alguns criticam o ex-presidente da Varig, por indicar pessoas para gerenciar departamentos, muito mais por afinidade pessoal do que por competência técnica e experiência. De fato, esse erro é de se considerar quando se considera o sucesso empresarial. Outros relatam que os gestores da companhia aérea eram perdulários e pouco se importavam com os custos. Isso explica o fato dela ter tido ligação e ajuda do governo durante o tempo militar, e foi se formando uma péssima cultura empresarial.

Essa crise acentuada iria persistir durante anos, até que a companhia foi a leilão em 2006. No dia 20 de julho daquele ano, a Varig foi finalmente vendida por R$ 52 milhões, e cerca de mais de 5 mil postos de trabalho foram cortados em um único dia. Seria a Volo do Brasil a comprar a Varig. Se tratava de uma sociedade de empresários brasileiros com um fundo americano, que já tinha comprado sua subsidiária de cargas, a Varig Log. Pouco tempo depois, a Volo acabou vendendo a Varig à Gol em março de 2007 por cerca de US$ 320 milhões.

Enfim, no país onde o governo odeia empreendedores e visionários, e prefere comprar votos com populismo e demagogia, tornando todos dependentes do estado, nossa falta de protagonismo no mercado não é de se surpreender. O governo apenas beneficia os grandes empresários que fazem lobby, criando uma péssima cultura antimercado. A lição é que enquanto não nos livrarmos das políticas intervencionistas que causam tantas crises e instabilidades, nossa economia nunca irá crescer de maneira sólida, e o Brasil sempre fará breves voos de galinha.

Referências:

https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2021/07/do-pioneirismo-ao-leilao-por-que-a-varig-quebrou-ckr5m3qfe00c3013b6ltm39uv.html
Documentário: Varig, a caixa preta do Brasil.