Quando foi que passamos a normalizar a mentira, os erros e aceitar a tirania como algo normal? O que aconteceu na União Soviética pode acontecer no Ocidente e Alexander Soljenítsin tem uma lição para todos nós.
Alexander Soljenítsin foi um dos mais proeminentes escritores russos do século XX, que chegou a ganhar o prêmio Nobel de literatura em 1970. Por ter testemunhado e sido vítima do brutal regime soviético durante o stalinismo, ele viveu o que existe de mais assombroso de uma ditadura comunista. Tendo sido um preso político num Gulag, os campos de concentração soviéticos, ele conseguiu coletar relatos de várias outras pessoas que passaram pela mesma experiência. Sobre isso, ele escreveu um grande livro originalmente lançado em vários volumes densos intitulado “O Arquipélago Gulag”. Por tudo isso, esse intelectual tem muito a nos ensinar, já que os países ocidentais, por incrível que pareça, ainda mantêm uma boa parcela de apoiadores das ideologias marxistas.
Devido ao decaimento moral e espiritual da população russa, Soljenítsin tem várias críticas a esse povo por deixar seu país sucumbir a um regime tão cruel, e a uma vida de falsidades. Ele alertou para o perigo da morte espiritual que abalou a Rússia, pois os russos facilmente abriram mão da verdade e de seus princípios, por promessas de sociedade utópica e ideal. Segundo ele, os russos foram perdendo sua força, orgulho e paixão e esquecendo os ensinamentos ancestrais para acreditarem nas ideias que os governantes lhes iam impondo. O dissidente soviético reconhece o tremendo erro que foi adotar aquele espírito revolucionário durante a conquista do poder pelos bolcheviques, e que isso teve um enorme custo humano, espiritual e material.
Como poderia ter dado certo um país moldado pelo terror, pela tirania de déspotas que prometiam o que não podiam cumprir. Como poderia os métodos violentos e a guerra civil que deixou milhões de mortos na Rússia tornar aquele país mais justo e solidário? Assim, Alexander Soljenítsin conclui: “Sabemos agora que a vileza dos meios gera a vileza do resultado. Que nossas mãos estejam limpas!” Ele percebe então que o maior mal que assolou o povo russo foi a aceitação das mentiras, foi isso que acabou sendo o alicerce da tirania de Lênin, Stalin e tantos outros déspotas comunistas. Sobre isso, o dissidente soviético nos explica:
“Quando a violência irrompe sobre a condição humana pacífica, seu rosto está cheio de autoconfiança, exibe em sua bandeira e proclama: “Eu sou a Violência! Abri caminho, afaste-se, eu vou te esmagar!”. Mas a violência envelhece rapidamente, alguns anos passam – e ela não tem mais certeza de si mesma. Para se sustentar, para parecer decente, ela irá com certeza invocar sua aliada – a mentira. Pois a violência não tem nada para se cobrir, a não ser a mentira, e a mentira só pode persistir através da violência. E não é todos os dias e nem sobre todos os ombros que a violência derruba sua mão pesada: ela exige de nós apenas uma submissão à mentira, uma participação diária no engano – e isso basta como nossa fidelidade”.
Ele então chega à conclusão que a chave que poderia libertar o povo tão sofrido russo do regime soviético seria o de tomar a responsabilidade por suas ações, e não participar mais na mentira coletiva que era imposta e aceita. Não é difícil de entender o recado de Soljenítsin aos povos de todo o mundo, sobretudo a nós, ocidentais, para não permitirmos aqui o que aconteceu em sua terra natal. Podemos ver, facilmente, levando em consideração algumas ditaduras latino-americanas, e outros governos liderados por comunistas assumidos, como essas pessoas precisam criar narrativas para se sustentar no poder. Esses supostos líderes, que não passam de tiranos prepotentes, não tem soluções para melhorar de fato a vida do povo. São apenas pessoas perturbadas mentalmente que querem o poder mais do que qualquer outra coisa. O único resultado que esses demagogos e mentirosos conseguem entregar é uma piora em todos os aspectos da nossa vida! Usam do aparato estatal para nos roubar, nos calar e criar toda uma farsa perpetrada pelos grandes agentes do sistema: a grande mídia e os intelectuais.
Soljenítsin denuncia a covardia dos russos para impedir que seu país fosse totalmente controlado pelos comunistas, as pessoas se contentaram a se conformar com o novo estado das coisas, e evitar a punição por dizer a verdade. Vejamos um dos recados que esse importante pensador tem a nós:
“Nunca apoie mentiras conscientemente! Tendo entendido onde as mentiras começam (e muitos veem essa linha de forma diferente) – recue dessa extremidade gangrenosa! Não colemos de volta as escamas esvoaçantes da Ideologia, não recolhamos seus ossos em ruínas, nem remendemos sua roupagem em decomposição, e ficaremos surpresos com a rapidez e impotência com que as mentiras cairão, e o que está destinado a ficar nu será exposto como tal ao mundo”.
Ele reconhece que é difícil seguir o caminho da verdade, afinal, quem se opõe às mentiras divulgadas pelo regime no poder corre risco de vida e de perder oportunidades de emprego. O caminho é difícil, mas é a única forma de nos libertarmos. Em seu alerta, ele ainda diz que os jovens que querem viver pela verdade devem saber o que vêm pela frente, pois receberão provas e testes recheados de mentiras, e escolhas morais precisarão ser feitas. Mas seguir o caminho da verdade é como defender a independência e evitar viver num estado deplorável de servilismo espiritual. Soljenítisin então dá um recado àqueles indivíduos conformistas e covardes que escolheram o caminho das facilidades e do engano:
“E quanto àquele que não tem coragem de defender até mesmo sua própria alma: que não se vanglorie de suas visões progressistas, vanglorie-se de sua condição de acadêmico ou artista reconhecido, cidadão ilustre ou general. Que ele diga a si mesmo claramente: eu sou gado, sou covarde, busco apenas conforto e satisfazer meu apetite”.
É isso o que acontece com aqueles que se curvam ao sistema e decidem defendê-lo em troca de uma vida de facilidades e prestígio, além de bons salários. Afinal, o maior poder do estado, para com aqueles que tem aptidões políticas e intelectuais, ou mesmo artística, é o de subornar, na tentativa de comprar sua alma. Podemos ver como é comum a elite política comprar todas essas classes que citamos com empregos públicos, subsídios e outros benefícios e titulações. Sempre foi difícil convencer as pessoas do que é certo, de seguir o caminho da virtude e da moralidade, ainda mais quando os incentivos na burocracia estatal são inversos. Até mesmo no setor privado, se olharmos para a realidade econômica dos países ocidentais, aquele empresário que adere a relações promíscuas com políticos e os subornam consegue ter sucesso mais rápido. Mesmo assim, a mensagem da verdade precisa ser passada, pois com o tempo teremos cada vez mais pessoas honestas e com a alma purificada para erguer outras milhares de pessoas a trilhar esse caminho tão nobre.
O governo sempre foi composto de uma minoria, mesmo os exércitos e forças policiais não são maiores que o grande coletivo de cidadãos que formam as cidades e países. Pois bem, será possível para um Hitler ou um Stalin criar um regime opressor sozinhos? Temos que ter isso em mente, pois esses ditadores genocidas tiveram apoio de milhões, seja dos fanáticos militantes, ou daqueles que apenas se omitiam perante seus desmandos. Nenhum governo, por mais poderoso que possa parecer, consegue se manter no poder sem apoio popular e por isso, ele precisa controlar a narrativa, subornar a imprensa e atacar os dissidentes. Tudo isso está acontecendo aqui, no Brasil, bem embaixo do nosso nariz, e quem não enxergou isso até o momento, talvez já tenha se perdido na escuridão da ignorância.
Todos os abusos e violações de direitos começam aos poucos e vão atingindo indivíduos que gradativamente vão sendo vilipendiados pela propaganda do regime. No processo, os adversários dessas vítimas irão aplaudir, alguns jornalistas comprados irão defender o autoritarismo contra aqueles seres indesejados, mas no final, como a sanha ditatorial não tem fins ou limites, essa brutalidade chegará a todos. Muitas pessoas, infelizmente, estão bastantes dispostas a fazer a engrenagem da violência estatal funcionar, e essas pessoas são os prostitutos morais sem alma que apenas querem alguma gratificação, um cargo ou benefícios do governo. Outras não tem sequer a capacidade de pensar, de ter uma percepção correta da realidade e criticar os erros e desmandos da elite que nos manipula e escraviza. Essas pessoas, infelizmente, sucumbiram à mentira de tal forma que nem sequer conseguem reconhecer a realidade, perderam a capacidade de fazer as mais simples análises racionais.
Após o longo e brilhante trabalho de pesquisa de Alexander Soljenítsin sobre as mazelas que assolaram a Rússia sob o comunismo, ele chegou à conclusão final:
“Os homens se esqueceram de Deus; é por isso que tudo isso aconteceu”.
Ele explica que como as pessoas deixaram de perceber a dimensão divina da vida, que seria algo transcendental, as pessoas passaram a aceitar e até defender os grandes crimes do século XX. A percepção de justiça e de lei natural se foi, o que sobrou foi apenas o mundo de desejos, de interesses e de ganhos materiais.
Assim, se referindo à Primeira Guerra Mundial, ele escreve:
“Foi uma guerra quando a Europa, repleta de saúde e abundância, caiu em uma fúria de automutilação que não pôde deixar de minar suas forças por um século ou mais, e talvez para sempre. A única explicação possível para esta guerra é um eclipse mental entre os líderes da Europa devido à sua consciência perdida de um Poder Supremo acima deles. Somente uma amargura sem Deus poderia ter movido estados ostensivamente cristãos a empregar gás venenoso, uma arma tão obviamente fora dos limites da humanidade”.
Portanto, não é difícil de perceber que a falta de virtudes morais e espirituais propiciaram o surgimento do nazi-fascismo e a expansão do comunismo em diversos países. Como poderia pessoas que seguem leis universais e tem uma sólida régua moral permitir o holocausto, o holodomor, as bombas atômicas e todos os crimes contra inocentes? Quando nos eximimos da nossa responsabilidade como ser humano, e deixamo-nos levar pelos discursos fáceis e politicamente corretos, nos tornamos apenas um bando, uma ovelha de rebanho a ser tosquiada por tiranos. O escritor russo nos alerta que o que impede a guerra e garante paz no mundo são os corações fortes de indivíduos firmes.
O pensador russo declarou que se o mundo for salvo desse cenário cada vez mais apocalíptico, será devido a uma mudança de consciência, uma volta à lucidez espiritual. Pessoas íntegras e de coração forte, que querem ver um mundo melhor precisam fazer sérios esforços individuais para impedir cenários cada vez mais desumanos e catastróficos, como aqueles do século XX.
Refletindo sobre o passado do povo russo, ele diz que numa época longínqua o ideal social daquele povo não era a fama, nem a riqueza ou sucesso material, mas valorizavam na verdade um modo de vida piedoso. Assim, a Rússia foi imersa no que identificou como um Cristianismo Ortodoxo, que permaneceu fiel à Igreja dos primeiros séculos. A ortodoxia daquele período conseguia salvaguardar seu povo do jugo de uma ocupação estrangeira, como aconteceu. Ele explica como a fé foi uma importante força formadora e unificadora da grande nação russa: “Durante esses séculos, a fé ortodoxa em nosso país passou a fazer parte dos próprios padrões de pensamento e personalidade de nosso povo, as formas de vida cotidiana, o calendário de trabalho, as prioridades em cada empreendimento, a organização da semana e do ano”.
No entanto, essa ortodoxia foi sendo gradualmente e gravemente enfraquecida. O imperador Pedro iria abalar o país com suas transformações impostas à força no século XVIII, que iriam favorecer alguns setores como os militares, o estado em si e a economia, em detrimento do espírito religioso. Sobre isso, Soljenítsin revela, em suas palavras:
“E junto com esse iluminismo (...) desequilibrado, a Rússia sentiu o primeiro sopro de secularismo; seus venenos sutis permearam as classes educadas no decorrer do século XIX e abriram o caminho para o marxismo. Na época da revolução, os círculos educados russos haviam virtualmente perdido a fé; e entre os ignorantes, sua saúde estava ameaçada”.
Ele identifica os males por trás do marxismo e o perigo que essa ideologia representa para uma sociedade. Para ele, a principal força motriz desse sistema filosófico criado por Karl Marx está no ódio a Deus, que na verdade é mais fundamental do que os seus outros objetivos políticos e econômicos. Inclusive, foi o próprio Fiódor Dostoiévski que percebeu na Revolução Francesa uma perigosa lição, em suas palavras de que “a revolução deve necessariamente começar com o ateísmo”.
Desmascarando a agenda marxista e comunista como o mal do século XX e seus planos para o mundo ocidental, o escritor russo escreve:
“O ateísmo militante não é meramente incidental ou marginal à política comunista; não é um efeito colateral, mas o pivô central. Para alcançar seus fins diabólicos, o comunismo precisa controlar uma população desprovida de sentimento religioso e nacional, e isso acarreta a destruição da fé e da nacionalidade. Os comunistas proclamam esses dois objetivos (...) e os colocam em prática abertamente”.
Denunciando as barbaridades comunistas, como a perseguição à religiosos com o objetivo de criar um novo Deus, sob a forma de um estado comunista, o dissidente soviético nos revela o que foi feito sob o governo Bolchevique. Já na década de 20, as primeiras vítimas da revolução estariam entre o clero ortodoxo. A brutal e poderosa Tcheka de Lênin fuzilaria dois metropolitas, um deles Benjamin de Petrogrado, que tinha sido eleito pelo voto popular de sua diocese. O patriarca Tikhon também foi detido e morreu sob circunstâncias misteriosas. Além disso, vários arcebispos, bispos e dezenas de milhares de padres, monges e freiras foram covardemente torturados, fuzilados ou enviados para campos, enquanto leigos foram impedidos de acessar a Igreja. Enfim, as campanhas sob Josef Stalin, na década de 1930, resultaram na morte de 15 milhões de camponeses inocentes, sendo interpretada como uma medida para destruir o modo de vida nacional e eliminar a religião. A desumanização e a perversão espiritual foram fortemente promovidas nas prisões do Arquipélago Gulag.
Mas Soljenítsin tem uma mensagem de esperança, até porque, apesar da força imponente dos regimes comunistas e todo o seu arsenal militar, ele está condenado a nunca vencer o Cristianismo. Apesar de haver alguma liberdade religiosa no ocidente, ele aponta o grande declínio da consciência religiosa entre os ocidentais, que foram marcados por guerras religiosas e o avanço do secularismo ao longo de séculos. No entanto, ele nos lembra que a essência da nossa existência está em na escolha entre o caminho do bem, que é o da verdade, ou o do mal, que é o da mentira. Por isso, todas as tentativas atuais de buscar novas soluções para os desafios da nossa sociedade não darão certo sem um retorno à dimensão espiritual, sem a busca pela verdade.
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Alexander SOLJENÍTSIN, o principal dissidente SOVIÉTICO
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