Justiça falha: Nomes de vítimas expostos em mandados. O Estado contra o indivíduo

A lei existe para proteger os mais frágeis, certo? Prepare-se para descobrir como a própria justiça brasileira se tornou a algoz, expondo publicamente quem deveria guardar sob o mais absoluto sigilo.

Preparem o estômago e a indignação. Esta notícia emerge das entranhas do sistema judiciário brasileiro e é daquelas que revoltam profundamente e expõem, de forma crua, dolorosa e inaceitável, a incompetência crônica, a insensibilidade burocrática e — por que não ousar dizer? — a própria natureza intrinsecamente opressora do aparato estatal.
Uma investigação jornalística trouxe à luz algo verdadeiramente assustador e ilegal: a Justiça brasileira, em flagrante desrespeito a leis expressas que garantem o sigilo processual em casos sensíveis, expôs publicamente nomes completos — e, em alguns casos, até mesmo endereços e outros dados identificadores — de vítimas de crimes de extrema brutalidade.
Estamos falando de vítimas de crimes cruéis, como estupro, estupro de vulnerável e violência doméstica severa. Pior ainda: muitas dessas vítimas são crianças e adolescentes, cujo direito à privacidade e à proteção deveria ser ainda mais zelosamente guardado.
Sim, você leu corretamente: a instituição que, em teoria, deveria ser o último refúgio da proteção legal e da garantia de direitos transformou-se, por uma combinação nefasta de negligência sistêmica, falhas processuais e pura incompetência burocrática, em mais um fator de risco, humilhação e revitimização para aqueles que já sofreram o pior nas mãos de criminosos.
(Sugestão de Pausa)
A reportagem, utilizando ferramentas de análise de dados e inteligência artificial para vasculhar um vasto universo de documentos públicos, encontrou nada menos que cento e vinte mandados de prisão emitidos por tribunais de justiça de diversas unidades da federação que continham essa violação flagrante.
Ao lado do nome do criminoso procurado pela polícia, lá estavam, expostas para qualquer um ver, informações detalhadas sobre as vítimas: nomes completos, idades e, por vezes, até descrições dos crimes sofridos ou dados que poderiam levar à sua localização.
Informações que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Processo Penal e outras legislações específicas, deveriam estar sob o mais rigoroso sigilo — justamente para resguardar a intimidade, a segurança física e a saúde mental de quem já foi terrivelmente vitimizado.
E o mais chocante: esses mandados, com todos esses dados sensíveis expostos, ficavam (e talvez ainda fiquem, em alguns casos) disponíveis publicamente em sistemas online, como o Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), uma plataforma acessível a qualquer pessoa com uma simples conexão à internet.
Ou seja, isso implica que potenciais agressores, seus cúmplices ou indivíduos mal-intencionados tenham acesso a esses dados.
(Sugestão de Pausa)
Tente imaginar o terror psicológico de uma mulher que sobreviveu a anos de violência doméstica ao descobrir que seu nome completo, e talvez informações que permitam localizá-la, estão associados publicamente ao mandado de prisão de seu agressor foragido. Pense no trauma excruciante revivido por uma criança ou adolescente vítima de estupro ao ter sua identidade exposta dessa forma brutal e irresponsável pelo próprio sistema que deveria protegê-la. É, sem sombra de dúvida, uma segunda violência, uma nova agressão, desta vez perpetrada não por um criminoso individual, mas pelo próprio aparato estatal que falhou em protegê-la da primeira violência e agora falha em resguardar sua dignidade e segurança após o fato.
A exposição pública desses dados não apenas causa um dano psicológico imensurável e potencialmente irreparável, dificultando a superação do trauma e a reconstrução da vida, mas também coloca essas vítimas em um risco físico real e imediato. Isso pode facilitar atos de vingança, retaliação ou novas agressões por parte dos criminosos, ou de suas redes de apoio.
Diante da gravidade da denúncia trazida pela reportagem do G1 que você encontra o link na descrição deste vídeo, a reação das cúpulas do judiciário, incluindo os tribunais envolvidos e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi a de sempre em situações de escândalo: um misto de surpresa fingida, notas oficiais de repúdio veemente, promessas vazias de apuração rigorosa dos fatos e o acionamento protocolar das corregedorias internas. A imensa e lenta máquina burocrática estatal se movimenta, então, não tanto para reparar o dano causado às vítimas, mas primariamente para controlar os danos à sua própria imagem e reputação perante a opinião pública. Contudo, a falha sistêmica já ocorreu, o vazamento de dados sensíveis já aconteceu, e o dano à vida e à segurança dessas vítimas já foi irremediavelmente feito. A pergunta crucial que permanece, e que raramente é respondida de forma satisfatória pela burocracia, é: como uma violação tão grave e tão básica da lei pôde acontecer em tantos casos diferentes, em tantos tribunais distintos, espalhados pelo país? A resposta, para um observador com lentes libertárias, é dolorosamente clara: este não é um mero acidente isolado, mas sim a consequência quase inevitável de um sistema estatal gigantesco, excessivamente complexo, cronicamente ineficiente e desumanizado em seus processos. É evidente que o leviatã estatal é completamente incapaz de garantir os direitos individuais que ele mesmo proclama proteger.
(Sugestão de Pausa)
Vamos dissecar essa aberração institucional sob a ótica libertária, identificando as falhas estruturais que ela revela.
Primeiro — e de forma mais evidente —, ela escancara a incompetência e a ineficiência inerentes à gestão burocrática estatal. Foram centenas de casos flagrantes encontrados em uma amostra significativa. Quantos outros casos semelhantes, não detectados pela OSINT (sigla em inglês para Inteligência de Código Aberto), ainda existem nos labirintos dos sistemas judiciais brasileiros?
A dimensão do problema indica que não estamos diante de erros pontuais, cometidos por um ou outro servidor descuidado. Trata-se de um padrão preocupante que revela falhas graves e sistêmicas.
Entre elas, destacam-se: procedimentos internos inadequados ou mal definidos; falta de treinamento consistente e eficaz dos servidores responsáveis pela elaboração e publicação dos mandados — incluindo juízes, escrivães, analistas e técnicos judiciários; e o uso de sistemas de informática obsoletos, mal projetados ou mal utilizados, que não possuem salvaguardas para impedir a divulgação de dados sigilosos.
Talvez o mais grave seja a cultura organizacional vigente. Na prática cotidiana, ela não prioriza a proteção real e efetiva dos direitos individuais, especialmente dos mais vulneráveis. Em vez disso, dá preferência à celeridade processual aparente ou à simples conveniência administrativa.
(Sugestão de Pausa)
O estado brasileiro é pródigo em criar leis e mais leis, muitas delas repletas de boas intenções no papel, como as que, corretamente, garantem o sigilo dos dados das vítimas em processos criminais sensíveis. No entanto, a máquina estatal é tão vasta, tão lenta, tão fragmentada e tão descoordenada em sua operação que a implementação efetiva e consistente dessas leis no mundo real se torna uma verdadeira loteria.
O servidor que preenche o formulário do mandado pode desconhecer a legislação específica, pode estar sobrecarregado com um volume de trabalho insano, pode simplesmente cometer um erro por descuido em meio à rotina, ou pode até mesmo agir com descaso. O sistema de informática utilizado pode não ter os campos adequados para marcar a necessidade de sigilo, ou pode permitir, por falha de programação ou configuração, a publicação indevida de informações que deveriam ser restritas. E a fiscalização interna e externa, como é praxe na administração pública, tende a ser falha, reativa e focada mais em formalidades do que na eficácia da proteção dos direitos.
Segundo, este caso demonstra de forma cabal o profundo e fundamental desrespeito que o estado, em sua lógica operacional, nutre pela privacidade e pela dignidade individual. Mesmo quando a lei determina expressamente o sigilo, a tendência intrínseca da burocracia estatal é tratar as pessoas envolvidas nos processos – sejam elas rés, testemunhas ou vítimas – como meros dados a serem processados, números em estatísticas, peças em um tabuleiro administrativo. O nome da vítima, sua idade, os detalhes de seu sofrimento, transformam-se apenas em mais um campo a ser preenchido no formulário eletrônico do mandado de prisão, muitas vezes sem a devida consideração pelas consequências humanas devastadoras que a divulgação pública daquela informação pode acarretar. A privacidade, um direito humano fundamental, derivado diretamente do princípio da autopropriedade, ou seja, o direito de controlar as informações sobre si mesmo, é rotineiramente sacrificada no altar da suposta eficiência processual, da conveniência burocrática ou, mais frequentemente, da simples e indesculpável negligência.
(Sugestão de Pausa)
Diante desse cenário desolador, qual seria a resposta adequada?
A resposta estatista padrão, previsível e ineficaz, é sempre a mesma: clamar por mais leis, mais regulações internas, mais treinamentos para servidores, mais corregedorias para investigar, mais burocracia para fiscalizar a própria burocracia. Ou seja, aplicar mais do mesmo veneno que contribuiu para causar a doença em primeiro lugar, aumentando ainda mais a complexidade e o custo do sistema, sem atacar as causas-raiz do problema.
A resposta libertária, por outro lado, é necessariamente mais radical e fundamental: questionar a própria necessidade e legitimidade de um monopólio estatal sobre a prestação de serviços de justiça e segurança pública.
Em uma sociedade verdadeiramente livre, organizada com base nos princípios da propriedade privada, da liberdade de contrato e da não agressão, a proteção das vítimas e a busca por justiça seriam tratadas de forma radicalmente diferente: descentralizada e voluntária.
Agências de proteção e segurança privadas, competindo em um mercado livre, teriam fortes incentivos econômicos e reputacionais para garantir não apenas a segurança física de seus clientes, mas também a estrita confidencialidade de suas informações pessoais, pois sua sobrevivência no mercado dependeria diretamente da confiança e da satisfação de seus contratantes.
(Sugestão de Pausa)
A resolução de disputas e a punição de crimes poderiam ocorrer por meio de uma pluralidade de mecanismos voluntários, como sistemas de arbitragem especializados, cortes privadas baseadas em contratos e reputação, mediação comunitária — com foco primordial na reparação integral da vítima e na responsabilização efetiva e proporcional do agressor —, utilizando tecnologias e procedimentos contratuais robustos para garantir a confidencialidade das informações sensíveis durante todo o processo.
A exposição pública indevida de dados de vítimas, nesse cenário de livre mercado, seria não apenas uma falha moral grave, mas também uma quebra contratual explícita. Assim, a empresa estaria sujeita a penalidades financeiras severas, ações de indenização por danos e, crucialmente, a uma perda devastadora de reputação que poderia levar a agência responsável à falência. Haveria uma concorrência dinâmica por oferecer os serviços de proteção e justiça mais eficientes, mais seguros, mais rápidos e, fundamentalmente, mais respeitosos da privacidade e da dignidade individual.
É claro que esta é uma visão de uma ordem social radicalmente diferente da atual — um horizonte libertário de longo prazo.
No contexto presente, diante da falha grotesca do Estado brasileiro, o mínimo que se pode — e deve — exigir é que ele corrija imediatamente essa vulnerabilidade inaceitável em seus sistemas, identificando e removendo todos os mandados que expõem dados de vítimas. Que puna exemplarmente os responsáveis diretos pela negligência, embora a probabilidade de uma punição efetiva na estrutura estatal seja historicamente baixa. E, acima de tudo, que indenize de forma justa e célere as vítimas por essa segunda e indesculpável violência que lhes foi imposta pelo próprio guardião que deveria protegê-las.
Mas não nos iludamos: enquanto a proteção de nossos direitos mais fundamentais depender de um monopólio estatal inchado, ineficiente, insensível e propenso a erros e abusos, casos absurdos e revoltantes como este continuarão a emergir das sombras da burocracia, revelando a verdadeira face de um Leviatã que, muitas vezes, mais atrapalha, agride e revitimiza do que protege.


Referências:

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13718.htm

https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/06/01/vitimas-expostas-como-o-g1-descobriu-que-justica-divulgou-nomes-de-criancas-e-mulheres-vitimas-de-estupro-e-violencia-domestica.ghtml

https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/06/01/contra-a-lei-justica-expoe-nomes-e-enderecos-de-criancas-e-mulheres-vitimas-de-estupro-e-violencia-domestica.ghtml