Uma onda de sequestros em massa tem varrido a Nigéria, nos últimos tempos - um país castigado pela inflação, pela pobreza, pelo desarmamento civil e pela ação estatal.
A Nigéria é conhecida por ser o país africano com a maior população do continente, bem como por possuir o maior PIB de toda a região. O país é o maior produtor mundial de mandioca e de inhame, mas o que se destaca mesmo, em sua economia, é a produção de petróleo - sendo que a Nigéria é, atualmente, o 15º maior produtor dessa commodity no mundo. Porém, nos últimos anos, outro setor econômico - extremamente heterodoxo - tem movimentado cada vez mais dinheiro no país, e atraído cada vez mais participantes: o mercado dos sequestros.
Alguns exemplos de casos recentes deixam claro a proporção que esse crime tem atingido na Nigéria. No dia 7 de março deste ano, nada menos que 250 estudantes nigerianos, com idades entre 8 e 15 anos, foram sequestrados, na cidade de Kuriga. Nessa ocasião, também uma professora foi levada pelos criminosos. Durante a ação, um jovem de 14 anos perdeu a vida, por conta de disparos efetuados pelos bandidos. Como resgate pelos reféns, os sequestradores exigiram um valor equivalente a R$ 3 milhões. Isso dá cerca de R$ 13 mil por refém - o que não parece ser tanta coisa assim. Só que como esse valor é superior ao PIB per capita da população da Nigéria, então sim - isso é muita grana para um nigeriano.
Obviamente, não estamos falando de um caso isolado. Na mesma semana do referido sequestro, outras 200 pessoas, que se aventuravam em uma floresta para coletar lenha, foram levadas por sequestradores ligados a grupos extremistas islâmicos. No dia 18 do mesmo mês, mais 100 pessoas foram raptadas por criminosos. Um dia antes, 87 pessoas já haviam sido sequestradas na mesma região - número que superou os 16 reféns, sequestrados no dia anterior. Sim: os sequestros na Nigéria estão acontecendo em escala industrial.
Apenas tente imaginar o inferno que é viver num lugar assim! Acontece que essa situação não é uma desagradável novidade surgida em 2024. Ondas de sequestro castigam a Nigéria pelo menos desde 2011 - principalmente por conta de gangues extremistas islâmicas, como o famigerado Boko Haram - que também foi o responsável pelos sequestros do dia 7 de março, citados no início deste vídeo. Mas o que já era ruim conseguiu se tornar ainda pior nos últimos tempos. Desde que o atual presidente, Bola Tinubu, chegou ao poder, menos de um ano atrás, quase 5 mil pessoas já foram sequestradas no país.
A verdade é que, na Nigéria, os sequestros são mesmo um excelente negócio - por terem uma alta lucratividade e um risco muito baixo. É muito fácil compreender o apelo econômico dessa situação: uma gangue não precisa investir muitos recursos para iniciar suas atividades criminosas. Basta adquirir algumas armas de grosso calibre e algum veículo para transportar suas vítimas - posto que, geralmente, os cativeiros são meros acampamentos, montados no meio de florestas.
Por outro lado, raramente os sequestradores terminam por ser presos, ou punidos de alguma forma. E, geralmente, eles cumprem o que prometem: se a quantia solicitada for paga, os reféns são soltos, sem maiores problemas. Ou seja: essa é uma atividade que reúne todos os requisitos necessários para chamar a atenção de indivíduos com um senso moral não muito bem calibrado. E, acredite ou não, para tentar resolver o problema, o governo da Nigéria chegou a proibir o pagamento de resgates! Pois é: o governo tenta combater o crime, punindo a vítima. Mas nós ainda vamos falar mais sobre a culpa do estado nessa história.
O que se observa é que muitos grupos de sequestradores nigerianos estão simplesmente desesperados por dinheiro. O norte da Nigéria está sofrendo com a expansão do deserto do Saara. Por isso, grupos de pessoas pobres têm se deslocado mais para o sul do país - algo que reforça ainda mais os problemas econômicos. Portanto, cada vez mais nigerianos têm visto, no crime, a solução para seus problemas. Existem, inclusive, relatos de grupos que exigiram, como resgate, itens como alimentos, motocicletas, e até mesmo gasolina.
De forma geral, é pouco provável que essa situação melhore por lá, pelo menos no curto prazo. A verdade é que o governo nigeriano não está muito interessado na resolução desse problema. Veja este exemplo: em 2021, um grupo de criminosos, liderados por Auwalu Daudawa, promoveu um sequestro de mais de 300 crianças numa escola nigeriana. Só que, pouco depois, o cabeça da gangue “se arrependeu” e entregou suas armas ao governo local, sendo perdoado de seus crimes. Na sequência, esses bandidos receberam acomodações do governo e 2 vacas para cada fuzil entregue. Pois é! Pouco tempo depois, porém, Daudawa voltou para sua gangue e retomou suas atividades. O que o estado não fez, contudo, as gangues rivais fizeram: em maio daquele ano, ele acabou sendo morto em um confronto com bandidos de outro grupo.
Mas, afinal de contas, qual é a raiz do problema nigeriano? Quais são as causas dessa verdadeira tragédia humanitária? Bem, o assunto é complexo, e vários motivos contribuem para essa situação. Porém, não podemos, jamais, deixar de atribuir, ao governo nigeriano, sua grande parcela de culpa em toda essa situação.
O primeiro ponto é a questão da inflação. A moeda nacional - a naira - perdeu 87% de seu valor nos últimos anos. Por conta da péssima situação econômica, centenas de milhões de dólares em investimentos têm deixado o país, todos os anos. Quando esse tipo de coisa acontece, a população termina por ser lançada na miséria - o que empurra muita gente para a criminalidade. Ou você acha que é mera coincidência vermos, aqui no Brasil, a criminalidade aflorar nos lugares onde os efeitos econômicos deletérios da ação estatal são mais fortes?
Nesse tipo de situação, os preços disparam - especialmente os dos alimentos. Dessa forma, o povo tem cada vez mais dificuldades para ter o básico do básico. A verdade, por mais triste que seja, é que onde quer que um governo destrua a moeda corrente, o ato de trabalhar deixa de ser interessante - uma vez que as pessoas percebem que seu poder aquisitivo simplesmente evapora, ao longo dos meses. Por outro lado, a atividade criminosa - especialmente quando envolvida em baixo risco - atrai cada vez mais gente. Isso explica, inclusive, a preferência que algumas gangues apresentam por resgates em bens, e não em dinheiro - que se desvaloriza muito rápido.
O segundo ponto é a questão da corrupção estatal. De fato, a Nigéria ocupa a posição número 148 num ranking de percepção de corrupção, no qual são avaliados 180 países - sendo que, quanto maior a posição, mais corrupta é a nação. A título de comparação: o Brasil ocupa o lugar de número 105 nessa lista. Ou seja: o povo nigeriano percebe, muito bem, que o estado não passa de uma máquina de corromper e de expropriar dinheiro. Nesse tipo de cenário, as instituições estatais estão fadadas à falência. Assim, a tendência é que o vácuo do poder estatal seja ocupado por grupos criminosos organizados e violentos. Não é muito diferente, por exemplo, do que acontece em favelas brasileiras - só que num nível consideravelmente maior.
Em terceiro lugar, não podemos deixar de citar o fato de a Nigéria possuir uma legislação antiarmas extremamente rígida. Por lá, possuir uma arma de fogo ilegal pode dar cana de até 10 anos! Agora, adivinha só se isso não iria causar um problema de segurança pública? Pois é: a população nigeriana que respeita a lei estatal não consegue adquirir armas legalmente, nem as compra de maneira ilegal. Já os bandidos, por sua vez, não estão nem aí para isso. O resultado, como era de se esperar, é que os grupos criminosos estão armados até os dentes, para enfrentar uma polícia extremamente ineficiente. Assim, o povo nigeriano se torna completamente vulnerável à ação dos bandidos. Não é muito diferente de um tal país da América do Sul, certo? Você sabe de qual estamos falando…
Agora, “especialistas” afirmam que o governo da Nigéria precisa se aliar com governos vizinhos para resolver o problema da criminalidade. Isso, obviamente, é um grande equívoco: o estado não é a solução - ele é o problema. A Nigéria não precisa de mais estado; ela precisa de mais liberdade! Os nigerianos precisam ser livres para se defender de quaisquer ameaças, de maneira proporcional, bem como precisam ser livres para prosperar de formas éticas. O mercado, por sua vez, lhes dará os incentivos corretos: o crime será combatido com prontidão por pessoas livres e honestas. Já a atividade econômica tradicional voltará a ser rentável e atrativa, uma vez que o estado não agirá para lançar todos na mais profunda miséria.
É triste imaginar um cenário em que toda uma população é castigada por décadas de exploração internacional, corrupção política e, principalmente, inflação causada pela ação estatal. Algumas partes do mundo se tornam verdadeiros laboratórios a céu aberto - tristes exemplos do quão graves podem ser os problemas causados pelo estado. Sem dúvidas, a Nigéria é um dos “cases” mais impactantes, neste sentido. De fato, somente se levarmos em conta a terrível ação estatal, é que poderemos entender como uma atividade criminosa, como o sequestro, pode ser tão rentável e segura para criminosos, a ponto de ser praticada, com frequência, e no atacado. Para o povo nigeriano, só podemos desejar o máximo de liberdade, o quanto antes - porque, só assim, eles conseguirão obter, também, o máximo de segurança.
https://www.nexojornal.com.br/extra/2024/03/08/estudantes-raptados-na-nigeria
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/sequestradores-exigem-r-3-milhoes-para-soltar-estudantes-na-nigeria-dizem-autoridades/
https://www.dadosmundiais.com/africa/nigeria/corrupcao.php#google_vignette
https://issafrica.org/iss-today/looser-gun-laws-could-deepen-nigerias-security-crisis
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56340551
https://www.bbc.com/news/world-africa-56956595
https://exame.com/economia/segunda-maior-economia-da-africa-nigeria-enfrenta-inflacao-historica-e-fuga-de-empresas/