CPI das Bets termina em pizza e prova a inutilidade do circo legislativo estatal

Após sete meses de reuniões, audiências e memes, a CPI das Bets terminou em pizza. Resta a lição de que o Estado não pode regular o risco e o entretenimento alheios.

A CPI das Apostas Esportivas, popularmente conhecida como CPI das Bets, chegou ao fim, após 7 meses de trabalho. E no que deu? Bem, não deu em nada. Como se diz no jargão popular, "acabou em pizza", sem aprovar qualquer relatório final. A comissão não conseguiu sequer encaminhar suas conclusões ao Ministério Público ou à Polícia Federal.
Vamos recapitular um pouco a história: era final de 2024 quando o Senado instalou a famigerada CPI das Apostas Esportivas, carinhosamente apelidada de CPI das Bets. Com prazo inicial de 120 dias e voto secreto para prorrogação, o colegiado pôs-se a investigar se as plataformas online andavam drenando o orçamento das famílias brasileiras, financiando facções criminosas e enganando torcedores com propagandas ilusórias. Passadas sete sessões de sabatina, depoimentos coletivos e manchetes escandalosas, chegamos a meados de junho de 2025 – e o saldo é este: nada.
Durante sete meses de trabalho, a comissão realizou audiências com representantes de casas de apostas, especialistas em tributação e saúde mental, além de influenciadores, buscando identificar desde práticas de lavagem de dinheiro até publicidade enganosa. Foram muitos memes e cortes gerados, então a data final se aproxima. Chegou a hora da derradeira sessão, que supostamente resolveria o assunto.
No dia 12 de junho, a relatora Soraya Thronicke (Podemos-MS) apresentou o seu esperado relatório final. Nele, pedia o indiciamento de 16 pessoas – de empresários de casas de aposta a influenciadores digitais bilionários de seguidores, como Virgínia e Deolane Bezerra – por crimes que iam de estelionato e lavagem de dinheiro até associação criminosa e exploração de jogos de azar não autorizados. O texto também propunha vinte novos projetos de lei, incluindo a proibição de jogos virtuais de apostas e restrições à participação de inscritos no CadÚnico.
Na sessão decisiva, o plenário estava mais vazio do que audiência de campeonato de bocha: quatro votos contrários – Angelo Coronel (PSD-BA), Eduardo Gomes (PL-TO), Efraim Filho (União-PB) e Dorinha Seabra (União-TO) – contra três a favor, entre eles a própria relatora, Eduardo Girão (Novo-CE) e Alessandro Vieira (MDB-SE). Placar final: 4×3 para o nada. Sem relatório aprovado, sem indiciamentos encaminhados, sem encaminhamento de um único projeto de lei.
Ali, naquele momento, ficou claro que a CPI fora mais espetáculo do que investigação. Em maio, o depoimento de Virgínia Fonseca virou sensação nas redes quando um vídeo antigo ressurgiu, e em outro dia, o influenciador Rico Melquíades ensinou o “Jogo do Tigrinho” a senadores distraídos. Na plateia, repórteres e “tietes” disputavam selfies no corredor, enquanto deputados cochilavam nas arquibancadas. O protagonismo midiático superou o interesse político: apurou-se mais número de views do que provas.
Ao fim da votação, a relatora, desgastada, desistiu de prorrogar os trabalhos, alegando que nadar contra a maré em um ambiente de espetacularização midiática e desinteresse político seria inviável. Após a derrota no plenário, ela anunciou que entregaria de forma independente o relatório e as provas reunidas diretamente às autoridades competentes, deixando claro a inutilidade do processo legislativo que se propunha “limpar” o mercado de apostas no Brasil, afirmando: “Trabalhar nadando contra uma maré? Eu não vou continuar me desgastando. Todo mundo aqui foi exposto”.
Para nós, defensores da liberdade, esse desfecho não é escândalo, mas uma confirmação lógica e já esperada: quando o Estado se aventura a regular algo tão íntimo quanto o lazer e o risco pessoal, o resultado é sempre ineficiência e autoritarismo disfarçado de “proteção”.
Frédéric Bastiat, brilhante escritor e economista francês do século XIX, já ensinava, em sua obra mais famosa, “A Lei”, que o papel verdadeiro das leis é proteger a pessoa e a propriedade de cada cidadão, nada mais. Quando o governo começa a regular a moralidade ou o comportamento privado dos indivíduos, ele ultrapassa os limites legítimos da lei e se torna um usurpador de direitos. Nesse caso, acontece uma total perversão da lei e da justiça.
Apostar em jogos é, antes de tudo, um contrato livre entre indivíduos adultos: o apostador, que decide assumir um risco calculado; e a casa de apostas, que oferece as probabilidades considerando sua própria margem. Esse acordo ocorre em um mercado voluntário, sem coerção. Quem coloca seu dinheiro “em jogo” sabe que há chance de perda; esse risco é parte integrante da experiência de entretenimento. Apostas são um tipo de jogo: o participante paga um valor em troca da emoção, da expectativa e da possibilidade de ganho. Assim como se adquire um ingresso de cinema ou um bilhete de loteria, o valor investido em uma aposta é o preço do entretenimento. Se o apostador perde, o montante pago já cumpriu sua função, propiciando o momento de lazer. O risco é um elemento presente em todas as atividades humanas que evocam emoção e imprevisibilidade.
É verdade que apostas podem viciar, mas nem todo apostador é viciado. Cabe a cada indivíduo adulto optar quanto da sua renda irá alocar em jogos e entretenimento. A equiparação automática de apostas com vício é estigmatização pura, que coloca qualquer pessoa que lida com incerteza – investidores da bolsa, colecionadores de arte, fãs de esportes, entre outros – sob o mesmo chapéu. Em sociedades livres, o governo não intervém para impedir frustrações econômicas ou para regular o equilíbrio emocional de cada cidadão. Esse tipo de intervenção é, na verdade, uma conduta autoritária feita por engenheiros sociais que querem moldar a vida alheia.
Portanto, o argumento de que “o jogo gera vício” não pode servir de justificativa automática para criminalizar anúncios ou restringir a comunicação sobre apostas. Vícios e comportamentos compulsivos são problemas de saúde mental, que merecem ser tratado como tal: via centros de atendimento, psicólogos, grupos de apoio e — preferencialmente — soluções de mercado, como seguros contra perdas excessivas e limites voluntários de aposta. Proibir propaganda, ao contrário, promove um cenário de clandestinidade, em que o consumidor não encontra informações claras sobre riscos, e termos contratuais, ficando à mercê de operadores mal-intencionados. Além disso, toda ação estatal, que interfere nos mais diversos aspectos da nossa vida, é imoral, pois o governo e seus funcionários são integrantes de uma organização que vive do crime e da violência contra pessoas pacíficas.
Por que, então, o Estado insiste em criminalizar publicidade? Simples: quando não há participação estatal no lucro, por meio de taxas e impostos, aproveita-se a desculpa da “proteção” para expandir a arrecadação e controlar o setor. Desde sempre, governos exploram loterias oficiais e, mais recentemente, ingressaram no mercado de apostas digitais – e não é coincidência demonizarem concorrentes privados que não repassam parte do faturamento aos cofres públicos. É o velho jogo do “faço o que quero e proíbo o resto”: uma estratégia que revela o caráter predatório e oportunista do governo, que nada tem a ver com proteção.
Essa lógica seletiva comprova o viés moralista do Estado: sancionar propagandas alheias enquanto mantém as suas. É hipocrisia exigir “ética” dos operadores privados e ignorar as próprias plataformas governamentais, que lucram alto com a dependência dos apostadores. A transparência e a responsabilidade civil – ferramentas típicas de um mercado livre – seriam muito mais eficazes. Selos de qualidade, auditorias independentes, códigos de conduta e órgãos autorreguladores poderiam garantir que apenas práticas honestas sobrevivam, sem precisar de sinos e assobios de CPIs.
Ao rejeitar o relatório, a CPI das Bets evidenciou, mais uma vez, que políticos e burocratas estatais não têm competência nem legitimidade para gerir o entretenimento alheio. Embora a mídia destaque o tropeço institucional e o possível favorecimento político de influenciadores, a questão de fundo permanece: quem se beneficia do controle estatal sobre comportamentos da vida privada? Sempre o Estado, que amplia sua influência sem entregar a segurança que promete aos cidadãos. Já o livre mercado, com suas forças competitivas e mecanismos de reputação, tem os incentivos corretos para proteger o consumidor, por premiar a conduta transparente e honesta nos negócios.
O combate aos possíveis danos causados pelas apostas deve passar pela responsabilização do indivíduo, pela autorregulação do mercado e pelo uso de mecanismos existentes de combate a ilícitos, não por um paternalismo legislativo que diminui a liberdade e favorece monopólios estatais. Deixar apostar quem quer é permitir que cada adulto gerencie seu próprio entretenimento e suas próprias perdas. Proibir apostas e propagandas nunca resolveu o problema dos vícios, apenas serviu como mais uma desculpa para o Estado se meter em nossas vidas, além de promover uma cultura de infantilização das pessoas. Enfim, o caminho mais racional é tratar o apostador como consumidor adulto, dotado de liberdade de escolha, e a indústria como um setor sujeito às mesmas regras de transparência e responsabilidade civil que qualquer outro segmento de entretenimento.

Referências:

https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/06/12/cpi-das-bets-rejeita-relatorio-final-e-indicimento-de-virginia-deolane-e-mais-14.ghtml

https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2025/06/12/cpi-das-bets-senadores-rejeitam-relatorio-final-com-pedido-de-indiciamento-de-virginia-deolane-e-outras-14-pessoas.ghtml

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/06/12/cpi-das-bets-rejeita-relatorio-final