12 Mar. 2024
Escritor: Lucasnadamais
Revisor: Paulo Wesley
Narrador: Paulo Wesley
Produtor: Paulo Wesley

A roupa nova do Rei

Manchete da Folha de São Paulo, fevereiro de 2024: “Lula evita falar sobre ato de Bolsonaro, e jornalista é vaiada após pergunta”.

Das matérias pesquisadas, nenhuma elucidou quem eram as pessoas que estavam de fato presentes no evento. Nos vídeos veiculados não se vê bandeiras, camisas vermelhas nem os bonés do MST tão característicos. A maioria delas, contudo, deixou subentendido que as vaias direcionadas à jornalista haviam partido de apoiadores do atual presidente e de outros jornalistas presentes no evento:

“A jornalista Lu Aiko Otta, do Valor Econômico, aproveitou a presença de Lula ao lado dos ministros e então questionou sobre o ato promovido por Bolsonaro (...) Ela foi vaiada por militantes que estavam presentes no evento.”

Agora observe o seguinte trecho da mesma matéria:

“A Folha de São Paulo não pôde participar da entrevista. A Secom apenas permitiu a participação na entrevista de jornalistas da área que haviam sido previamente convidados e não aceitou a substituição dos nomes previamente definidos pela secretaria por outros indicados pelo jornal.”

Recordemos que, o então presidente do Grupo Globo, Roberto Marinho, afirmou que em 1984 apoiou a "revolução", isto é, o Regime Militar. Fato, este, que deu origem à retratação pública da Globo no ano de 2013. Não se trata de defender a liberdade, ou o futuro do país, quando observamos os veículos de comunicação e percebemos o monstro no qual se transformaram, entendemos que tudo gira em torno de defender, a qualquer custo, os próprios interesses. Uma frase supostamente atribuída a Voltaire afirma: “Se quiser saber quem controla você, é só observar a quem você não pode criticar”.

Duas coisas ficam límpidas nos trechos destacados: a primeira, é o fato de que ainda que as vaias tenham partido também de jornalistas, admitir isso publicamente seria constrangedor e iria em direção diametralmente oposta ao que seria definido como bom jornalismo. Exemplo disso foi o vídeo vazado da redação de um jornal bastante conhecido, onde seus funcionários comemoraram efusivamente a eleição do atual presidente como se a vida deles dependesse daquela vitória. A segunda observação é a de que cada vez mais o presidente da república precisa selecionar quem o rodeia a fim de evitar perguntas que possam revelar verdades incômodas, é a negação da realidade, desta vez apoiada pela imprensa supostamente livre.
"A Nova Roupa do Rei", é um conto escrito pelo renomado autor dinamarquês Hans Christian Andersen, nascido em 1805. Publicada pela primeira vez em 1837, a história transcende fronteiras culturais, tornando-se uma das mais conhecidas fábulas infantis em todo o mundo.

A trama gira em torno de um rei vaidoso e ingênuo que é enganado por dois astutos tecelões. Estes afirmam ser capazes de confeccionar uma roupa tão extraordinariamente fina que é invisível para qualquer pessoa que seja incompetente ou tola. Diante do receio de ser considerado inepto, o rei finge ver a suposta vestimenta, e a farsa atinge seu ápice durante uma parada real, quando toda a corte e a população corroboram com a ilusão.

"A Nova Roupa do Rei" é mais do que uma simples narrativa infantil; ela aborda temas profundos, como vaidade, submissão, conformismo social e a necessidade de discernimento. A história destaca a vulnerabilidade da liderança quando guiada pela busca cega pela aprovação e pela incapacidade de questionar a verdade. Além disso, ressalta a importância da honestidade e da coragem para desafiar as falsas narrativas, mesmo quando elas são perpetuadas pela maioria ou por indivíduos em posição de poder.

A obra de Andersen continua a ser relevante ao longo do tempo, oferecendo lições atemporais sobre a natureza humana e os perigos da ilusão coletiva. Sua abordagem perspicaz e lúdica torna "A Nova Roupa do Rei" uma história cativante e educativa para todas as idades.

Pensemos, então, em todas as indicações de cargos de alto escalão realizados no último ano. Na nomeação de ministros, indicações para altas cortes. Quando um líder se cerca de seguidores leais, seja por apoio financeiro ou pela escolha de pessoas que fortaleçam seu poder pessoal em detrimento da competência, a razão estratégica por trás dessa decisão, está em assumir uma abordagem que visa principalmente beneficiar a si mesmo, em vez de promover o bem-estar da nação.

Em regimes autoritários, a nomeação de indivíduos com base no mérito, em vez da lealdade cega, pode resultar em uma gestão mais eficaz e em melhores resultados para o país. Contudo, essa escolha também apresenta riscos consideráveis, já que um indivíduo competente nomeado poderia se tornar uma ameaça ao líder, seja através de manobras eleitorais, intrigas palacianas ou revoltas. Mesmo discordâncias sobre políticas cruciais poderiam minar significativamente o poder do líder.
Optando por nomear pessoas com base na lealdade, o líder garante um apoio político, financeiro ou militar adicional, mesmo que isso signifique colocar indivíduos incompetentes em posições-chave. A longo prazo, essa prática pode levar a nação à decadência se incompetentes forem constantemente favorecidos. Ainda assim, líderes fazem essa escolha pois percebem que ela oferece maiores chances de manter o poder em comparação com alternativas. Essa dinâmica é frequentemente observada em sociedades corruptas ou ditatoriais em todo o mundo em desenvolvimento. Cargos no governo, promoções militares, empregos públicos e contratos governamentais lucrativos são frequentemente concedidos a indivíduos próximos ou àqueles capazes de oferecer os maiores subornos. Um indicador positivo do desenvolvimento de um país é quando ele supera essa fase e distribui poder, influência e recursos de maneira justa, equilibrada e meritocrática.

Segundo relatos históricos, Calígula tinha um cavalo chamado Incitatus, que ele apreciava e tratava com grande luxo. A história mais conhecida sobre Incitatus afirma que Calígula, em um gesto bizarro, teria nomeado o cavalo como cônsul, uma das posições políticas mais altas e prestigiosas da antiga Roma. Essa história talvez não se trata, contudo, da excentricidade do ditador, mas da despreocupação em uma boa execução do trabalho. Sendo Calígula um déspota, pouco lhe importava se haveria excelência e competência.

Nos países ocidentais, muitas normas que abordam essas questões são rigidamente estabelecidas. Regulamentações sobre compras governamentais e critérios para nomeações políticas são adotadas para garantir eficiência e transparência. Embora líderes em democracias frequentemente busquem preencher suas equipes com apoiadores políticos, o risco de perder a reeleição caso a incompetência prejudique sobremaneira o sistema e a presença de partidos políticos robustos ajudam a mitigar essa prática, teoricamente garantindo o mínimo de competência nos cargos-chave.

Em "1984", obra distópica de George Orwell, a reescrita da história é um aspecto crucial do controle totalitário exercido pelo Partido. O Ministério da Verdade é encarregado de reescrever documentos históricos para se adequar aos interesses do Partido e garantir que a versão oficial da história esteja alinhada com a narrativa propagandística do regime. Dessa forma, o passado é constantemente ajustado e reinventado para atender aos objetivos políticos imediatos do Partido, criando uma realidade fluida e manipulada. Essa manipulação da história é uma ferramenta poderosa para o controle do pensamento e a perpetuação do poder absoluto do Partido sobre a população.

Observe que a distopia Orwelliana apenas se concretiza em um ambiente de informação rígidamente controlada e centralizada. Contudo, o movimento em direção à liberdade e à informação descentralizada é inevitável. Esses mesmos jornalistas, talvez num futuro não muito distante, terão que escrever cada um a sua própria retratação e fazer a mea culpa, se quiserem sobreviver dessa profissão e se ainda lhes restar dignidade.

Referências:

https://www.infomoney.com.br/politica/relembre-o-editorial-de-roberto-marinho-apoiando-a-ditadura-e-a-retratacao-da-globo-em-2013/ https://arteref.com/opiniao/por-que-o-conto-a-roupa-nova-do-rei-e-tao-atual/

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