STF LEGALIZA o NEPOTISMO

O STF se inspirou em Chitãozinho e Xororó, e resolveu parar de negar as aparências e disfarçar as evidências. Agora o nepotismo se tornará legal, e Lula finalmente terá a chance de dar um carguinho pra Janja.

O Brasil nunca decepciona. Quando você acha que já viu de tudo, o estado brasileiro dá um passo além — mas é um passo além na direção de um abismo. Desta vez, o Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte do país, resolveu que vai legalizar o nepotismo. O STF formou maioria para autorizar a nomeação de parentes em cargos políticos. Os ministros decidiram, em sua infinita sabedoria, que o nepotismo — essa velha prática tão condenada pelo povo e tão praticada pelos políticos — não é exatamente um problema. Ou, pelo menos, não é um problema se for “em cargos de natureza política”.
E é aí que mora o truque: a corte não está exatamente liberando o nepotismo — está apenas “reinterpretando” o que já existia. Em bom português: estão legalizando o que sempre foi ilegal, mas que todo mundo sempre fez. É a institucionalização daquilo que já acontece nos bastidores. O STF, que deveria zelar pelo cumprimento da Constituição, agora dedica-se a adequá-la ao comportamento dos políticos. Se a realidade não cabe na lei, muda-se a lei — simples assim.
O julgamento, iniciado em 2020, discute a aplicação da Súmula Vinculante 13, que proíbe o nepotismo na administração pública. Mas os ministros, num rasgo de criatividade jurídica, decidiram reinterpretar o texto: agora a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em cargos políticos não configura automaticamente nepotismo. É o que diz o voto dos ministros Luiz Fux, Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Por incrível que pareça, o rocambole… digo, o Flávio Dino foi o único a divergir até o momento. A tese é a de que cargos políticos exigem confiança pessoal — e, portanto, não poderiam ser submetidos às mesmas regras dos cargos administrativos.
Traduzindo do juridiquês: se o político quiser colocar o primo, o cunhado, a esposa ou o filho em um cargo comissionado, tudo bem — desde que o cargo seja “de natureza política”. E o que é um cargo de natureza política? Ora, qualquer um que o próprio político ou ministro do STF queira que seja. É o tipo de brecha que só a mente de um burocrata é capaz de conceber: uma exceção ampla, vaga e conveniente.
Mas a verdade é que o Brasil acaba de legalizar o que já acontecia nos bastidores do poder, com a única diferença de que agora o nepotismo direto poderá tomar o lugar do velho nepotismo cruzado — aquele esquema em que um político indica o parente de outro e vice-versa, criando uma teia de favorecimentos mútuos que transforma o estado em um condomínio familiar. Agora, o jogo se torna mais simples: não será mais necessário o teatro de fingir que o primo do deputado A trabalha para o senador B. Poderão, enfim, admitir que trabalham todos para o mesmo patrão — o contribuinte.
Mas há algo que pode tornar isso tudo ainda mais bizarro: rumores de bastidores sugerem que a reinterpretação da súmula teria um motivador bem específico — e, digamos, doméstico. Há quem diga que Lula, o mesmo que vive discursando contra os “privilegiados”, gostaria de nomear Janja para um cargo político no governo. O problema é que, pelas regras atuais, isso seria considerado nepotismo. Mas, se o Supremo “flexibilizar” o conceito, pronto: está aberto o caminho para que a primeira-dama se torne também ministra, conselheira, ou quem sabe “embaixadora de causas sociais”. E assim, com um voto aqui, outro ali, o estado brasileiro vai se tornando cada vez mais parecido com uma monarquia tropical, onde o rei distribui cargos entre os membros de sua corte — e chama isso de república.
Mas a verdade é que essa mudança não choca ninguém. Afinal, o nepotismo, no Brasil, nunca foi exceção. Ele é a regra disfarçada. Desde o vereador de cidade pequena até o ministro de estado, todos sabem que os cargos públicos funcionam como um espólio familiar. O estado é visto como uma herança, e não como uma instituição pública. A decisão do STF apenas oficializa o que o país já pratica há décadas. É o velho “jeitinho brasileiro” transformado em lei.
E aqui chegamos à verdadeira essência do problema: a moralidade do estado brasileiro é inteiramente relativa. Ela muda conforme o interesse de quem detém o poder. Quando é conveniente, a lei é rígida, implacável, moralista. Quando é inconveniente, ela se torna flexível, interpretável, “contextual”. É a ética juspositivista em seu estado mais puro: uma ética sem substância, moldada ao sabor do poder político.
O positivismo jurídico, afinal, parte da ideia de que algo é justo simplesmente porque está previsto em lei. Ou seja, se o STF decidir que o nepotismo é aceitável, então ele se torna, magicamente, moral. É a velha máxima de que “a lei é a lei” — uma frase que soa profunda, mas que, na prática, apenas mascara o autoritarismo. Porque, se a moral depende da caneta de um ministro, não há moral alguma. Há apenas vontade. E a vontade dos poderosos, como bem sabemos, é elástica.
O libertarianismo, em contrapartida, parte de uma ética sólida — a ética perene da não agressão, que não muda com o tempo, nem com o humor dos tribunais. Ela não precisa de votos, ministros ou súmulas. Ela se fundamenta em princípios universais, válidos aqui, na Noruega ou em Marte: ninguém tem o direito de usar a força para dominar outro indivíduo. Simples assim. E é justamente por isso que o libertário vê o estado como o maior violador dessa ética.
Porque, veja: apenas em uma estrutura coercitiva como o estado é possível que meia dúzia de homens togados decidam, por voto, que o roubo é legítimo — desde que o chamem de imposto. Que a censura é “necessária” — desde que seja feita “em nome da democracia”. E que o nepotismo é aceitável — desde que seja “de natureza política”. O problema não é a decisão em si, mas o poder de decidir sobre a vida alheia que o estado reivindica para si.
É esse poder arbitrário que cria castas. O estado moderno é, em essência, um feudo travestido de administração pública. E, se esse novo entendimento do STF prevalecer, o Brasil estará apenas reconhecendo o que já é: uma monarquia informal, sustentada pelo trabalho compulsório dos súditos — nós. Os filhos, esposas e primos dos políticos viverão cada vez melhor, enquanto o cidadão comum segue pagando a conta.
Se pensarmos bem, a ideia de uma monarquia estatal não é tão absurda assim. A diferença é que, em vez de coroas e tronos, nossos nobres usam crachás e discursos sobre “função social”. O roubo, que antes se chamava tributo ao rei, hoje atende pelo nome de imposto. A corte, antes formada por barões e duques, agora é composta por ministros, assessores e secretários-executivos. E os súditos — esses continuam os mesmos de sempre: trabalhadores que financiam, à força, o luxo alheio.
O STF, ao liberar o nepotismo político, apenas consolida essa estrutura feudal. Está dizendo, nas entrelinhas: “Sim, as famílias que mandam no país continuarão mandando — e agora com respaldo jurídico.” E o mais irônico é que tudo isso é feito em nome da democracia. Uma democracia em que o voto serve apenas para escolher qual dinastia ocupará o trono nos próximos quatro anos.
Do ponto de vista libertário, isso é a consequência natural da própria existência do estado. Quando você cria uma instituição baseada no monopólio da força, não há como esperar virtude. A lógica estatal é a lógica do privilégio. O estado existe para redistribuir riqueza — não dos ricos para os pobres, como a retórica populista insiste em repetir, mas dos produtivos para os parasitas. E, quanto maior o poder concentrado em Brasília, mais intensa se torna essa transferência.
O que o STF faz agora é apenas retirar o véu de moral que restava. Está dizendo, com todas as letras: “Sim, os poderosos podem beneficiar suas famílias — e vocês, cidadãos, continuarão financiando isso.” E o mais assustador é que ninguém, ou quase ninguém, está se revoltando com isso. O brasileiro médio, tão acostumado à violência legal, perdeu completamente o senso de indignação.
“Mas o nepotismo não seria um problema se o cargo fosse de confiança?”, perguntam os defensores da decisão. Ora, se a administração pública funcionasse segundo critérios de mercado, essa discussão sequer existiria. Em uma sociedade livre, o nepotismo é corrigido naturalmente: quem contrata o parente incompetente perde dinheiro. Mas, em um sistema onde o dinheiro não vem do mérito, e sim do imposto, o incentivo é justamente o contrário. O estado premia a ineficiência, recompensa o compadrio e eterniza a mediocridade.
No fim das contas, o nepotismo não é a causa da podridão estatal — é apenas o sintoma mais visível. O problema de fundo é o próprio sistema, que concentra poder e recursos em poucas mãos. Enquanto houver um cofre público a ser saqueado, sempre haverá famílias dispostas a disputá-lo. A diferença é que, agora, terão o selo de aprovação do Supremo Tribunal Federal.
E o mais curioso é observar como o discurso moralista muda conforme o lado do balcão. Quando o adversário político nomeia o primo, é escândalo. Quando o aliado nomeia a esposa, é “confiança política”. Essa maleabilidade ética é a marca registrada do estado brasileiro. 
Enquanto isso, os libertários seguem apontando o óbvio: a ética não pode depender da lei. A lei deve derivar da ética — e não o contrário. Um ato não se torna justo porque um juiz assim decidiu, nem se torna moral porque um ministro assim quis. E é por isso que a ética libertária é perene. Ela não muda de acordo com o governante, nem precisa de interpretações criativas. É uma moral que permanece firme no tempo, mesmo quando o poder tenta deformá-la.
Mas, claro, essa é uma linguagem que o estado não entende. Para o estado, moral é aquilo que serve à manutenção do próprio estado. Por isso, quando um ministro fala em “interpretação constitucional”, o que ele quer dizer, de fato, é “como faremos para continuar mandando sem parecer que estamos mandando demais”. É uma ginástica retórica, um malabarismo jurídico cujo único objetivo é legitimar o privilégio.
No fundo, a decisão do STF não é surpreendente. A corte, composta por indicados políticos, nada mais faz do que retribuir favores. E, se amanhã um presidente quiser nomear a esposa, o genro ou o papagaio para o ministério, já terá o caminho pavimentado.
A história mostra que toda democracia tende a se converter em oligarquia. E toda oligarquia, cedo ou tarde, assume a forma de uma monarquia disfarçada. O Brasil está apenas cumprindo esse roteiro com a naturalidade de quem já nasceu pronto para ele.
No fim, resta ao cidadão comum — esse eterno financiador de privilégios — assistir de camarote à coroação dos novos nobres da República. Os mesmos que dizem governar “em nome do povo”, mas que jamais suaram um dia sequer fora das paredes do poder.
Então é isso, o Brasil decidiu oficializar o nepotismo. E, de certa forma, é até coerente. Um país governado por castas, sustentado por impostos e conduzido por juízes que se acham deuses nada mais faz do que assumir, com todas as letras, o que sempre foi.
A farsa acabou. Bem-vindo à monarquia dos parasitas.

Referências:

https://www.gazetadopovo.com.br/republica/stf-tem-maioria-para-autorizar-nomeacao-parentes-cargos-politicos/