Empresas norte-americanas querem retomar o trabalho presencial, mas seus funcionários pedem salários mais altos para voltar ao antigo modelo de trabalho. É assim, meus amigos, que funciona o livre mercado!
A partir do início da grande crise sanitária de 2020, muitos aspectos da vida cotidiana precisaram ser alterados - por imposição de forças maiores, podemos assim dizer. O hábito de comprar coisas pela internet - como roupas, equipamentos eletrônicos e, especialmente, comida - se tornou mais forte, inclusive entre os brasileiros. Essa tendência, ao que tudo indica, veio para ficar. O mesmo pode-se dizer do consumo de serviços de streaming - cujo aumento foi responsável por enfraquecer os cinemas, ao fim do período de “fecha tudo”.
Outro ponto, contudo, que sofreu fortes modificações nesse período, foi o próprio trabalho. Durante a crise sanitária, a modalidade do trabalho à distância, feito de casa - ou seja, o home office - que já existia, de forma pontual, foi reforçada, dadas as necessidades do momento. O que antes funcionava como uma experiência, protagonizada por empresas vanguardistas, se tornou quase que a regra geral, em muitos setores da economia. De fato, muita gente foi empurrada para esse sistema sem qualquer preparo, enquanto a maioria das empresas foi pega desprevenida.
Contudo, a verdade é que as coisas se ajustaram de tal forma, que em muitos casos, os funcionários sequer voltaram para o trabalho presencial, após o fim da pandemia - pelo menos, no que se refere à presença em tempo integral no estabelecimento. De 2020 para cá, o trabalho totalmente remoto, e também o híbrido - ou seja, a modalidade que conta com a presença dos funcionários na empresa, mas que permite alguns dias de trabalho em casa - continuam em alta, em grande parte do mundo civilizado.
De maneira geral, foram observadas algumas vantagens, quando se compara o modelo atual, com o padrão de antes da pandemia. Os funcionários relatam um bem-estar maior, ao trabalhar em casa, enquanto que os custos fixos com local de trabalho, energia elétrica e demais instalações foram drasticamente reduzidos, representando também uma vantagem para as empresas. Nos Estados Unidos, onde o cenário de liberdade econômica permite o teste de variadas formas de trabalho, essa situação atingiu proporções gigantescas, com quase 30% de todos os salários pagos referindo-se a trabalhos realizados diretamente de casa. Isso ajuda a explicar, inclusive, a crise imobiliária comercial que se aproxima no horizonte norte-americano - os prédios comerciais simplesmente estão vazios.
É óbvio que, em comparação, essa tendência não “pegou”, aqui no Brasil - porque o nosso país é uma verdadeira loucura trabalhista. Por aqui, não existe qualquer tipo de maleabilidade, no que se refere às relações de trabalho - o governo tem que regulamentar tudo, item por item, sendo que isso sequer é suficiente para que as empresas evitem ações trabalhistas. O resultado disso, como não poderia deixar de ser, é que o trabalho do brasileiro possui baixa produtividade, e acaba por ser engessado, justamente numa época em que tudo muda, e muito rápido. Mas isso é tema para outro vídeo.
Voltando ao home office: alguns dados apontam para a tendência de que o trabalho à distância, ou ao menos o modelo híbrido, continue se expandindo nos Estados Unidos. Aparentemente, esse é o trabalho do futuro, pelo menos em parte, como indicam os dados do site ZipRecruiter, um agregador de vagas de trabalho. Um terço de todas as vagas anunciadas em seu sistema se referem a modalidades de trabalho híbrido ou remoto.
Só que, num cenário oposto, nem todas as empresas concordam com essa tendência. Em alguns setores econômicos, o padrão de migração para o trabalho à distância já começou a ser revertido - com empresas preferindo retornar ao modelo presencial mesmo. Um dos primeiros críticos do home office foi o próprio Elon Musk, que chegou a classificar essa forma de trabalho como sendo moralmente errada. Na sequência, grandes empresas começaram a reduzir a quantidade de horas trabalhadas em casa. Foi o caso da IBM, da Blackrock, e também de grandes bancos norte-americanos: ou essas empresas reduziram a quantidade de dias trabalhados à distância, ou simplesmente mandaram todo mundo voltar ao trabalho presencial.
A reversão do cenário anterior, por parte das empresas, pode ter várias explicações. Talvez, os funcionários, ao trabalharem em casa, não sejam tão produtivos quanto o são, ao estarem inseridos no ambiente profissional, com a cobrança constante de seus superiores. Muitas empresas também valorizam a sinergia entre o grupo de trabalho, que se torna mais presente, é claro, quando todos trabalham juntos. Na verdade, o home office pode mesmo estar prejudicando a formação de um verdadeiro time de trabalho, impactando negativamente, e de forma geral, os resultados da empresa.
Enfim, as explicações são variáveis e, a depender das circunstâncias, podem cair no terreno das especulações. O que não é nada especulativo, porém, é que as empresas se viram num cenário em que é preciso pagar mais caro, para que seus trabalhadores voltem ao serviço presencial. Mas por que isso está acontecendo? Bem, é fácil entender esse fenômeno: os funcionários simplesmente querem receber um salário maior, para ter que abrir mão das benesses de trabalhar em casa.
No modelo de home office, o trabalhador não enfrenta o desgaste com o transporte até o local de trabalho, além de poder trabalhar perto da família, ao invés de ter que passar o dia todo ao lado daquele colega insuportável. Portanto, abdicar desse bem-estar, obviamente, exige uma remuneração adicional.
É claro que nem tudo são flores para os funcionários - porque empresa nenhuma é refém dos trabalhadores. O trabalho remoto também trouxe consequências negativas para a mão-de-obra. Pesquisas feitas nos Estados Unidos estimam que o funcionário que trabalha em casa, em período integral, tem 35% a mais de chance de ser demitido, em comparação com um colega que trabalha presencialmente a semana inteira. Em se tratando do trabalho híbrido, a chance é 7% maior. Ou seja: o trabalho remoto acaba por ser, de certa forma, um risco para o trabalhador.
Perceba, portanto, que estamos testemunhando o funcionamento do mercado, em sua forma mais pura. Todos os agentes econômicos tomam suas decisões, colocando na balança os prós e os contras. Afinal de contas, a mão-de-obra é um produto como qualquer outro - e que, portanto, é regido pelas regras do mercado, como a lei da oferta e da demanda.
Se os benefícios do retorno ao trabalho presencial forem satisfatórios para a empresa, ela vai bancar esse custo. Agora, se o aumento do salário dos seus funcionários não valer a pena, a empresa poderá manter o home office, ou pelo menos o trabalho híbrido. Ou, num cenário mais extremo, a empresa poderá simplesmente renovar sua equipe, demitindo os antigos funcionários, para contratar novos trabalhadores, em condições mais favoráveis.
Na medida em que mais empresas cederem às demandas dos trabalhadores, aumentando seus salários, mais atrativas as vagas de trabalho se tornarão. Portanto, mais pessoas aparecerão para disputar as vagas mais bem remuneradas, aumentando a oferta da mão-de-obra. Isso, por sua vez, vai ter duas consequências imediatas: em primeiro lugar, as empresas terão trabalhadores mais qualificados à sua disposição. De forma geral, a produtividade dessas empresas tende a subir. E em segundo lugar, esse excesso de oferta de mão-de-obra vai pressionar os salários novamente para baixo, até que o mercado encontre um saudável equilíbrio - como, aliás, acontece sempre.
Veja, no fim das contas, a capacidade que o mercado tem de se adaptar, de evoluir, e de se tornar cada vez mais resiliente - isso, é claro, se o estado não impedir esse movimento natural. Quem empurrou as empresas para essa situação, num primeiro momento, foi o próprio estado, com a imposição daquelas famigeradas restrições sanitárias. Por ser uma decisão estatal, esse cenário é, por definição, ineficiente. As empresas, portanto, foram obrigadas a embarcar nessa loucura estatista - e precisaram se adaptar à nova realidade. Passado algum tempo, contudo, essas empresas já conseguem pesar melhor os prós e os contras dessa realidade imposta pelo estado.
A partir daí, novas decisões poderão ser tomadas - agora, é claro, com mais liberdade, do que em 2020. Não é possível determinar qual será a resposta do mercado para as atuais circunstâncias - afinal de contas, nós não somos ditadores prepotentes, para achar que podemos prever absolutamente tudo. O que sabemos, porém, é que, enquanto o mercado imobiliário comercial nos Estados Unidos definha, por conta do home office, as empresas começam a ver que adotar um sistema 100% à distância pode não ser exatamente o melhor cenário.
Qual será a decisão tomada pelas empresas, porém, só o tempo dirá. É assim que o mercado funciona: ideias são tentadas a todo momento, e sua viabilidade é imediatamente avaliada. O que representa um ganho financeiro, não apenas é mantido, como é replicado por outros agentes do mercado. Já as medidas que se mostram equivocadas, tendem a ser rapidamente abandonadas por todos. O mercado é bastante veloz, quando o assunto é se corrigir e buscar sua máxima eficiência. Portanto, quem afirma ser capaz de prever o futuro do mercado de trabalho - se será inteiramente à distância, como profetizado por inúmeros “especialistas por aí”, ou se será como antes - não passa de um charlatão econômico. Danem-se as previsões apocalípticas referentes ao fim das empresas como as conhecemos; nenhum especialista é capaz de determinar os rumos da sociedade humana.
https://neofeed.com.br/negocios/o-home-office-esta-abalado-e-os-trabalhadores-podem-estar-ameacados/
https://vocesa.abril.com.br/carreira/e-o-fim-do-home-office-entenda-o-declinio-do-trabalho-remoto-no-mundo