Quando o simbolismo fala mais alto que o bom senso, o resultado é uma COP30 em Belém com diária de R$ 15 mil, navios virando hotéis, e diplomatas ameaçando boicote. Uma conferência sobre sustentabilidade que virou símbolo de desperdício.
Após décadas vendo o governo brasileiro criar distorções artificiais no mercado com uma mão e tentar corrigi-las com a outra, chegamos ao auge da genialidade burocrática: sediar a maior conferência climática do planeta numa cidade que mal tem hotéis suficientes para receber turistas de fim de semana. O resultado? Hotéis cobrando R$ 15 mil por diária, diplomatas do mundo inteiro ameaçando boicotar o evento e o governo descobrindo — surpresa! — que escolhas políticas têm consequências econômicas sérias.
A COP30 é a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que reunirá todos os 193 países da ONU entre 10 e 21 de novembro de 2025, em Belém. Em Dubai, a presença de empresas fez o número de participantes ultrapassar 65 mil. Estamos falando do maior evento diplomático do planeta — uma conferência que movimenta bilhões de dólares e tradicionalmente ocorre em metrópoles com infraestrutura sólida.
O problema? Belém foi escolhida por critérios que não incluíram capacidade hoteleira, transporte adequado e estrutura logística para receber dezenas de milhares de pessoas.
Vamos colocar os números na mesa. Um estabelecimento que antes se chamava "Hotel Nota 10" — e cobrava R$ 40 por duas horas de hospedagem — agora virou "Hotel COP30" e cobra mais de R$ 7 mil a diária. Literalmente transformaram chumbo em ouro apenas mudando uma placa.
Mas, se você achou que um aumento de 2.878% já era demencial, prepare-se para o Hotel Tivoli. Esse estabelecimento cinco estrelas, construído especialmente para a COP30 com R$ 20 milhões em crédito público, cobra diária média de R$ 15 mil — sendo que a suíte presidencial sai por módicos R$ 206 mil. Um valor totalmente bizarro diante da realidade financeira do brasileiro médio. Existem apartamentos pequenos que podem custar esse mesmo valor.
(Sugestão de pausa)
A ironia é quase poética: o hotel justifica o preço alegando que "a cidade de Belém não dispõe de capacidade hoteleira compatível com a magnitude do evento" — exatamente o problema que ele supostamente deveria resolver com os R$ 20 milhões de dinheiro público que recebeu.
Para compreender a dimensão da escolha equivocada, é preciso olhar a realidade de Belém sem romantizações. A cidade que deverá receber 45 mil pessoas tem uma rede hoteleira cuja taxa de ocupação passou de 50% para 82% apenas com o turismo normal, desde o início do ano.
O aeroporto da cidade bateu recorde de 3,9 milhões de passageiros em 2024 — um número que parece impressionante, até você descobrir que o aeroporto de Guarulhos chega a movimentar mais de 3 milhões de passageiros por mês. Para receber a COP30, Belém precisará processar mais passageiros em duas semanas do que normalmente recebe em quatro meses.
A solução do governo? Navios de cruzeiro para acomodar cerca de 4.500 leitos e R$ 180 milhões investidos no porto da Ilha de Outeiro. Sim, vamos transformar Belém em um porto flutuante porque não tivemos a sensatez de escolher uma cidade com hotéis suficientes.
(Sugestão de pausa)
Quando se compara Belém com outras cidades que já sediaram a COP, a escolha soa ainda mais absurda. Dubai, sede da COP28, é uma metrópole com mais de 700 hotéis e um aeroporto internacional que recebe 80 milhões de passageiros por ano. Glasgow, sede da COP26, tem mais de 130 hotéis apenas no centro da cidade.
O caso do Hotel Tivoli merece destaque na história das aberrações do capitalismo de compadrio brasileiro. O governo identificou que Belém não tinha hotéis suficientes e, como solução, pegou um prédio público abandonado (o antigo prédio da Receita Federal, que pegou fogo em 2012) e o cedeu para uma rede hoteleira privada construir um hotel com R$ 20 milhões em crédito público especial.
É o tipo de lógica que só o Estado brasileiro consegue produzir: identifica um problema, gasta dinheiro público para “resolvê-lo” e, depois, permite que o beneficiário use o próprio problema como justificativa para preços abusivos. É genial na sua perversidade: privatizam-se os lucros, socializam-se os prejuízos, e ainda se usa dinheiro público para construir o instrumento da própria extorsão.
A situação chegou a um ponto tão constrangedor que países do mundo inteiro assinaram uma carta pressionando o governo brasileiro, com preços chegando a 15 vezes o valor normal. Uma reunião de emergência precisou ser convocada pela ONU para tratar da crise hoteleira brasileira.
Imaginem: representantes de 195 países reunidos numa sala discutindo se conseguem arcar com os custos de hospedagem numa cidade brasileira. Diplomatas que negociam orçamentos de trilhões de dólares preocupados em como vão pagar a conta do hotel.
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Quando o Ministério da Justiça pediu explicações sobre os preços extorsivos, pelo menos dez empresas se recusaram a responder ou apresentaram justificativas idênticas — copiadas e coladas — alegando “confidencialidade” nos contratos. A rede brasileira de hotéis Bristol e a Ibis protocolaram documentos praticamente idênticos, com os mesmos trechos em negrito, alegando que as informações sobre preços são “sigilosas e estratégicas”. O que é sigilosa, na verdade, é a reunião em que eles combinaram os preços.
Como sempre acontece quando o Estado cria uma confusão monumental, a solução não é admitir o erro — é criar mais intervenção. Agora, o governo promete hospedagem subsidiada com tarifas de US$ 100 a US$ 600, incluindo valores reduzidos para delegações de países com menor poder aquisitivo.
Ou seja, o contribuinte brasileiro vai pagar para subsidiar a hospedagem de diplomatas estrangeiros porque o governo escolheu uma cidade inadequada para o evento. Os hoteleiros embolsam lucros estratosféricos, e o Estado arca com os subsídios para tornar o evento viável.
O governo federal já investiu quase R$ 5 bilhões em obras de infraestrutura para Belém. São bilhões de reais para adaptar uma cidade que nunca deveria ter sido escolhida em primeiro lugar.
(Sugestão de pausa)
A parte mais frustrante é que existiam alternativas óbvias, completamente ignoradas. Brasília tem infraestrutura hoteleira, centro de convenções e aeroporto internacional. São Paulo tem a maior rede hoteleira do país. O Rio de Janeiro já sediou Olimpíadas e Copa do Mundo. Até Manaus tem mais hotéis que Belém e um aeroporto com maior capacidade.
Mas não: a escolha teve que ser Belém, porque Lula decidiu que era preciso “discutir a importância da Amazônia na própria Amazônia”. Simbolismo político prevalecendo sobre o bom senso logístico.
Sabem qual vai ser o legado da COP30 em Belém? Uma cidade cheia de obras que só fazem sentido econômico durante duas semanas do ano. Mais de R$ 400 milhões no novo aeroporto, R$ 180 milhões no porto da Ilha de Outeiro — tudo para resolver problemas que não existiriam se tivéssemos escolhido uma cidade adequada. E por que gostam tanto de gastar dinheiro desnecessário? Porque é assim que se viabilizam aqueles esquemas escusos que ninguém fica sabendo, e muitos políticos se enriquecem nesse processo.
É a Copa do Mundo de 2014, versão climática: bilhões gastos em infraestrutura que será subutilizada assim que os holofotes se apagarem. A diferença é que, desta vez, nem estádios vamos ganhar — apenas um monte de navios ancorados numa cidade que não recebe cruzeiros.
Há uma ironia no fato de uma conferência sobre sustentabilidade ter se tornado o evento mais insustentável financeiramente da história diplomática brasileira. Uma conferência que deveria discutir eficiência energética está gastando bilhões em soluções improvisadas para problemas criados artificialmente.
(Sugestão de pausa)
A COP30 é chamada informalmente de “COP da Amazônia” — mas será lembrada como a COP dos navios-hotel, do desperdício do dinheiro público e dos preços abusivos. Em vez de discutir como preservar a floresta, os diplomatas vão gastar tempo calculando se conseguem pagar a hospedagem.
Se há uma lição a ser aprendida, é que o Estado brasileiro tem uma habilidade única de transformar oportunidades em catástrofes por puro amadorismo ideológico. A COP30 poderia ter sido uma vitrine internacional de um Brasil competente e organizado. Em vez disso, virou o símbolo perfeito da gestão pública brasileira: falta de planejamento, incompetência, péssima execução — e o contribuinte, como sempre, pagando a conta de decisões tomadas com o coração, em vez da cabeça.
https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2025/08/7216371-hotel-muda-de-nome-para-a-cop30-e-aumenta-valor-da-diaria-em-2878.html
https://agenciabrasil.ebc.com.br/meio-ambiente/noticia/2025-01/belem-precisa-mais-que-dobrar-numero-de-leitos-de-hotel-para-cop30
https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2025/02/7068652-falta-de-infraestrutura-ameaca-a-cop30.html