Entenda como os políticos sempre utilizaram da ideia da janela de Overton para pautar o debate público e impor sua ideologia à população, e como hoje essa estratégia está condenada.
O conceito da Janela de Overton é muito conhecido, principalmente por pessoas que se dedicam a estudar a evolução do debate político em uma sociedade. Essa ideia deve seu nome ao seu criador original, Joseph Paul Overton, que desenvolveu o conceito de sua janela em meados dos anos 1990. Em resumo, Overton teorizou que, no debate público, existem alguns temas que são aceitos em algum momento, enquanto que outros são rejeitados pela sociedade. Contudo, a depender de uma série de fatores, esse cenário pode sofrer mudanças; e temas antes considerados tabus passam a ser amplamente debatidos.
Segundo essa definição, existem graus diferentes de aceitação de determinada ideia. No centro do debate estão os temas classificados por Overton como “políticos” - os assuntos tão bem aceitos que se tornam parte do debate público e estatal, e geralmente são levados em conta na formulação das leis. Ao redor desses temas políticos, se juntam assuntos que são classificados como “populares”. Ou seja, são temas que já têm algum grau de aceitação junto ao povo, embora ainda não sejam abordados nos meios políticos. Na sequência, existem os graus de aceitação sensível, aceitável, radical e impensável. Quanto mais distante do centro do debate, mais tabu é o tema.
Dentro de cada época humana, os diversos temas de interesse social se encaixam dentro dessas categorias. Porém, a adoção prática dessas ideias só é possível se elas estiverem dentro da janela de viabilidade - ou seja, se forem consideradas, no máximo, como sensíveis. Essa é a Janela de Overton: o quadrante no qual se encontram as ideias que têm mais apelo popular. O que estiver fora disso, não vai sequer figurar no debate público. São temas rejeitados pela maioria da população.
Acontece que, ao longo do tempo, essa janela pode se deslocar da direita para a esquerda do debate público, e vice-versa. Assim, temas considerados tabus podem ser vistos com mais normalidade, ao longo do tempo, conforme a mentalidade da população for mudando. O contrário também pode ser observado: questões tidas como normais podem acabar sendo rejeitadas pelo povo, conforme os valores forem sendo alterados. Ou seja, esses temas começam a ser empurrados para fora da janela de Overton.
Por óbvio, essa compreensão de como funciona o debate público é muito utilizada pelos políticos, para manipular a sociedade de forma estratégica, a fim de emplacar suas pautas ideológicas. Aqui, no Brasil, nós vimos isso acontecer de forma muito clara. Ao longo das décadas, diversos temas tratados como tabus passaram a ser tolerados e, em seguida, aceitos pela população. Relativização da propriedade privada, o papel do estado, direitos individuais, aborto, drogas - tudo isso, em algum momento, teve seu significado e sua aceitação remodelados, por meio da ação de forças progressistas na sociedade.
Em resumo, essa é uma estratégia muito usada por socialistas, para conquistar a sociedade, de forma geral, desde suas bases. É por isso que, ao longo das décadas, as universidades, os veículos de mídia, os sindicatos e outras organizações sociais foram sendo ocupadas por gente de esquerda. A ideia - muito estratégica, por sinal - é infiltrar pessoas com pensamento progressista dentro das instituições, para mudá-las de dentro para fora.
Assim, ao longo dos anos, pautas tipicamente de esquerda, mas que nunca foram muito aceitas pelos brasileiros, começaram a ser propagandeadas por todos os lados. Pense, por exemplo, em diversos temas tabus que foram “ensinados” à população através da televisão. As novelas da Globo, durante décadas, fomentaram a ideia do divórcio, da infidelidade, do sexo sem compromisso e outras pautas que, durante muito tempo, foram rejeitadas pelos brasileiros. O resultado prático foi que, com base nesse método, essas ideias passaram a ser aceitas e até praticadas, de forma generalizada.
Isso não é exagero: existem até estudos que mostram como o acesso a novelas da Globo aumentou o índice de divórcios no Brasil. Esse fenômeno se aplica ainda a vários outros temas, mas a coisa funciona da mesma forma. Por meio da repetição e da imposição de determinados assuntos em alguns espaços públicos, a tendência é que a janela de Overton se desloque mais para determinado espectro político. Nesse caso, para a esquerda. Assim, o debate público termina por ser dominado por essas pautas.
Note como, por exemplo, o brasileiro aprendeu a aceitar que a distribuição de renda e a reforma agrária são coisas boas e desejáveis. Ambas se referem a violações da propriedade privada - retirada violenta de dinheiro e terras de indivíduos que são seus legítimos proprietários. Ainda assim, esse assalto estatal é discutido com tranquilidade nos meios políticos. Aliás, até mesmo nossa Constituição consolida, em seu texto, esse tipo de absurdo! No passado, coisas como essas seriam rechaçadas pela opinião pública; hoje, são tratadas como normais.
Por outro lado, a mudança da Janela de Overton para a esquerda transformou diversas questões pertinentes em assuntos polêmicos. Pense que, poucos anos atrás, qualquer político que ousasse falar em privatização seria imediatamente rejeitado pelos eleitores. Aliás, colocar em algum candidato a pecha de “privatizador” era, praticamente, condená-lo ao ostracismo político, como se ele fosse um explorador e quisesse tomar algo do povo. Mais uma vez, trata-se da esquerda ocupando os espaços do debate público com sua ideologia.
Esse fenômeno, por óbvio, já é bastante conhecido - e hoje nós temos dimensão do quanto nossas mentes foram doutrinadas pela TV, pelas escolas e pelos políticos. Se, no passado, esse método era usado de forma dissimulada, a coisa hoje em dia é muito mais clara. E nós devemos isso, em grande parte, à informação descentralizada e distribuída que surgiu com a internet. Na era da rápida circulação de informações, a doutrinação imposta pelo estado e por seus aliados na sociedade ficou evidente para todos. Afinal, hoje podemos ter acesso a diferentes conhecimentos e explicações sobre um mesmo assunto ou acontecimento, assim, desmascarar falácias e narrativas frágeis e simplistas ficou mais fácil.
E, mais do que isso: a janela de Overton começou a se mover, de forma orgânica, para a outra direção. O povo brasileiro se descobriu, nos últimos anos, como conservador. A partir daí, temas que antes haviam sido praticamente criminalizados foram trazidos de volta à tona. Se, décadas atrás, o desarmamento civil era visto não apenas como necessário, mas como desejado, a coisa mudou totalmente de figura. Cada vez mais pessoas, hoje, defendem o direito natural dos indivíduos de portar armas de fogo para defender sua própria vida e sua propriedade.
Aliás, a própria ideia, cada vez mais aceita, de que a propriedade privada é inviolável, decorre justamente da mudança da janela de Overton, com seu deslocamento para a direita. Por outro lado, questões como taxação de grandes fortunas, programas assistencialistas e outros temas que, no passado, eram normalizados, hoje são muito questionados, e de forma aberta. Diferentes pontos de vista são colocados no debate público, a todo momento; e é difícil dizer que, hoje, existe um consenso sobre o que quer que seja.
Se tal consenso existia, no passado, isso se devia ao fato de que o estado conseguia monopolizar a informação, com o apoio das emissoras de TV, dos professores, intelectuais e dos artistas, de forma geral. Só que, hoje, é simplesmente impossível cooptar todos os produtores de conteúdo: o estado se tornou incapaz de impor sua narrativa hegemônica como fazia. Se antes a janela de Overton calmamente se deslocava cada vez mais para a esquerda, rumo ao total socialismo, hoje esse movimento não só cessou - a janela se movimentou de forma brusca para o lado oposto!
Não estamos aqui para dizer o que é certo ou errado, do ponto de vista moral, nem se o atual deslocamento da janela de Overton mais para a direita do espectro político é algo positivo. Isso é algo que vocês devem tirar suas próprias conclusões. O que queremos pontuar é que, no atual cenário de informação descentralizada e distribuída, não faz mais sentido conceber a manipulação da janela de Overton como uma estratégia política. Não estamos mais no passado, onde poucas emissoras de TV mentiam descaradamente, para manipular a população. Estamos numa época em que os grandes veículos de mídia são imediatamente desmentidos no Twitter, por checadores independentes de fatos.
Qualquer deslocamento da janela de Overton, hoje, se dará de forma orgânica, com pessoas assumindo, de forma espontânea, determinados pontos de vista. A tendência, inclusive, é que a sociedade se fragmente cada vez mais, com indivíduos tendo opiniões tão distintas, que eles simplesmente não consigam mais compartilhar dos mesmos valores morais. E isso não é necessariamente um problema. É melhor que as pessoas sejam livres para pensar e escolher seu modo de viver, por conta própria, do que termos um estado nos obrigando a aceitar determinados comportamentos, por simples interesses ideológicos.
https://en.wikipedia.org/wiki/Overton_window
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2009/01/090130_noveladivorciobrasil_np_tc2