Farra do INSS: Judiciário varre as investigações para debaixo do tapete

A “farra dos descontos” no INSS movimentou bilhões em fraudes autorizadas pelo próprio estado. Agora, STF e STJ ensaiam o enterro do escândalo — com impunidade e carimbo oficial. Afinal, como poderia o estado resolver um problema que ele mesmo criou?

O escândalo envolvendo o Instituto Nacional do Seguro Social, que tem sido destaque nas notícias das últimas semanas e derrubado ainda mais os índices de aprovação do governo atual, finalmente chegou ao Supremo Tribunal Federal. O ministro André Mendonça determinou que a Polícia Federal (PF), a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU) apresentem informações detalhadas sobre inquéritos em andamento e processos administrativos envolvendo a chamada “farra dos descontos indevidos” sobre aposentadorias. Mas será que a justiça será feita?

A medida foi tomada após uma ação judicial movida por uma entidade em defesa de pessoas com deficiência, que pedia a suspensão imediata dos descontos e a anulação das normas que permitem esse tipo de abuso, além da criação de mecanismos de controle mais rígidos no INSS. O próprio instituto, depois da deflagração da Operação Sem Desconto pela PF, chegou a suspender os descontos irregulares — mas isso só depois que a bomba já tinha explodido.

Segundo a investigação da Polícia Federal, o esquema de fraudes pode ter movimentado até R$ 6,3 bilhões desde 2019. A engrenagem da fraude funcionava por meio de Acordos de Cooperação Técnica (chamados de ACTs), firmados entre o INSS e diversas entidades, permitindo que estas descontassem mensalidades diretamente dos contracheques dos aposentados. O problema é que essas filiações, em grande parte, eram fraudulentas. Os aposentados simplesmente não sabiam que estavam sendo “associados” — e muito menos que estavam sendo cobrados mensalmente por isso.

As entidades envolvidas apresentavam-se como “associações representativas” de aposentados ou pensionistas, mas, na prática, agiam como empresas de fachada que usavam os dados dos beneficiários para gerar uma receita gigantesca com mensalidades não autorizadas. Em apenas um ano, o montante roubado (elas chamam de arrecadado) por essas entidades chegou a R$ 2 bilhões.

Com a Operação Sem Desconto, deflagrada em abril deste ano, os dados coletados pela PF, em grande parte baseados em reportagens de investigação, foram complementados com Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) fornecidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Esses relatórios apontavam movimentações financeiras suspeitas, identificando os beneficiários do esquema e traçando o caminho do dinheiro.

O impacto da operação foi imediato: a demissão do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutti, e do ministro da Previdência, Carlos Lupi. A revelação da fraude escancarou não apenas o envolvimento de entidades privadas oportunistas, mas também o descaso e a conivência do próprio aparelho estatal, que permitiu que esse tipo de desconto ocorresse durante anos sob sua vigilância.

Agora, o STF exige que todas as autoridades envolvidas — Polícia Federal, CGU, Tribunal de Contas da União, INSS, além da Procuradoria-Geral da República e da Advocacia-Geral da União — prestem informações detalhadas sobre a extensão da fraude, os responsáveis, os processos administrativos em andamento e os acordos que deram sustentação legal à prática.

O problema, no entanto, pode estar apenas começando. Em paralelo às cobranças do STF, investigados na operação têm se apoiado em uma decisão recente da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para tentar anular os inquéritos que investigam os descontos indevidos. A decisão em questão determina que nem a polícia, nem o Ministério Público, podem requisitar diretamente ao Coaf os Relatórios de Inteligência Financeira, sem autorização judicial prévia.

Essa tese jurídica já serviu como base para a anulação de um dos principais relatórios usados pela Polícia Federal em São Paulo. O juiz federal responsável entendeu que houve irregularidade na requisição dos dados, e essa anulação pode abrir um precedente para enfraquecer toda a Operação Sem Desconto.

Segundo advogados envolvidos na defesa dos investigados, se outros relatórios forem anulados, a operação perderá a principal base probatória. Eles argumentam que a investigação foi construída com base em reportagens jornalísticas complementadas com os dados do Coaf — e sem os dados do Coaf, não há investigação que se sustente.

Ou seja: depois de bilhões desviados, aposentados enganados, conivência do estado e demissões no alto escalão, o sistema jurídico ainda pode encontrar um meio de proteger os fraudadores e colocar tudo a perder, enterrando mais um escândalo sob o tapete.

Com isso, o que se tem é um quadro de duplo escândalo: o da fraude em si e o do sistema de justiça que, em vez de punir os responsáveis, pode acabar beneficiando-os por questões formais e técnicas — mesmo quando os crimes estão mais do que evidentes.

Esse caso da “farra do INSS” não é um acidente. Não é um ponto fora da curva. É exatamente o que se espera de uma estrutura centralizada, coercitiva e irresponsável que é o estado brasileiro — especialmente em sua versão mais perversa e decadente: o sistema previdenciário estatal. O que se viu com a fraude de bilhões em descontos indevidos não é só corrupção ou má gestão, mas o sintoma natural de um modelo institucional feito para saquear e manipular.

O INSS não é uma entidade benevolente que cuida dos velhinhos e garante aposentadoria digna. É uma máquina de confisco. Seu funcionamento se baseia em extorquir o salário de milhões de trabalhadores ao longo de suas vidas produtivas, com a promessa vazia de devolver uma parte disso décadas depois — desde que eles vivam o bastante, não adoeçam no meio do caminho, e que as regras não mudem no percurso. O que a “farra dos descontos” mostra é que nem isso eles conseguem garantir: nem a migalha prometida depois de anos de roubo compulsório é garantida.

No livre mercado, um esquema desses simplesmente não teria como existir por tanto tempo.

Qualquer empresa privada que cometesse esse tipo de fraude contra seus clientes seria rapidamente desmascarada, abandonada pelos consumidores e processada até à falência. Mas quando a fraude ocorre dentro do estado — ou pior, é autorizada por ele — o cenário é outro: é o contribuinte quem paga, é o beneficiário quem sofre, e é o sistema quem lucra. O INSS não precisou conquistar a confiança de seus “clientes”, apenas impôs sua autoridade com base na violência legalizada. Não há escolha, não há concorrência, e o pior de tudo, não há como sair.

As chamadas "entidades associativas" que descontavam indevidamente do contracheque dos aposentados, só puderam fazer isso porque o próprio INSS autorizava, através de acordos formais. Nenhum aposentado teve a chance de escolher se queria ou não essas associações. Simplesmente foram encaixados nelas, sem transparência, sem aviso, e sem consentimento. Isso, num mercado livre, seria tratado como roubo e estelionato. No estado, é “acordo de cooperação técnica”.

E mais: essas entidades usavam o contracheque de um benefício estatal — pago com dinheiro retirado à força de outros trabalhadores — como canal de receita privada. São parasitas em cima de outro parasita. Um sistema que só pode existir porque os aposentados são obrigados a depender dele. É assim que se formam os verdadeiros monopólios: o estado primeiro destrói qualquer alternativa ao sistema público de previdência, depois vende a dependência como benefício social — e então entrega essa estrutura nas mãos de oportunistas bem relacionados.

E quando o esquema finalmente vem à tona, o que acontece? Uma explosão de “investigações”, “operações”, “ações do Supremo”, como se o mesmo estado que criou o problema agora fosse o herói a resolvê-lo. Um ministro do STF pede relatórios, intima órgãos públicos, cobra transparência — tudo em um teatro coreografado para parecer que algo está sendo feito. Mas todo brasileiro que já viveu o bastante sabe como essa história termina: em pizza. Um ou dois peixes pequenos talvez paguem o pato, os verdadeiros arquitetos continuam impunes, e as estruturas continuam intactas.

E se alguém ainda tinha esperanças, vem o STJ para jogar a pá de cal: declara que a polícia e o Ministério Público não podem pedir relatórios financeiros sem autorização judicial, e com isso já começam as anulações de provas. Ora, mas quando o estado quer perseguir um cidadão comum por sonegação ou lavagem de dinheiro, o Coaf age sem cerimônia. Mas quando são os próprios esquemas do estado que estão em jogo, aí as “garantias legais” aparecem para proteger os investigados.

Isso mostra, mais uma vez, que a justiça estatal não é uma justiça de verdade. É uma justiça de conveniência. Serve para punir quem desafia o sistema, mas não para proteger o indivíduo contra o sistema. Se você for um aposentado lesado por um desconto que nunca autorizou, boa sorte processando a entidade que te roubou. É como ir na delegacia reclamar que apanhou da polícia. No mínimo, vão rir na sua cara. Você vai enfrentar uma parede de burocracia, órgãos públicos omissos e um Judiciário mais preocupado com formalidades do que com reparação. E, no fim de tudo isso, provavelmente vai sair sem nada.

O mais trágico e revoltante é que muitos ainda veem o INSS como uma “conquista social”. Como se o direito de ser roubado por décadas, para no fim ainda ter seu benefício mutilado por descontos fraudulentos, fosse uma vitória da civilização. O que nós libertários já dizemos há muito tempo é que qualquer sistema fundado na coerção está fadado a esse tipo de podridão.

Para nós, libertários anarcocapitalistas, a solução não é reformar o sistema. O estado não pode ser consertado. Ele não pode ser moralizado. A única solução é acabar com ele, ou seja, com estruturas de governo coercitivas, com monopólios que se sustentam por meio do roubo, da força e da violência.

Em um cenário anarcocapitalista, a aposentadoria deve funcionar como um serviço privado, voluntário, baseado em contratos livres e transparentes. Fundos de pensão, seguros de vida, investimentos de longo prazo — tudo sob concorrência de mercado, onde empresas que tentassem passar a perna em seus clientes perderiam reputação, clientes e dinheiro. O idoso ou segurado teria liberdade para escolher o melhor plano, a melhor instituição, ou simplesmente gerir ele próprio seu futuro. Sem confisco. Sem ameaças. Sem "acordos" escondidos por trás de siglas estatais.

Mas num sistema estatal, o cidadão não é cliente — é gado. Paga compulsoriamente por um serviço que não pediu, não aprovou, e não pode recusar. E mesmo depois de décadas de contribuição forçada, ainda é enganado por dentro da estrutura estatal, enquanto políticos e burocratas fingem indignação.

Esse caso do INSS é mais um retrato de um sistema falido, corrupto e irrecuperável. O estado não serve para proteger ninguém. Serve para concentrar poder, para sustentar parasitas, para encobrir fraudes com burocracia. Enquanto as pessoas continuarem acreditando que é papel do governo cuidar da aposentadoria dos cidadãos, esse tipo de escândalo vai continuar se repetindo — com novas siglas, novas operações, e novas promessas de que “agora vai”.

Mas a única forma real de impedir que aposentados sejam saqueados por dentro do sistema é acabar com o sistema. Privatizar a aposentadoria. Devolver às pessoas a responsabilidade — e o direito — de cuidar de seu próprio futuro. Isso não é utopia, é o único caminho honesto e moral. A única forma real de impedir que isso se repita é tirar o poder do estado e devolvê-lo ao indivíduo. Não confie na previdência estatal. Construa sua aposentadoria com seus próprios meios, de preferência em ativos descentralizados como Bitcoin, ou fundos privados transparentes. Não entregue sua velhice nas mãos do Leviatã.

Referências:

https://www.metropoles.com/colunas/fabio-serapiao/investigados-apostam-em-tese-do-stj-para-anular-casos-da-farra-do-inss